quarta-feira, 26 de março de 2014

Fato Econômico

   FATO ECONÔMICO


A REVOLUÇÃO DO COCAL

O nome é Cocal. O símbolo é C$. Essa é a moeda que também circula e movimenta boa parte da economia do município de São João do Arraial, no Piauí. Foi criada há três anos, juntamente com o Banco dos Cocais, um modelo de instituição financeira comunitária que vem despertando o interesse de diversos países em desenvolvimento. Essa experiência, com traços genuinamente piauienses, assegurou a Francisco das Chagas Limma o título de Vencedor Nacional do Prêmio Nacional Prefeito Empreendedor na categoria Região Nordeste.

A moeda foi criada para que o dinheiro circulante no município permaneça em São João do Arraial, fortalecendo a economia da cidade. Emitida por um banco comunitário, também conhecido como Banco dos Cocais, a nova moeda tem o mesmo valor do Real, mas com maior poder de compra graças aos descontos oferecidos em todos os estabelecimentos comerciais do município. Se um produto custa R$ 10, pagando com a moeda social, custará C$ 9. O desconto é possível porque, para cada cocal emitido, há um lastro de um real garantido pela organização financeira comunitária.

Salários em cocais


Além de implantar o banco e a nova moeda, o prefeito conseguiu que a Câmara de Vereadores aprovasse, em 2007, uma lei estabelecendo que 35% dos servidores públicos do município recebessem seus salários em cocais.

A medida foi proposta para evitar que servidores concursados, que vieram de outros municípios, gastassem seus vencimentos fora de São João do Arraial. Nada impede, porém, que eles troquem os cocais por reais, já que a moeda social só tem valor dentro do município. Além disso, a moeda é aceita em todo o comércio do município. Resultado: o crescimento da economia do município coincide com a entrada em circulação do Cocal. Com a nova moeda no mercado, o banco comunitário movimentou 3 milhões em cocais, o que representa 25% dos 12 milhões que foram movimentados em todo o município.

Isso aconteceu porque o banco passou a investir diretamente em setores produtivos, especialmente com a liberação de microcrédito para a promoção de pequenos negócios.

Planejamento


Todo o movimento do Banco dos Cocais é registrado diariamente e as ações são planejadas a cada bimestre pelo Conselho Gestor do Banco, a partir dos seguintes indicadores: ações desenvolvidas, número e perfil de famílias beneficiadas, volume de crédito disponibilizado e de moeda social circulando, nível de pagamento em dia e situação dos empreendimentos apoiados.

Esse mecanismo contou com o apoio dos fundadores da instituição: Prefeitura, Câmara de Vereadores, igrejas, associações de moradores e produtores, sindicatos em geral, grupos de produção, comerciantes, grupos culturais e quebradeiras de coco babaçu, que se reúnem periodicamente para debater e fiscalizar o funcionamento do Banco dos Cocais.

Babaçu valorizado


Fundado em 1997, São João do Arraial tem quase 8 mil habitantes. As bases da economia são a agricultura e a pecuária de subsistência. A extração de babaçu e tucum é a principal atividade do campo, mas o comércio na cidade, desde o lançamento do Cocal, é bastante diversificado.

Lá tem de tudo um pouco: butiques, restaurantes, lojas de eletrodomésticos, empresas de construção civil. E, com a nova moeda, o próprio babaçu foi valorizado. É possível saborear desde sorvete até pizza e macarronada feitas com a massa do babaçu.


O modelo do sucesso

A criação do Banco dos Cocais nasceu de discussões da Prefeitura com lideranças dos segmentos produtivos da comunidade sobre a realidade econômica do município e as alternativas para desenvolver São João do Arraial. “Debatemos soluções e estratégias para desencadear um processo de desenvolvimento sustentável”, lembra Francisco das Chagas. Desses debates, nasceu o Conselho de Organizações Comunitárias de Apoio à Inclusão Social (Cocais), que viria a administrar o banco.

Após a criação do conselho, da nova moeda e do banco, aumentou a demanda por microcrédito. O município aprofundou uma discussão sobre a criação de instrumentos de apoio aos grupos de produção comunitária e a Prefeitura decidiu pela criação do Fundo Municipal de Apoio à Economia Solidária (Fumaes), aprovado por lei municipal. A iniciativa foi comemorada por empreendedores locais.

Muitos comerciantes que dependiam da Prefeitura agora andam com as próprias pernas. É o caso do padeiro Francisco José da Rocha. “No início de 2009, percebi que tinha aumentado a circulação de dinheiro no município”, conta Rocha. “Resolvi investir em uma pequena padaria. Fui ao Banco dos Cocais e solicitei crédito. Eu, minha esposa e meu filho trabalhamos na padaria e contratamos duas pessoas para ajudar. Em pouco mais de um ano, tripliquei a produção.”

