
Foi um dos maiores parlamentares da Câmara Federal e um grande governador do Estado da Guanabara. Orador mordaz, ferino, valente, aguerrido. Voz tonitruante, estupenda, cujo som repercutia como uma música. Era um pregador rebelde, irrequieto, um impaciente, cuja qualificação pessoal não se enquadra nos padrões dos que se submetem e se humilham. Quando falava no plenário da Câmara Federal muitos não o aparteavam, simplesmente por medo de não se verem em inevitável embaraço em face do contextualizado e elevado nível de sua prelação. Não era formado, começou a fazer o curso de graduação na Faculdade Nacional de Direito, contudo, desistiu. Mas, conseguiu fundar o jornal Tribuna da Imprensa; e se eleger aos cargos acima especificados. Era virtual candidato à presidência da República após o governo de Humberto Alencar Castelo Branco, em l967, todavia foi traído, espezinhado, massacrado e preso pelo golpe militar de 1964, ao lado do brilhante jornalista Hélio Fernandes.
Carlos Lacerda era temido pelos seus adversários e respeitado pelos correligionários e amigos. Fez oposição ferrenha, sistemática a Getúlio Vargas e o derrubou, culminando com o suicídio do ex-presidente, acontecido em 24 de agosto de 1954. Participou em 1955 do movimento contra a posse de Juscelino Kubitschek, tendo, também, denunciado o golpe que Jânio Quadros queria implantar em agosto de 1961, o qual culminou com a renúncia do primeiro mandatário da nação. Nos idos de 1964 contribuiu decisivamente como governador do ex-Estado da Guanabara, juntamente com outros governadores, militares e civis, para a derrubada do presidente João Belchior Goulart e a implantação do Golpe Militar que durou aproximadamente 21 anos.
Carlos Lacerda tinha pretensões vistosas, claras de vir a ser Presidente da República, entretanto, teve sua vontade e suas idéias tolhidas pelo presidente Costa e Silva quando implantou no país o AI-
Sustentava Carlos Lacerda para justificar o movimento: “O povo está sem voz. Com a suspensão do povo de escolher os seus governantes e essa ausência de líderes se torna ainda mais grave. É preciso, portanto, reunir tudo o que for útil, tudo o que for válido para mobilizar a fé do povo, a confiança do povo em seu próprio destino, no seu próprio futuro. A Revolução foi traída e, portanto, só lhe resta um caminho: o da redemocratização”.
Só que a Frente Ampla foi exterminada quando se decretou o AI-5 em 13 de dezembro de 1968 e nesse mesmo dia era preso Juscelino Kubitschek e, Lacerda, no dia seguinte, em sua casa. Adoentado, foi levado por diversos quartéis e recolhido ao Regimento Caetano de Faria da Polícia Militar do Rio, na rua Frei Caneca.
Carlos Lacerda fez greve de fome e o governo quis bani-lo do país.Prestou depoimentos aos agentes do SNI e do DOPS, mesmo enfraquecido pela greve de fome. No dia 22 de dezembro, depois de muitas pressões sobre o governo, Carlos Lacerda era libertado.
Carta da filha de Carlos Lacerda ao Sr. Presidente Costa e Silva.
“Sr. Presidente Artur da Costa e Silva.
Não há mais tempo para se disfarçar ou se permanecer alheio a um problema extremamente grave e urgente.
O fato é que meu pai, Carlos Lacerda, encontra-se preso desde as 14:30h de sábado, dia l4, sem qualquer explicação plausível ou indicação de culpa.
Reconhecida à violência do ato, não tem ele outra forma de protesto que não a de se alimentar, o que ocorre desde o momento de sua prisão.
Por esta razão, o seu estado de saúde é precário e se agrava a cada minuto que passa, segundo os médicos que o assistem e os exames realizados.
Ontem meu pai prestou depoimento e, pelo que sei, as perguntas que lhe foram feitas não revelaram qualquer indício de haver infringindo lei vigente no país.
Por esta razão, trago-lhe, neste momento, estes fatos cuja responsabilidade lhe é inalienável, como autoridade, intransferível, como chefe de família e incompatível como cristão.
Li, ontem, a afirmação que o senhor fez de que: “Os que lutam e sofrem nada têm a temer.” Neste caso, senhor presidente, pergunto-lhe o senhor terá lutado e sofrido mais do que meu pai, pelo Brasil e pela liberdade até hoje? Ou o senhor terá se esquecido de que, ao longo de todos esses anos de vida de meu pai, o resultado maior foi o senhor ter atingido a presidência da república.
Estas palavras são um protesto de uma filha, dentro do protesto de um pai.
Receba-as, com as responsabilidades intransferíveis pelo que ocorrer agora ao meu pai.”
Maria Cristina Lacerda:
Costa e Silva leu a carta de Cristina Lacerda e mandou soltá-lo, mas disse: “É tão irreverente quanto o pai”.
* Advogado e Professor da UERN
Um comentário :
Sr. Carlos Escóssia
Dou-lhe meus parabéns pelo blog e pelo minucioso histórico sobre o jornalista e político Carlos Lacerda. O senhor presta assim relevante serviço à memória de nosso país. E eu, por minha parte, faço o que melhor sei fazer: Na exposição A CARA DO RIO - 2010, no Centro Cultural dos Correios, aqui do Rio, pintei à óleo sobre madeira o rosto bem definido deste tribuno incomum, numa composição de elementos que expressam o espírito amplo, diversificado, apaixonado deste brasileiro amante do verbo, que foi Carlos Lacerda. Obrigado pela oportunidade. Se o senhor estiver no Rio e quiser ver a exposição sobre a cidade, será uma honra e privilégio.
J. G. Fajardo - pintor de retratos
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