quarta-feira, 19 de março de 2014

A ESCOLA FISIOCRÁTICA


Quando os fisiocratas iniciaram a sua actividade teórica, a economia política ainda não estava separada da política económica – era ainda, e apenas, um capítulo da arte do governo. Com os fisiocratas termina a época dos percursos e inicia-se a época dos fundadores da ciência económica. Assim, os fisiocratas foram não só uma escola de pensamento económico, como uma escola de acção política. A ideologia fisiocrática inspirou algumas páginas da Enciclopédia, de Diderot, e alguns aspectos da Revolução Francesa de 1789.
 
Dupont de Nemours definiu a fisiocracia como a ciência da ordem natural. A doutrina fisiocrática faz parte da família dos sistemas de direito natural; os autores fisiocratas pretendem construir não só um sistema económico, mas uma sociologia geral. A sua noção de ordem natural significava simplesmente que eles consideravam que as sociedades humanas eram regidas por leis naturais como as que governam o mundo físico e a vida de qualquer organismo. Na “Introdução às obras de Quesnay”, Dupont de Nemours diz: “A ordem natural é a constituição física dada por Deus ao universo”. Mas os estudos dos fisiocratas não explicam os fenómenos económicos por analogias circunstanciais ou artificiais com as ciências da natureza: fundamentam-se em factos e utilizam argumentos de natureza económica.
 
Esta constituição física dada por Deus ao universo, esta ordem natural, é uma ordem providencial. Segundo Quesnay, as leis da ordem natural não restringem a liberdade do homem e são a melhor condição dessa liberdade. Precisamente porque esta ordem natural tem umcarácter providencial, supranatural, é que ela se apresenta aos fisiocratas como evidente, universal e imutável. Era a mesma para todos os homens e para todos os tempos. Não basta conhecer esta ordem natural, é preciso obedecer-lhe. Mas isso não oferece qualquer dificuldade, dado que a ordem natural é evidentemente a mais vantajosa para o género humano, diz Baudeau. Cada indivíduo saberá, natural e livremente, encontrar o caminho que lhe é mais vantajosos. É desnecessária qualquer coacção social. O homem não deve intervir nesta ordem natural. Sem a sua intervenção, o mundo marcha por si mesmo. É a doutrina do laisser faire, que não significava, todavia, que um governo nada tivesse a fazer: cabia-lhe suprimir os entraves criados à ordem natural, assegurar a propriedade e a liberdade, descobrir as leis naturais e ensiná-las.
 
Os fisiocratas consideram que os resultados da livre concorrência não podem deixar de ser benéficos; refutam a ideia de uma balança de comércio favorável porque entendem que a acumulação da moeda num país faz subir naturalmente os preços; afirmam que as tarifas alfandegárias proteccionistas são muitas vezes prejudiciais ao país que as estabelece.
 
Para os fisiocratas, só a agricultura é produtiva, dado que só a agricultura tem a possibilidade de produzir uma quantidade de riqueza superior à que consome. Consideravam estéreis tanto a indústria como o comércio. Entendem que só pode ser legitimamente considerado como riqueza o excedente que esta riqueza representar em relação ao consumo de riqueza que aqueles encargos representam. Ao excedente obtido na operação produtiva deram os fisiocratas o nome de produto líquido. Este produto líquido é exclusivo da produção agrícola. Só a agricultura cria realmente riqueza, porque nela ao trabalho produtivo se junta a fecundidade da terra: Deus é o único produtor (Dupont). O comércio e a indústria são classes estéreis na medida em que ganham, mas não produzem. Verdadeiramente, só a agricultura produz e nem mesmo a própria exploração mineira oferece um produto líquido semelhante ao da agricultura.
 
Os fisiocratas, que definiram riqueza como a totalidade dos bens comercializáveis produzidos anualmente (Quesnay), estabeleceram uma síntese teórica da distribuição dos rendimentos: pretenderam demonstrar que as riquezas circulam na sociedade por elas próprias, de uma classe para a outra. Quesnay distinguia três classes sociais: a classe produtiva, composta pelos agricultores; a classe proprietária, que abrangia não só os proprietários, mas igualmente os que exerciam, a qualquer título, a soberania; a classe estéril, que englobava os que se dedicavam à indústria, ao comércio e às profissões liberais. No seu Quadro, Quesnay descreveu como os rendimentos se distribuíam desigualmente por estas três classes.
 
O objecto do Quadro era ilustrar a teoria fisiocrática fundada sobre o princípio de que a única fonte de riqueza provinha da agricultura, nos termos de Quesnay, da classe dos agricultores. O ponto de partida do ciclo económico descrito na obra era, portanto, a riqueza produzida pela classe agrícola. O Quadro mostrava como esta riqueza se repartia: a classe agrícola conservava uma parte das riquezas que produzira para a sua própria manutenção e para assegurar a reprodução da riqueza. Uma outra parte dos bens produzidos, ou as quantias em dinheiro que lhes correspondiam, era transferida para a classe proprietária. A classe agrícola tinha de comprar bens industriais ou de pagar serviços à classe estéril. A classe estéril utilizava o dinheiro que recebera das suas vendas e serviços às outras classes na sua subsistência e na compra de matérias-primas necessárias à sua indústria. Em ambos os casos, as somas recebidas pela classe estéril eram recuperadas pela agricultura.
 
Os fisiocratas defendem a liberdade de trabalho e a liberdade de dispor dos produtos do trabalho. Apesar de subestimarem a actividade comercial, defendem a liberdade de comércio, a livre concorrência, fiéis à ideia de que a liberdade gera o bom preço. Quesnay, contudo, recomenda a regulamentação da taxa de juro, cuja liberdade repele como prejudicial aos interesses da agricultura. Em matéria de política fiscal, e porque é a terra que realmente produz riqueza, entenderam que é sobre a actividade agrícola que deve recair o imposto. Sob o aspecto político, mostram-se favoráveis ao chamado despotismo ilustrado e pensam que no Estado devem prevalecer os interesses dos proprietários rurais, com os quais o soberano é solidário, dado que é o co-proprietário dos produtos líquidos da nação.

Por Nelson Silva 
 

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