“O Banco dos Cocais ajuda muito o trabalhador, o pequeno produtor e tem que fazer mais empréstimos e continuar ajudando a gente”, aponta o agricultor Raimundo Nonato.

Para assegurar bom emprego de seus recursos, o Banco dos Cocais ainda oferece capacitação aos tomadores de empréstimos. “Foi por meio dos cursos e capacitações oferecidos pelo Banco dos Cocais que melhorei meus trabalhos”, afirma Lenilda de Oliveira Lima, coordenadora do grupo de produção de artesanato e trabalhos manuais de 12 mulheres. “Hoje, eu sou sempre convidada a expor meus produtos em feiras municipais, de economia solidária e tudo mais. Já comprei uma máquina de costura.”

Formação de empreendedores rurais


Outra importante ação da Prefeitura para ampliar as oportunidades de negócios no município foi qualificar os agricultores familiares para melhorar a produção. Para isso, foi criada a Escola Família Agrícola dos Cocais (EFA), instituição formadora de empreendedores rurais. A partir daí, a Prefeitura buscou parcerias para os seus empreendimentos, obtendo o apoio do Sebrae, do Governo do Piauí, do governo federal e até do governo alemão.

Assim, além de contar com recursos financeiros e acesso fácil a financiamentos, os produtores passaram a ter uma moeda com maior poder de compra e formação empresarial. Resultado: atualmente, 20% das famílias do município estão envolvidas em algum tipo de empreendimento produtivo. A produção também foi diversificada. Além de babaçu e tucum, as famílias se dedicam à criação de bovinos, caprinos e aves.

Também foram desenvolvidos projetos nas áreas de suinocultura, avicultura caipira, horticultura, aproveitamento integral do babaçu e extrativismo do jaborandi, envolvendo três grandes empresas privadas (Pfizer, Vegeflora e Grupo Carvalho), uma empresa estatal (Petrobras), um organismo de cooperação do governo alemão (GTZ) e uma ONG (Care Brasil).

Uma escola diferente


A Escola Família Agrícola dos Cocais (EFA), localizada no vilarejo Quente, em São João do Arraial, oferece ensino técnico profissionalizante em Agropecuária e Agroindústria a 120 alunos de 13 municípios. A escola é bem estruturada e equipada. Além de dormitórios, refeitório e áreas para aulas práticas ao ar livre, a escola conta com laboratório de informática conectado à internet.

O sistema de ensino da escola é dividido por quinzena. A cada mês, nos primeiros 15 dias, os alunos passam integralmente na escola aprendendo técnicas agrícolas e disciplinas convencionais. Nos outros 15 dias, eles não ficam na escola. Atuam diretamente no campo, participando de 40 projetos de agricultura familiar e ajudando o trabalho de 700 agricultores participantes do programa.

Festival de cultura e negócios


Cultura e turismo também passaram a ser atividades empreendedoras em São João do Arraial. Para gerar novos negócios, a Prefeitura investe no Festival Cultural Arraiá de Todos, uma festa que reúne centenas de moradores da cidade e de outros municípios. O evento resgata e preserva tradições culturais locais, mostradas por meio de grupos folclóricos, como as quadrilhas juninas Fogueirão e Flor do Sertão.

O festival conta, ainda, com venda de artesanato e pratos típicos, tudo feito pelos moradores. Em 2009, a festança gerou 1.000 empregos diretos e 3.000 indiretos em serviços como limpeza, decoração, organização, segurança, iluminação, transporte, costura e venda de alimentos.

Outra ação nessa área foi a Caravana Cultural, com a finalidade de também promover a educação empreendedora e profissionalizante. Idealizado pelo Ponto de Cultura Coco Babaçu em parceria com a Prefeitura, esse projeto nasceu da necessidade de resgatar, divulgar e valorizar as diversidades e potencialidades culturais e artísticas existentes no município e em todo o Território dos Cocais.

Caravana de profissões


Seu foco principal são os adolescentes e jovens que, muitas vezes, se mostram carentes de atividades extraescolares, não aproveitando o tempo ocioso ou dedicando-o a atividades que os levam à marginalidade.

Eles passaram a se integrar às atividades do Ponto Cultural, a exemplo de quadrilhas juninas, hip hop, dança do coco, teatro, fantoche e cinema, dentre outros. E também das oficinas ofertadas nas Caravanas, como artesanato, culinária do babaçu, musical, danças populares, tambor de crioula, leitura e redação, teatro, fotografia, rádio, filmagem e produção de audiovisuais.

"Por meio das Caravanas, vimos o quanto a juventude de São João do Arraial era carente de perspectivas que elevassem sua autoestima, seu potencial para as artes ou para profissões ligadas à tecnologia, como era o caso das oficinas de fotografia, filmagem e rádio”, afirma Aline Alencar Barros, monitora da Caravana Cultural.

Fonte: Portal do Desenvolvimento


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