FATO ECONÔMICO
A REVOLUÇÃO DO COCAL
O nome é Cocal. O símbolo é C$. Essa é a moeda que também circula e
movimenta boa parte da economia do município de São João do Arraial, no
Piauí. Foi criada há três anos, juntamente com o Banco dos Cocais, um
modelo de instituição financeira comunitária que vem despertando o
interesse de diversos países em desenvolvimento. Essa experiência, com
traços genuinamente piauienses, assegurou a Francisco das Chagas Limma o
título de Vencedor Nacional do Prêmio Nacional Prefeito Empreendedor na
categoria Região Nordeste.
A moeda foi criada para que o dinheiro circulante no município
permaneça em São João do Arraial, fortalecendo a economia da cidade.
Emitida por um banco comunitário, também conhecido como Banco dos
Cocais, a nova moeda tem o mesmo valor do Real, mas com maior poder de
compra graças aos descontos oferecidos em todos os estabelecimentos
comerciais do município. Se um produto custa R$ 10, pagando com a moeda
social, custará C$ 9. O desconto é possível porque, para cada cocal
emitido, há um lastro de um real garantido pela organização financeira
comunitária.
Salários em cocais
Além de implantar o banco e a nova moeda, o prefeito conseguiu que a
Câmara de Vereadores aprovasse, em 2007, uma lei estabelecendo que 35%
dos servidores públicos do município recebessem seus salários em cocais.
A medida foi proposta para evitar que servidores concursados, que
vieram de outros municípios, gastassem seus vencimentos fora de São João
do Arraial. Nada impede, porém, que eles troquem os cocais por reais,
já que a moeda social só tem valor dentro do município. Além disso, a
moeda é aceita em todo o comércio do município. Resultado: o crescimento
da economia do município coincide com a entrada em circulação do Cocal.
Com a nova moeda no mercado, o banco comunitário movimentou 3 milhões
em cocais, o que representa 25% dos 12 milhões que foram movimentados em
todo o município.
Isso aconteceu porque o banco passou a investir diretamente em
setores produtivos, especialmente com a liberação de microcrédito para a
promoção de pequenos negócios.
Planejamento
Todo o movimento do Banco dos Cocais é registrado diariamente e as
ações são planejadas a cada bimestre pelo Conselho Gestor do Banco, a
partir dos seguintes indicadores: ações desenvolvidas, número e perfil
de famílias beneficiadas, volume de crédito disponibilizado e de moeda
social circulando, nível de pagamento em dia e situação dos
empreendimentos apoiados.
Esse mecanismo contou com o apoio dos fundadores da instituição:
Prefeitura, Câmara de Vereadores, igrejas, associações de moradores e
produtores, sindicatos em geral, grupos de produção, comerciantes,
grupos culturais e quebradeiras de coco babaçu, que se reúnem
periodicamente para debater e fiscalizar o funcionamento do Banco dos
Cocais.
Babaçu valorizado
Fundado em 1997, São João do Arraial tem quase 8 mil habitantes. As bases da economia são a agricultura e a pecuária
de subsistência. A extração de babaçu e tucum é a principal atividade
do campo, mas o comércio na cidade, desde o lançamento do Cocal, é
bastante diversificado.
Lá tem de tudo um pouco: butiques, restaurantes, lojas de
eletrodomésticos, empresas de construção civil. E, com a nova moeda, o
próprio babaçu foi valorizado. É possível saborear desde sorvete até
pizza e macarronada feitas com a massa do babaçu.
O modelo do sucesso
A criação do Banco dos Cocais nasceu de discussões da Prefeitura com
lideranças dos segmentos produtivos da comunidade sobre a realidade
econômica do município e as alternativas para desenvolver São João do
Arraial. “Debatemos soluções e estratégias para desencadear um processo
de desenvolvimento sustentável”, lembra Francisco das Chagas. Desses
debates, nasceu o Conselho de Organizações Comunitárias de Apoio à
Inclusão Social (Cocais), que viria a administrar o banco.
Após a criação do conselho, da nova moeda e do banco, aumentou a
demanda por microcrédito. O município aprofundou uma discussão sobre a
criação de instrumentos de apoio aos grupos de produção comunitária e a
Prefeitura decidiu pela criação do Fundo Municipal de Apoio à Economia
Solidária (Fumaes), aprovado por lei municipal. A iniciativa foi
comemorada por empreendedores locais.
Muitos comerciantes que dependiam da Prefeitura agora andam com as
próprias pernas. É o caso do padeiro Francisco José da Rocha. “No início
de 2009, percebi que tinha aumentado a circulação de dinheiro no
município”, conta Rocha. “Resolvi investir em uma pequena padaria. Fui
ao Banco dos Cocais e solicitei crédito. Eu, minha esposa e meu filho
trabalhamos na padaria e contratamos duas pessoas para ajudar. Em pouco
mais de um ano, tripliquei a produção.”
