O JULGAMENTO DE AGOSTO
O
mundo não acabará neste agosto, nem o Brasil entrará em crise, qualquer
que venha a ser o resultado do julgamento a que se dedicará o STF no
mês que se inicia quarta-feira. Tampouco se esperam grandes surpresas.
Ainda que mantenham a necessária discrição – e se registre, que neste
caso, não conhecemos ainda manifestações intempestivas de alguns
julgadores – é plausível supor que os magistrados já estejam com seu
veredicto em mente.
O relatório é deles conhecido, e o texto do revisor
foi distribuído, houve bastante tempo, até mesmo para redigir os votos. O
que vai ocorrer, nas demoradas sessões do julgamento, é o necessário
rito, para que se cumpra o devi
do processo legal. Apesar disso, não é de se desprezar a hipótese de
que surjam novas provas e contraprovas, em benefício, ou desfavor, dos
réus.
A
importância maior desse julgamento está nas reflexões políticas e
jurídicas que ele provocará. Admitamos, como é provável, que os
argumentos maiores da defesa – de que se tratava de um financiamento, a
posteriori de campanha eleitoral – venham a ser admitidos pela alta
corte, o que reduziria bastante a punição dos responsáveis. O sistema
eleitoral nas democracias modernas – e não só no Brasil, mas no mundo
inteiro – é deformado pela influência notória do poder econômico. Há um
mercado do voto, como há um mercado da fé, e um mercado da informação.
Uma campanha eleitoral é empreendimento complexo, que exige a presença
de ideólogos e profissionais d
e propaganda; de ativistas pagos; de impressos e da produção de
programas de rádio e televisão; de logística de transporte e de
distribuição de recursos e de pessoal. Em resumo: é preciso dinheiro, e
muito dinheiro.
Esse
é um dos paradoxos da democracia moderna: sem dinheiro, não há o
exercício do voto; com ele, e no volume exigido, a legitimidade do
sufrágio é posta em dúvida. Esse é um dos argumentos de filosofia
política contra o sistema capitalista, em que o poder do Estado é visto
como um bem de mercado, que pode ser ocupado pelos que pagam mais. E não
só os indivíduos os que adquirem esse poder: mais do que eles são os
grupos de interesse comum, como os banqueiros, os grandes proprietários
rurais, as confissões religiosas, as poderosas corporações econômicas,
nacionais e multinacionais. Isso, quando não há a interferência direta
de governos estrangeiros, como sempr
e ocorre e ocorreu despudoradamente com a ação do IBAD, nas eleições de
1960 e 1962.
Sempre
houve o financiamento privado das campanhas, mas, nesse problema, como
em todos os outros, funcionam as leis dialéticas: a quantidade altera a
qualidade. No passado, a maior parte dos políticos se valia dos recursos
privados de terceiros com alguma discrição, e, alguns com
constrangimento e pudor. É certo que desonestos sempre houve, corruptos
nunca faltaram, desde o governo de Tomé de Sousa até os tempos recentes.
Mas, com notável diferença, os candidatos, em sua imensa maioria, quase
nunca usavam dinheiro de campanha para seu proveito pessoal.
Em
muitos casos, feita a contabilidade final do pleito, destinavam as
poucas sobras a instituições de caridade, e, em caso contrário, arcavam
com os saldos a pagar, sacrificando os bens de família. Hoje, como
frequentemente se denuncia, uma campanha eleitoral pode ser um meio de
enriquecimento, como qualquer outro. Essa situação perverte todos os
setores do Estado, com o superfaturamento das obras públicas, a
corrupção de servidores de todos os escalões. Os cidadãos, no entanto,
já demonstram sua reação contra essa perversão da vida social, como
revelam movimentos vitoriosos, entre eles a iniciativa da Lei da Ficha
Limpa.
A
inteligência política é convocada a encontrar sistema de financiamento
público de campanha, de forma justa e democrática, a fim de que todos os
candidatos tenham a mesma oportunidade de dizer o que pretendem e pedir
o voto dos cidadãos. Não é fácil impedir a distorção do processo
eleitoral, mas é preciso construir legislação que reduza, se não for
possível elimina-la, a influência do poder econômico no processo
político.
Estamos
em um mundo que se encasula no desencanto e na angústia com relação ao
futuro. Há, porém, uma promessa de justiça, na articulação de movimentos
de protesto, no mundo inteiro, contra a ditadura mundial do sistema
financeiro que, de acordo com a confissão de alguns culpados, se tornou
uma quadrilha mundial de gangsters, ou de “banksters”.
Esse
termo preciso foi criado para identificar os banqueiros responsáveis
pela Depressão dos anos 30, e está sendo reutilizado agora. Não podemos
esmorecer na reação dos oprimidos contra essa nova tentativa de ditadura
mundial.
*Mauro
Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi
correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima
Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre
eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e
correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
Fonte: Carta Maior
Enviado por Antonio Capistrano