quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O CARONA BOM DE SOM

Marcelo Mota e o seu novo teclado

Por Gilberto de Sousa

Todo mundo já está careca de saber que misturar álcool com direção nunca foi um bom negócio. Mas parece que tem gente que só acredita nisso quando, até por força de um inconsciente desejo da emoção mais forte, termina sendo levado para esse inconsequente teste de liberação de adrenalina. Uma verdadeira tragédia, por sinal.

Dentro da máxima de que o que dá pra rir da pra chorar, lembro uma história em que eu e o tecladista e cantor Marcelo Mota quase passamos desta para outra vida, depois de uma capotagem espetacular na estrada de Tibau.


Eu era diretor do Jornal de Mossoró, parceiro da administração municipal e a prefeita Rosalba Ciarlini e o seu marido, Carlos Augusto Rosado me convidaram para uma confraternização na residência de praia do casal. Era um domingo de pouco sol e com tempo nublado, já que estava se aproximando o período de inverno.


Logo pela manhã, ainda cedo, recebi um telefonema do industrial Hebert Vieira, amigo, irmão, conselheiro, pedindo uma confirmação sobre a minha presença, já que, durante o encontro, estava prevista uma conversa de ordem política, além do lazer. Confirmei.


Cheguei antes do meio dia e já encontrei um clima bastante descontraído, e para completar essa atmosfera, o grande Marcelo Mota, que era meu vizinho, mandando ver com o seu teclado e a sua alegria contagiante. “Salve, salve!”.


Fiquei em uma mesa com alguns amigos, entre os quais, Aldivon Nascimento, Herbert Vieira, Chico Leite, Nilson Brasil e Elviro Rebouças, que foi logo me apresentando uma cerveja estupidamente gelada e um Old Par. Preferi o uísque.


A brincadeira rolava em alta astral, entre conversas políticas e amenas, com um som ambiente refinado que ia ganhando corpo enquanto o tempo passava. No final da tarde veio à dança, tudo dentro dos conformes. Sendo um bom boêmio sempre gostei de ficar até o fim da festa, principalmente quando a música é convidativa.


A noite caiu e o momento era de despedidas. Muita gente começava a ir embora.


Quando eu me preparava para pegar o beco, Marcelo Mota me chama para cantar e pede para que eu o espere. Estava longe de prevê em que iria dar essa carona.


Enquanto ele desarrumava o som, Eduardo Medeiros e Ruth Ciarlini abriram mais garrafa de uísque, que seria a famosa saideira. Eles, eu, Carlos, Rosalba e Fátima Moreira ainda ficamos cantarolando ao som de Marcelo, sem amplificador no teclado, só com o microfone ligado.


Já passava das dez da noite quando resolvemos retornar a Mossoró.


Bianca, uma senhora que estava ajudando a cuidar do churrasco, também me pediu uma carona. Ainda entrou no carro, mas por insistência de Fátima Moreira, resolveu permanecer para dormir por lá.


A estrada estava escorregadia, pois certamente havia caído alguma neblina que passou despercebida no auge da festa. Não conseguimos passar a segunda curva. Inesperadamente perdi o controle e o carro começou a capotar. Foram quatro viradas, contadas por um motoqueiro que vinha logo atrás.


Enquanto o carro rolava mato adentro rompendo cercas e árvores até parar com os pneus no solo, Marcelo bradava: “Vou morrer, vou morrer, vou morrer”


E eu retrucava: “Vai não, vai não, vai não”.


Ele consegue sair do carro meio cego porque havia perdido os óculos, e corre pelo mato meio desengonçado tentando se livrar dos arbustos e gritando em direção a margem da rodovia: “Meu Deus, minha nossa senhora...”. Ajoelhava-se, agradecia, fazia a maior estripulia. Em seguida lembrava de mim e retornava ao carro, onde eu continuava imóvel, depois de perceber que havia fraturado a clavícula. Apertava meus joelhos e perguntava:

- Ta sentindo? Ta sentido?
- To Marcelo, vá pedir ajuda, homi.

E ele retornava a margem da rodovia, onde da segunda vez já estava o motoqueiro.

- Quem era? Perguntou o rapaz.
- Gilberto de Sousa, aquele jornalista.
- Há meu Deus, eu conhecia demais... Lamentava.

Já pensou? Eu calado e ouvindo aquele diálogo macabro a meu respeito? Mas, infelizmente fazia parte.


Finalmente chega uma ambulância e nos resgata. Marcelo estava apenas com algumas escoriações. Eu quebrado. O carro só o maracujá e o teclado de Marcelo já não produzia uma só nota.


Quando chegamos ao hospital da Unimed, quem estava pelas proximidades era o jornalista Carlos Skarllark, que foi logo dando um flash para uma emissora de rádio, fazendo espalhar a notícia ainda durante a noite.


A informação surgia com a versão de que Dona Bianca também estava no carro. Só que as pessoas sabiam onde eu e Marcelo estávamos, mas ninguém conseguia localizar Bianca. Pessoas próximas a Rosalba ainda formaram um grupo e foi à meia noite no local do acidente com lanternas a procura de Bianca no mato até terem a certeza de que ela dormia tranquila na casa da prefeita em Tibau. Ainda bem.


Fui engessado e fomos para casa.


No dia seguinte, Seu Messias, pai de Marcelo aparece lá em casa para me visitar.

- É, eu já dei um carão em Marcelo, e disse a ele que esse negócio de bebida não tem futuro.

E ao comentar esse tal carão com Marcelo, ele esquivou-se:

- Que culpa tive eu?- Teve sim, Marcelo, quem mandou puxar do fundo do baú aquele repertório refinado de Noel Rosa a Milton Carlos, você teve culpa sim.

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