terça-feira, 19 de maio de 2015

A INFLAÇÃO E OS JUROS


Os economistas são perseguidos por um problema de solução muito difícil: tentar deduzir, do comportamento de agentes individuais estimulados a procurar seus próprios interesses, uma lei que combine e descreva a sua “soma”. Trata-se de entender como se processa a transmissão da ação microeconômica para o nível macroeconômico. Isso é possível, por exemplo, em alguns ramos da Física que estudam as relações entre o mundo microscópico e o macroscópico.

Relações como essas são o Santo Graal dos economistas que cultivam uma inveja secreta da Física. Descobertas – para alguns, elas existem por definição e ficam à espera da astúcia econométrica – “explicariam” os comportamentos macroeconômicos por seus “fundamentos” microeconômicos e abririam caminho para a manipulação da realidade pela política econômica. Que tal, por exemplo, encontrar uma relação no nível macroeconômico entre a taxa de inflação e a taxa de desemprego de uma sociedade de milhões de cidadãos, cada um agindo no seu próprio interesse? Pois bem. Em 1958, um arguto neozelandês (A.W. Phillips), usando dados da Inglaterra de 1861 a 1957, “descobriu” uma relação negativa entre a variação da taxa nominal dos salários e o nível de desemprego: quando este era alto, a taxa de inflação era baixa e vice-versa. Quase imediatamente outros economistas, como Paul Samuelson e Robert Solow, com uma transformação simples, substituíram a variação nominal do salário pela taxa de inflação e encontraram a mesma relação com os dados dos EUA, “confirmando” a relação negativa. A alegria durou pouco. Artilheiros de grosso calibre, Milton Friedman e Edmond Phelps puseram em dúvida a existência da curva, agora chamada “de Phillips”.

O problema é que a dispersão das observações na Curva de Phillips não sugere uma “curva”, mas uma “nuvem” em torno de eventuais curvas “construídas” estatisticamente, como se vê na figura abaixo. A cada taxa de inflação corresponde um intervalo de taxas de desemprego, o que aumenta o risco e os custos das decisões. Mais complicado ainda era o fato de que, quando se introduziam no modelo as “expectativas” da inflação futura, existia uma “família de curvas”, uma para cada “expectativa”. Quando a inflação “realizada” fosse igual à “esperada”, o nível de desemprego seria a sua “taxa natural”, ou seja, o “desemprego estrutural”, uma taxa de desemprego que nem aumenta nem reduz a taxa de inflação (a Nairu = Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment).

Não importa a sofisticação do modelo. Reduzido à sua forma mais simples, a taxa de inflação “realizada” seria, então, igual à taxa de inflação “esperada”, corrigida por um fator que registra a diferença entre a taxa de desemprego vigente e a taxa “natural” (“estrutural” = Nairu), sob cuja estabilidade há sérias dúvidas. Como é evidente, a taxa de desemprego “natural”, se existir, só pode ser alterada por medidas estruturais (do lado da oferta) que flexibilizem e tornem mais eficiente o mercado de trabalho, o que leva algum tempo. Logo, a redução da taxa de inflação no curto prazo deve implicar algum aumento da taxa de desemprego. O problema é que a taxa “natural” não é observável e sua estimativa sempre será sujeita a erros, o que exige muita informação complementar e muita arte da autoridade monetária.

É preciso aceitar o fato de que, no Brasil, sem um “ajuste” fiscal crível, acompanhado de políticas salarial, cambial e propostas de reformas adequadas, a simples manipulação da taxa de juros para trazer a expectativa de inflação à meta de 4,5% num horizonte muito mais curto do que o sugerido pelo Banco Central, poderá exigir um desemprego com custo social muito alto. 

Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto 

 

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