A ESCOLA FISIOCRÁTICA
Quando os fisiocratas iniciaram a sua actividade teórica, a economia
política ainda não estava separada da política económica – era ainda, e
apenas, um capítulo da arte do governo. Com os fisiocratas termina a
época dos percursos e inicia-se a época dos fundadores da ciência
económica. Assim, os fisiocratas foram não só uma escola de pensamento
económico, como uma escola de acção política. A ideologia fisiocrática
inspirou algumas páginas da Enciclopédia, de Diderot, e alguns aspectos
da Revolução Francesa de 1789.
Dupont de Nemours definiu a
fisiocracia como a ciência da ordem natural. A doutrina fisiocrática faz
parte da família dos sistemas de direito natural; os autores
fisiocratas pretendem construir não só um sistema económico, mas uma
sociologia geral. A sua noção de ordem natural significava simplesmente
que eles consideravam que as sociedades humanas eram regidas por leis
naturais como as que governam o mundo físico e a vida de qualquer
organismo. Na “Introdução às obras de Quesnay”, Dupont de Nemours diz:
“A ordem natural é a constituição física dada por Deus ao universo”. Mas
os estudos dos fisiocratas não explicam os fenómenos económicos por
analogias circunstanciais ou artificiais com as ciências da natureza:
fundamentam-se em factos e utilizam argumentos de natureza económica.
Esta constituição física dada por Deus ao universo, esta ordem
natural, é uma ordem providencial. Segundo Quesnay, as leis da ordem
natural não restringem a liberdade do homem e são a melhor condição
dessa liberdade. Precisamente porque esta ordem natural tem umcarácter
providencial, supranatural, é que ela se apresenta aos fisiocratas como
evidente, universal e imutável. Era a mesma para todos os homens e para
todos os tempos. Não basta conhecer esta ordem natural, é preciso
obedecer-lhe. Mas isso não oferece qualquer dificuldade, dado que a
ordem natural é evidentemente a mais vantajosa para o género humano, diz
Baudeau. Cada indivíduo saberá, natural e livremente, encontrar o
caminho que lhe é mais vantajosos. É desnecessária qualquer coacção
social. O homem não deve intervir nesta ordem natural. Sem a sua
intervenção, o mundo marcha por si mesmo. É a doutrina do laisser faire,
que não significava, todavia, que um governo nada tivesse a fazer:
cabia-lhe suprimir os entraves criados à ordem natural, assegurar a
propriedade e a liberdade, descobrir as leis naturais e ensiná-las.
Os
fisiocratas consideram que os resultados da livre concorrência não
podem deixar de ser benéficos; refutam a ideia de uma balança de
comércio favorável porque entendem que a acumulação da moeda num país
faz subir naturalmente os preços; afirmam que as tarifas alfandegárias
proteccionistas são muitas vezes prejudiciais ao país que as estabelece.
Para os fisiocratas, só a agricultura é produtiva, dado que só a
agricultura tem a possibilidade de produzir uma quantidade de riqueza
superior à que consome. Consideravam estéreis tanto a indústria como o
comércio. Entendem que só pode ser legitimamente considerado como
riqueza o excedente que esta riqueza representar em relação ao consumo
de riqueza que aqueles encargos representam. Ao excedente obtido na
operação produtiva deram os fisiocratas o nome de produto líquido. Este
produto líquido é exclusivo da produção agrícola. Só a agricultura cria
realmente riqueza, porque nela ao trabalho produtivo se junta a
fecundidade da terra: Deus é o único produtor (Dupont). O comércio e a
indústria são classes estéreis na medida em que ganham, mas não
produzem. Verdadeiramente, só a agricultura produz e nem mesmo a própria
exploração mineira oferece um produto líquido semelhante ao da
agricultura.
Os fisiocratas, que definiram riqueza como a
totalidade dos bens comercializáveis produzidos anualmente (Quesnay),
estabeleceram uma síntese teórica da distribuição dos rendimentos:
pretenderam demonstrar que as riquezas circulam na sociedade por elas
próprias, de uma classe para a outra. Quesnay distinguia três classes
sociais: a classe produtiva, composta pelos agricultores; a classe
proprietária, que abrangia não só os proprietários, mas igualmente os
que exerciam, a qualquer título, a soberania; a classe estéril, que
englobava os que se dedicavam à indústria, ao comércio e às profissões
liberais. No seu Quadro, Quesnay descreveu como os rendimentos se
distribuíam desigualmente por estas três classes.
O objecto
do Quadro era ilustrar a teoria fisiocrática fundada sobre o princípio
de que a única fonte de riqueza provinha da agricultura, nos termos de
Quesnay, da classe dos agricultores. O ponto de partida do ciclo
económico descrito na obra era, portanto, a riqueza produzida pela
classe agrícola. O Quadro mostrava como esta riqueza se repartia: a
classe agrícola conservava uma parte das riquezas que produzira para a
sua própria manutenção e para assegurar a reprodução da riqueza. Uma
outra parte dos bens produzidos, ou as quantias em dinheiro que lhes
correspondiam, era transferida para a classe proprietária. A classe
agrícola tinha de comprar bens industriais ou de pagar serviços à classe
estéril. A classe estéril utilizava o dinheiro que recebera das suas
vendas e serviços às outras classes na sua subsistência e na compra de
matérias-primas necessárias à sua indústria. Em ambos os casos, as somas
recebidas pela classe estéril eram recuperadas pela agricultura.
Os fisiocratas defendem a liberdade de trabalho e a liberdade de
dispor dos produtos do trabalho. Apesar de subestimarem a actividade
comercial, defendem a liberdade de comércio, a livre concorrência, fiéis
à ideia de que a liberdade gera o bom preço. Quesnay, contudo,
recomenda a regulamentação da taxa de juro, cuja liberdade repele como
prejudicial aos interesses da agricultura. Em matéria de política
fiscal, e porque é a terra que realmente produz riqueza, entenderam que é
sobre a actividade agrícola que deve recair o imposto. Sob o aspecto
político, mostram-se favoráveis ao chamado despotismo ilustrado e pensam
que no Estado devem prevalecer os interesses dos proprietários rurais,
com os quais o soberano é solidário, dado que é o co-proprietário dos
produtos líquidos da nação.
Por Nelson Silva
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