terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A DINÂMICA DA DÍVIDA
O problema mais preocupante que ameaça a construção da sociedade civilizada ínsita na Constituição de 1988 é o “presidencialismo de coalizão” a que chegamos. O que hoje salta aos olhos é a ausência de protagonismo da presidenta. Depois da excelente administração de 2011 ela foi vítima de um engano, no auge de seu prestígio (92% de ótimo/bom + regular). Respondeu mal à informação que recebeu da sociedade e da situação da economia mundial, que estava encolhendo. A mensagem era: 1. Repita mais do mesmo. 2. Estimule o investimento público e privado. 3. Preste atenção sobre os efeitos da economia mundial sobre o saldo em conta corrente.

A resposta foi na direção certa, mas de intensidade equivocada. Reduziu arbitrariamente a tarifa de energia elétrica e a taxa de juro real, o que deveria ter estimulado os investimentos privados. Infelizmente, o abuso do intervencionismo voluntarista teve o efeito oposto pelo uso da valorização do real para combater a inflação, o que reduziu a produção e a exportação de produtos manufaturados, substituídos por importação. As intervenções foram tantas e tão agressivas que desorientaram, em lugar de estimular, os investidores e os exportadores. O ano de 2012 terminou com um crescimento do PIB de 1,9% ante 3,9% em 2011. Enquanto o PIB do mundo encolheu 30%, o brasileiro encolheu 50%!

Hoje, a “base” do Executivo na Câmara é constituída por dez partidos, com 324 deputados. Nem os partidos têm fidelidade ao governo nem seus membros lhes têm a menor fidelidade! No fim do dia, essa desintegração política atrasou a aprovação do projeto que transforma o superávit primário originalmente estimado de 55 bilhões de reais em um déficit primário da ordem de 52 bilhões, o que expôs a presidenta a um grave dilema: ou realizar um novo contingenciamento de despesas ou desatender às recomendações do Tribunal de Contas da União.

Mas o problema mais agudo a ameaçar a estabilidade nacional é o receio de que as complicações fiscais de 2015 indiquem a perda do controle da relação dívida bruta-PIB. De 53% em 2013, ela saltou para 59% em 2014, prováveis 68% em 2015, e dá sinais de que pode alcançar 74% em 2016. Um disparo assustador de 21 pontos de porcentagem em apenas três anos, com redução estimada de cerca de 6% do PIB no mesmo triênio! Isso sem falar na falência fiscal dos estados que atrasam os salários, apropriam-se ilegalmente de depósitos judiciários e aumentam os impostos.

As tentativas de encontrar relações empíricas entre o crescimento do PIB e o nível e a variação da relação dívida-PIB são praguejadas por armadilhas econométricas. Em setembro, o FMI reproduziu um estudo sobre o assunto publicado pelo Federal Reserve Bank of Dallas (“Is There a Debt-Threshold Effect on Output Growth”, WP/15/197). Usando um aperfeiçoamento da metodologia de painéis, tenta superar as suas conhecidas dificuldades. Usa as informações de 40 países, Brasil incluído, entre 1965 e 2010.

Não encontra ponto-limite, mas chega a uma conclusão muito interessante: “Não conseguimos (são quatro autores) nenhum ponto-limite universal entre crescimento e dívida pública quando levamos em conta todas as variáveis de controle. Entretanto, encontramos uma relação, estatisticamente significante, nos casos de países com relação dívida-PIB crescente. O resultado sugere que a trajetória da dívida é mais importante do que o seu nível. Não importa o nível limite da relação. O que importa é uma significante relação negativa de longo prazo entre uma crescente dívida-PIB e o crescimento econômico”. Mas advertem: “Nossos resultados implicam que déficits fiscais keynesianos para estimular o crescimento não têm, necessariamente, efeitos negativos no crescimento de longo prazo, quando são acompanhados com uma política fiscal crível que reduza no futuro o peso da dívida a níveis sustentáveis”.

O trabalho é muito sofisticado e convincente, ainda que não elimine completamente a minha desconfiança com a endogeneidade entre as duas variáveis. Acalmai-vos, keynesianos neandertais! O mestre está salvo, mas detesta discussões bizantinas, principalmente as confusões dialéticas... 

Foto: CartaCapital
Por Delfim Netto 

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