“O Banco dos Cocais ajuda muito o trabalhador, o pequeno produtor e
tem que fazer mais empréstimos e continuar ajudando a gente”, aponta o
agricultor Raimundo Nonato.
Para assegurar bom emprego de seus recursos, o Banco dos Cocais ainda
oferece capacitação aos tomadores de empréstimos. “Foi por meio dos
cursos e capacitações oferecidos pelo Banco dos Cocais que melhorei meus
trabalhos”, afirma Lenilda de Oliveira Lima, coordenadora do grupo de
produção de artesanato e trabalhos manuais de 12 mulheres. “Hoje, eu sou
sempre convidada a expor meus produtos em feiras municipais, de
economia solidária e tudo mais. Já comprei uma máquina de costura.”
Formação de empreendedores rurais
Outra importante ação da Prefeitura para ampliar as oportunidades de
negócios no município foi qualificar os agricultores familiares para
melhorar a produção. Para isso, foi criada a Escola Família Agrícola dos
Cocais (EFA), instituição formadora de empreendedores rurais. A partir
daí, a Prefeitura buscou parcerias para os seus empreendimentos, obtendo
o apoio do Sebrae, do Governo do Piauí, do governo federal e até do
governo alemão.
Assim, além de contar com recursos financeiros e acesso fácil a
financiamentos, os produtores passaram a ter uma moeda com maior poder
de compra e formação empresarial. Resultado: atualmente, 20% das
famílias do município estão envolvidas em algum tipo de empreendimento
produtivo. A produção também foi diversificada. Além de babaçu e tucum,
as famílias se dedicam à criação de bovinos, caprinos e aves.
Também foram desenvolvidos projetos nas áreas de suinocultura,
avicultura caipira, horticultura, aproveitamento integral do babaçu e
extrativismo do jaborandi, envolvendo três grandes empresas privadas
(Pfizer, Vegeflora e Grupo Carvalho), uma empresa estatal (Petrobras),
um organismo de cooperação do governo alemão (GTZ) e uma ONG (Care
Brasil).
Uma escola diferente
A Escola Família Agrícola dos Cocais (EFA), localizada no vilarejo Quente, em São João do Arraial, oferece ensino técnico
profissionalizante em Agropecuária e Agroindústria a 120 alunos de 13
municípios. A escola é bem estruturada e equipada. Além de dormitórios,
refeitório e áreas para aulas práticas ao ar livre, a escola conta com
laboratório de informática conectado à internet.
O sistema de ensino da escola é dividido por quinzena. A cada mês,
nos primeiros 15 dias, os alunos passam integralmente na escola
aprendendo técnicas agrícolas e disciplinas convencionais. Nos outros 15
dias, eles não ficam na escola. Atuam diretamente no campo,
participando de 40 projetos de agricultura familiar e ajudando o
trabalho de 700 agricultores participantes do programa.
Festival de cultura e negócios
Cultura
e turismo também passaram a ser atividades empreendedoras em São João
do Arraial. Para gerar novos negócios, a Prefeitura investe no Festival
Cultural Arraiá de Todos, uma festa que reúne centenas de moradores da
cidade e de outros municípios. O evento resgata e preserva tradições
culturais locais, mostradas por meio de grupos folclóricos, como as
quadrilhas juninas Fogueirão e Flor do Sertão.
O
festival conta, ainda, com venda de artesanato e pratos típicos, tudo
feito pelos moradores. Em 2009, a festança gerou 1.000 empregos diretos e
3.000 indiretos em serviços como limpeza, decoração, organização,
segurança, iluminação, transporte, costura e venda de alimentos.
Outra
ação nessa área foi a Caravana Cultural, com a finalidade de também
promover a educação empreendedora e profissionalizante. Idealizado pelo
Ponto de Cultura Coco Babaçu em parceria com a Prefeitura, esse projeto
nasceu da necessidade de resgatar, divulgar e valorizar as diversidades e
potencialidades culturais e artísticas existentes no município e em
todo o Território dos Cocais.
Caravana de profissões
Seu
foco principal são os adolescentes e jovens que, muitas vezes, se
mostram carentes de atividades extraescolares, não aproveitando o tempo
ocioso ou dedicando-o a atividades que os levam à marginalidade.
Eles
passaram a se integrar às atividades do Ponto Cultural, a exemplo de
quadrilhas juninas, hip hop, dança do coco, teatro, fantoche e cinema,
dentre outros. E também das oficinas ofertadas nas Caravanas, como
artesanato, culinária do babaçu, musical, danças populares, tambor de
crioula, leitura e redação, teatro, fotografia, rádio, filmagem e
produção de audiovisuais.
"Por meio das Caravanas, vimos o quanto a juventude de São João do
Arraial era carente de perspectivas que elevassem sua autoestima, seu
potencial para as artes ou para profissões ligadas à tecnologia, como
era o caso das oficinas de fotografia, filmagem e rádio”, afirma Aline
Alencar Barros, monitora da Caravana Cultural.
Fonte: Portal do Desenvolvimento
Nenhum comentário :
Postar um comentário