O VERDADEIRO PROBLEMA
Por mais perturbadora que seja a nossa desintegração política, consequência da paralisia econômica que nos acometeu no quinquênio 2011-2015, com aumento de pouco mais de 5% do PIB nacional,
enquanto o mundial cresceu 19% e o dos demais emergentes 28%,
acompanhada, agora, pela assustadora possibilidade de que estejamos
namorando uma dominância fiscal, essas ameaças ao bem-estar de nossos
netos são muito menores do que aquilo que está acontecendo na COP21, em Paris, onde estamos representados pela competente ministra Isabella Teixeira.
Depois de longas discussões, iniciadas
ainda no século XIX, não há dúvida de que uma parte muito significativa
do atual aquecimento da Terra é consequência da expansão da atividade humana. Seu controle, portanto, envolve a redução do CO2-eq,
os chamados gases estufa, que são, necessariamente, produzidos com
qualquer bem ou serviço que forma o famoso Produto Interno Bruto, cuja
maximização per capita costuma ser o objetivo do desenvolvimento. O
resultado são bens consumíveis que farão a satisfação de alguém, mas
deixarão resíduos que voltarão degradados para a natureza e libertarão
CO2-eq. Estes levam muito tempo para se dissipar na
atmosfera e nos oceanos. Vão se acumulando e produzindo o aquecimento
da Terra. Hoje, se não houver uma cooperação geral, a situação ameaça
sair de controle.
A solução, entretanto, esbarra em
difíceis problemas éticos e econômicos. Entre eles destaca-se a ambição
universal do homem de maximizar a utilidade presente, fruir o máximo de
satisfação do acidente de viver uma vida que sabe finita e irrepetível, o
que minimiza a sua preocupação com o futuro, porque não vai viver nele.
O controle tem de ser sobre a produção do PIB global, isto é, a soma de
todos os países, o que exige a quantificação da possibilidade da
evolução do PIB (logo, do CO2-eq) de cada um e a avaliação da
sua emissão, que é variável com o nível do PIB per capita já alcançado e
com a tecnologia dominante.
A aldeia global construída pela expansão
das comunicações tornou irresistível o desejo de todo cidadão do mundo,
do mais pobre vilarejo à maior concentração urbana, de copiar o padrão
de vida da mais rica metrópole! Trata-se de um problema político
complicado. Como reduzir o crescimento da soma de todos os PIBs com uma
condicionalidade ética: fazer com que, num prazo aceitável, todos
convirjam para o mesmo PIB per capita? A verdade é que parece haver
poucas soluções.
A primeira é prosseguir no desenvolvimento tecnológico que reduz a emissão de CO2-eq
por unidade de PIB, com a substituição da energia fóssil por energias
renováveis. A segunda consiste em reduzir o ritmo do crescimento global
do PIB juntamente com um induzimento, pela educação, da taxa líquida de
reprodução feminina nos países mais pobres, o que já está ocorrendo. A
terceira é tentar convencer os consumidores dos países retardatários e
os menos afortunados dos ricos que devem esquecer a sua insistência em
imitar o consumo dos outros e se conformarem com as indecentes
desigualdades de renda e bem-estar dentro e entre eles. A última solução
é uma combinação das anteriores.
A questão é que todas implicam a
transferência de poder dos países que têm renda mais alta para os de
menor renda. É aqui que emerge o grande problema moral exigido pela
solução “justa”. A redução do crescimento do PIB do planeta precisa ser
feita com maior redução do crescimento dos mais desenvolvidos e dos
maiores emissores, combinada com o aumento do crescimento dos outros e a
simultânea redução da desigualdade entre eles e dentro deles. É pouco
provável, por maiores que forem os esforços e a racionalidade da
tecnocracia da COP21, que ela possa resolvê-lo. O estoque de CO2-eq
que vem se acumulando desde a Revolução Industrial e elevando a
temperatura da Terra foi, basicamente, produzido pelos países hoje
desenvolvidos. Estados Unidos e Europa Ocidental são, ainda, os grandes
emissores, agora acompanhados por um agressivo emergente, a China, de baixa renda per capita, mas com um quinto da população do planeta!
O preocupante é que só a razão talvez
seja incapaz de afastar a ameaça à sobrevivência desse orgulhoso animal
falante que deu a si mesmo o nome de Sapiens-sapiens. Talvez seja tarefa para o jesuíta da encíclica Laudato Si...
CartaCapital
Por Delfim Netto
Nenhum comentário :
Postar um comentário