A INFLAÇÃO E OS JUROS
Os economistas são
perseguidos por um problema de solução muito difícil: tentar deduzir, do
comportamento de agentes individuais estimulados a procurar seus
próprios interesses, uma lei que combine e descreva a sua “soma”.
Trata-se de entender como se processa a transmissão da ação
microeconômica para o nível macroeconômico. Isso é possível, por
exemplo, em alguns ramos da Física que estudam as relações entre o mundo
microscópico e o macroscópico.
Relações como essas são o Santo Graal dos economistas que
cultivam uma inveja secreta da Física. Descobertas – para alguns, elas
existem por definição e ficam à espera da astúcia econométrica –
“explicariam” os comportamentos macroeconômicos por seus “fundamentos”
microeconômicos e abririam caminho para a manipulação da realidade pela
política econômica. Que tal, por exemplo, encontrar uma relação no nível
macroeconômico entre a taxa de inflação e a taxa de desemprego de uma
sociedade de milhões de cidadãos, cada um agindo no seu próprio
interesse? Pois bem. Em 1958, um arguto neozelandês (A.W. Phillips),
usando dados da Inglaterra de 1861 a 1957, “descobriu” uma relação
negativa entre a variação da taxa nominal dos salários e o nível de
desemprego: quando este era alto, a taxa de inflação era baixa e
vice-versa. Quase imediatamente outros economistas, como Paul Samuelson e
Robert Solow, com uma transformação simples, substituíram a variação
nominal do salário pela taxa de inflação e encontraram a mesma relação
com os dados dos EUA, “confirmando” a relação negativa. A alegria durou
pouco. Artilheiros de grosso calibre, Milton Friedman e Edmond Phelps
puseram em dúvida a existência da curva, agora chamada “de Phillips”.
O problema é que a dispersão
das observações na Curva de Phillips não sugere uma “curva”, mas uma
“nuvem” em torno de eventuais curvas “construídas” estatisticamente,
como se vê na figura abaixo. A cada taxa de inflação corresponde um
intervalo de taxas de desemprego, o que aumenta o risco e os custos das
decisões. Mais complicado ainda era o fato de que, quando se introduziam
no modelo as “expectativas” da inflação futura, existia uma “família de
curvas”, uma para cada “expectativa”. Quando a inflação “realizada”
fosse igual à “esperada”, o nível de desemprego seria a sua “taxa
natural”, ou seja, o “desemprego estrutural”, uma taxa de desemprego que
nem aumenta nem reduz a taxa de inflação (a Nairu = Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment).
Não importa a sofisticação do modelo. Reduzido à sua forma
mais simples, a taxa de inflação “realizada” seria, então, igual à taxa
de inflação “esperada”, corrigida por um fator que registra a diferença
entre a taxa de desemprego vigente e a taxa “natural” (“estrutural” =
Nairu), sob cuja estabilidade há sérias dúvidas. Como é evidente, a taxa
de desemprego “natural”, se existir, só pode ser alterada por medidas
estruturais (do lado da oferta) que flexibilizem e tornem mais eficiente
o mercado de trabalho, o que leva algum tempo. Logo, a redução da taxa
de inflação no curto prazo deve implicar algum aumento da taxa de
desemprego. O problema é que a taxa “natural” não é observável e sua
estimativa sempre será sujeita a erros, o que exige muita informação
complementar e muita arte da autoridade monetária.
É preciso aceitar o fato de que, no
Brasil, sem um “ajuste” fiscal crível, acompanhado de políticas
salarial, cambial e propostas de reformas adequadas, a simples
manipulação da taxa de juros para trazer a expectativa de inflação à
meta de 4,5% num horizonte muito mais curto do que o sugerido pelo Banco
Central, poderá exigir um desemprego com custo social muito alto.
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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