A DINÂMICA DA DÍVIDA
O problema mais preocupante que ameaça a
construção da sociedade civilizada ínsita na Constituição de 1988 é o
“presidencialismo de coalizão” a que chegamos. O que hoje salta aos
olhos é a ausência de protagonismo da presidenta. Depois da excelente administração de 2011 ela foi vítima de um engano, no auge de seu prestígio
(92% de ótimo/bom + regular). Respondeu mal à informação que recebeu da
sociedade e da situação da economia mundial, que estava encolhendo. A
mensagem era: 1. Repita mais do mesmo. 2. Estimule o investimento
público e privado. 3. Preste atenção sobre os efeitos da economia
mundial sobre o saldo em conta corrente.
A resposta foi na direção certa, mas de intensidade equivocada. Reduziu arbitrariamente a tarifa de energia elétrica e a taxa de juro real,
o que deveria ter estimulado os investimentos privados. Infelizmente, o
abuso do intervencionismo voluntarista teve o efeito oposto pelo uso da
valorização do real para combater a inflação, o que reduziu a produção e
a exportação de produtos manufaturados, substituídos por importação. As
intervenções foram tantas e tão agressivas que desorientaram, em lugar
de estimular, os investidores e os exportadores. O ano de 2012 terminou
com um crescimento do PIB de 1,9% ante 3,9% em 2011. Enquanto o PIB do mundo encolheu 30%, o brasileiro encolheu 50%!
Hoje, a “base” do Executivo na Câmara é
constituída por dez partidos, com 324 deputados. Nem os partidos têm
fidelidade ao governo nem seus membros lhes têm a menor fidelidade! No
fim do dia, essa desintegração política atrasou a aprovação do projeto
que transforma o superávit primário originalmente estimado de 55 bilhões
de reais em um déficit primário da ordem de 52 bilhões, o que expôs a
presidenta a um grave dilema: ou realizar um novo contingenciamento de
despesas ou desatender às recomendações do Tribunal de Contas da União.
Mas o problema mais agudo a
ameaçar a estabilidade nacional é o receio de que as complicações
fiscais de 2015 indiquem a perda do controle da relação dívida
bruta-PIB. De 53% em 2013, ela saltou para 59% em 2014, prováveis 68% em
2015, e dá sinais de que pode alcançar 74% em 2016. Um disparo
assustador de 21 pontos de porcentagem em apenas três anos, com redução
estimada de cerca de 6% do PIB no mesmo triênio! Isso sem falar na
falência fiscal dos estados que atrasam os salários, apropriam-se
ilegalmente de depósitos judiciários e aumentam os impostos.
As tentativas de encontrar relações
empíricas entre o crescimento do PIB e o nível e a variação da relação
dívida-PIB são praguejadas por armadilhas econométricas. Em setembro, o
FMI reproduziu um estudo sobre o assunto publicado pelo Federal Reserve
Bank of Dallas (“Is There a Debt-Threshold Effect on Output Growth”,
WP/15/197). Usando um aperfeiçoamento da metodologia de painéis, tenta
superar as suas conhecidas dificuldades. Usa as informações de 40
países, Brasil incluído, entre 1965 e 2010.
Não encontra ponto-limite, mas chega a uma conclusão muito interessante: “Não conseguimos (são quatro autores)
nenhum ponto-limite universal entre crescimento e dívida pública quando
levamos em conta todas as variáveis de controle. Entretanto,
encontramos uma relação, estatisticamente significante, nos casos de
países com relação dívida-PIB
crescente. O resultado sugere que a trajetória da dívida é mais
importante do que o seu nível. Não importa o nível limite da relação. O
que importa é uma significante relação negativa de longo prazo entre uma
crescente dívida-PIB e o crescimento econômico”. Mas advertem: “Nossos
resultados implicam que déficits fiscais keynesianos para estimular o
crescimento não têm, necessariamente, efeitos negativos no crescimento
de longo prazo, quando são acompanhados com uma política fiscal crível
que reduza no futuro o peso da dívida a níveis sustentáveis”.
O trabalho é muito sofisticado e convincente, ainda que
não elimine completamente a minha desconfiança com a endogeneidade entre
as duas variáveis. Acalmai-vos, keynesianos neandertais! O mestre está
salvo, mas detesta discussões bizantinas, principalmente as confusões
dialéticas...
Foto: CartaCapital
Por Delfim Netto
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