sexta-feira, 28 de março de 2014

SINAIS TROCADOS


A hidrelétrica de Itaipu, no Rio Paraná, que começou a operar em 1984, é responsável, sozinha, pela geração de 18% da energia consumida atualmente no Brasil. Vai completar 30 anos com suas turbinas comemorando mais um recorde de produção, superando pela quarta vez a sua rival chinesa, Três Gargantas, a maior do mundo em capacidade de geração, mas cujo ápice de fornecimento foi de 79,5 milhões de megawatts-hora em 2009. Desde 2008, quando gerou 94,6 milhões de MWh, Itaipu tem superado a usina do Yang-tsé e fechou 2013 muito próxima dos 100 milhões de MWh. Segundo divulgou o boletim H2Foz Portal das Cataratas, “precisamente às 15 horas e 38 minutos da segunda-feira 30 de dezembro de 2013 a geração de Itaipu ultrapassou a impressionante marca de 98.630.035 Megawatts-hora”.

É reconhecida universalmente a qualidade da matriz brasileira, na qual Itaipu é apenas uma entre as dezenas de hidrelétricas que respondem pelo consumo de energia limpa a 70% do mercado doméstico. Suas obras na segunda metade do século passado retratam a excelência da engenharia brasileira na construção de barragens, na montagem das usinas geradoras de enorme capacidade e na difícil instalação de linhas de transmissão para transporte seguro da energia a grandes distâncias em um território continental. Essa vocação para as obras de grande porte foi retomada somente na primeira década deste novo século, com a decisão do governo Lula de vencer a resistência ao aproveitamento do potencial hidrelétrico dos rios amazônicos. As três maiores hidrelétricas em construção – Jirau, Santo Antônio e Belo Monte – vieram afastar a ameaça do grande apagão energético que fatalmente nos alcançaria já na segunda metade da presente década.

Diante desse quadro promissor, por que se passou a acreditar que será inevitável um racionamento de energia nos próximos meses, devido à redução do armazenamento de água nos reservatórios das hidrelétricas do Centro-Sul e Sudeste do País? Quer dizer que o governo foi imprudente ao dar descontos nas tarifas de energia, estimulando o consumo num momento em que os níveis de água nos reservatórios das hidrelétricas estavam abaixo do desejável?

Houve uma combinação perversa de fatores climáticos, chovendo forte nos lugares errados. O governo errou ao adiar a correção dos preços da energia, a começar pelo valor dos combustíveis. Estimulou exageradamente o consumo com o corte das tarifas, sem considerar o risco climático e o nível modesto dos reservatórios em um momento que aconselharia transmitir à sociedade a necessidade de moderação no uso da energia. Isso só se faz com o consumidor sentindo no bolso o quanto custa gastar mais. Se colocar o gasto extra no orçamento, não vai obter a redução do consumo de energia porque ninguém vai fazer a economia que imagina ser dever do outro.

Não é só o governo que precisa ser racional. O consumidor também precisa ser, mas ele tem de ser avisado da hora de moderar o seu gasto. O mecanismo para o consumidor tomar conhecimento do problema é liberar os preços, encontrando mecanismos para que ele receba os sinais. Quando o governo recorre ao controle de preços, ele impede o consumidor de ser racional, pois este recebe os sinais trocados e as coisas não funcionam. É preciso mostrar que a escassez de água e energia é maior do que aquela que os indivíduos supõem, para que eles se comportem da forma adequada.

Precisamos, de fato, reduzir o consumo de energia em 4% ou 5%, para ter uma folga, para dar aos empresários a garantia efetiva de que não vai haver nenhum racionamento, que não há o risco de novos apagões e que, portanto, eles podem prosseguir nos seus investimentos. Ao contrário do que alguns integrantes no governo imaginam, o sinal de aumentar o preço ajudaria a sociedade a compreender que estamos num momento excepcional. E que, quando a normalidade hídrica se restabelecer, as tarifas voltarão também a um novo equilíbrio. O aumento do preço da energia neste momento, ainda que aumentasse um pouco a inflação a curto prazo, mostraria que o governo usa corretamente o sistema de preços como indicador para uso dos fatores mais escassos, o que ajudará a reduzir a inflação futura.

Fonte: Carta Capital
Por: Delfim Netto 

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