sábado, 30 de janeiro de 2010

POR GILBERTO DE SOUSA



CID AUGUSTO E OS CONTOS DO COTIDIANO

Jornalista Cid Augusto recebe livro de forma inusitada


Durante os oito anos em que passei na editoria do jornal O Mossoroense, houve um tempo em que eu inventei de criar uma seção de contos na minha coluna Circulando em Off. Foi um grande desafio porque além de fazer política e coordenar o jornal, ainda tinha que escrever um conto por dia e em espaço determinado, já que não contava com o auxilio da informática e, portanto, não poderia “estourar” os espaços indicados pela diagramação. Tudo começou durante as conversas nos intervalos para tomar um cafezinho e fumar um cigarro, onde eu e os jornalistas José Nicodemus e Luciano Oliveira começávamos a descobrir a beleza de escrever contos.

É tanto que Luciano Oliveira se empolgou tanto que passou a pegar pesado escrevendo contos praticamente eróticos, o que chegou a causar até protestos de alguns leitores mais conservadores, forçando o fim da seção dominical. O jornalista Cid Augusto engatinhava com a valentia dos bons que mais tarde se tornaria um escritor de pena de ouro. Estava sempre entre a gente dando seus pitacos.


Depois de um período, resolvi, através de estímulos de amigos como o advogado, cronista e contista Antônio Rosado Maia, de saudosa memória, e do próprio Cid Augusto, selecionar algumas publicações para escrever o livro “Contos do cotidiano”. Antônio Rosado fez o prefácio. Mas o livro só foi concebido cerca de quatro anos depois de sua morte.


Não fiz lançamento. Apenas presenteava os amigos com o livro. O tempo passou, saí do jornal O Mossoroense e vez ou outra quando me encontrava com Cid, ele me cobrava o livro.

Anos depois, me encontrei com Cid no barzinho Delícia da Praça. Estávamos em casais. Conversamos muito entre um gole e outro de uísque, embalado pela noite serena. Quando sai da praça me lembrei que conduzia alguns livros em meu carro, mas a entrega a Cid ficaria para pura oportunidade.

Por coincidência, nos reencontramos em outro local, já pela madrugada. Apenas nos cumprimentamos.


Quando lembrei do livro novamente, já não estava mais com Cid. Mesmo assim, conseguiu uma forma de fazer o livro chegar até ele ainda de madrugada.


Foi um lance inusitado. Mas o melhor disso tudo foi que, no domingo seguinte ele escrevia a crônica domingueira do jornal O Mossoroense com o título: “O livro do meu vizinho”, que é a que se segue:



O livro do meu vizinho

Por Cid Augusto

Acordei por volta das 8 horas, mas permaneci de olhos fechados, canalizando energias, buscando identificar sons que dessem pistas do meu paradeiro naquela manhã de quinta-feira. Estaria eu em Natal ou Mossoró? E em qual lugar de uma dessas cidades? A dupla residência às vezes me deixa atordoado. Não obtive sucesso na pesquisa auditiva, pois o ronco do condicionador de ar cobria as outras vibrações do ambiente.

Com esforço de halterofilista acionei alguns músculos do rosto e abri o olho direito cuja pálpebra pesava cinco toneladas, seiscentos e dois quilos e trinta gramas. Tentei ajustar o foco na direção de algo branco iluminado por uma luz intensa que invadia o quarto pelas frestas da porta. Não deu. Abri o outro olho, coloquei os óculos, levantei-me e me dirigi ao objeto. Era um livro, Contos do Cotidiano, de Gilberto de Sousa.

Há anos Gilberto prometia transformar em livro os contos escritos por ele para o O Mossoroense, pretensão alcançada com o selo da editora Queima Bucha em 2004, desde quando eu esperava para reler os textos e para conhecer as ilustrações, último trabalho do chargista Bob Melo. Pois em dado instante do dia que acabara de nascer, Giba o colocou por debaixo da porta com dedicatória "ao meu vizinho e amigo da madrugada".

Nunca imaginei receber um livro em tais circunstâncias. A dedicatória, no entanto, foi providencial, norteadora. Encontrei-me graças à lembrança de que, por algumas horas, eu e Gilberto fomos vizinhos. Passou até o sono. Senti-me feliz com o gesto, principalmente por haver assistido à gênese da obra a partir de histórias reais que nos chegavam à redação na boca dos repórteres e foram temperadas pela criatividade do autor.

Na época, de acordo com Gilberto, eu "engatinhava com a valentia dos grandes escritores de contos". Engatinhando, continuo. A lida com as palavras é dura e exige sacrifícios daqueles que não nasceram com o dom de manusear idéias. Às vezes passo dias adulando a prosa do domingo seguinte. E ela, tinhosa, ainda sai capenga. Queria ter tempo e engenho para escrever sem a afobação da rotina e com a mestria de tantos.

A valentia fica por conta da generosidade do amigo que incentivou o menino burro a escrever e a se tornar repórter. Observando à distância, sou obrigado a desconstruir episódios de suposta coragem inscritos no meu currículo. Penso por agora que só fui valente de verdade quando não me deixei levar pela raiva nem por intrigas, mantendo-me longe de guerras que nada têm a ver com a prática do jornalismo. O resto, imaturidade.

Parece que estou divagando para atingir as 40 linhas às quais tenho direito na geografia da quinta ou da sétima página, a depender do departamento comercial.

O fato é que o livro de Gilberto trouxe-me lembranças aos montes, inclusive dos sábados no Sertão Lusitano de Antônio Rosado Maia, Anabela e Dadazinha, porque o prefácio é de Toinho. Aliás, o prefácio é Toinho, a cara dele. Posso ouvi-lo falar palavra por palavra.

"Gilberto é artista multifacetado. Compositor, cantor, violonista, editor de jornal e um contista porreta de bom. Desses que escrevem e publicam diariamente para deleite de seus leitores... Pra falar a verdade, eu morro de inveja de quem escreve e publica contos. Não tenho imaginação, talento e disposição para tanto. Essa inveja saudável, que eleva...", diz o mestre Antônio Rosado. E eu, pegando uma carona, assino embaixo.
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