A MUSA DO MEU AMIGO
Linda, tesuda e,
aparentemente, sensível aos apelos da carne. Passa derramando o mar de
seus olhos verdes sobre nós, reles criaturas mortais, a ponto de quase
nos afogar em terra firme. Todos a amamos, um de meus amigos em
especial, na distância platônica que ele mesmo criou e não consegue
vencer. Fidelidade! O rapaz é fiel à namorada.
Nunca nos dá o
menor cabimento, apenas segue caminho, aprimorando o molejo sobre os
saltos, e isso em gesto de pura maldade, para aumentar a fome canina dos
olhos da rapaziada. Quando muito, a danada projeta a claridade do
sorriso em resposta aos bons-dias. "Meu Deus", o pessoal grita o verso
de Vinícius, "eu quero a mulher que passa!"
Meu amigo, coitado,
sofre horrores. Os que desejam a dita-cuja, sem deixar de torcer pelo
companheiro, sofrem por solidariedade. É deveras triste vê-la grudada ao
tórax de sujeito qualquer, invadida por beijos sebosos, atada em
abraços repressores, profanada à flor da pele por mãos cheias de dedos e
sabe-se lá por que mais, longe dos seus vigias.
Aqui para nós, e
no melhor sentido da expressão, a tal musa é uma grandessíssima e
maravilhosa safada. Alta noite, bar da praça, violões em sol,
enxerguei-a por entre sombras, trocando-se em miúdos com um sujeito
atarracado e carrancudo. Nem bem amanheceu, encontrei-a noutro canto,
dependurada num almofadinha de paletó e gravata.
O leitor pode
imaginar, diante das palavras que acabam de cair no papel, que estou com
inveja, como se as musas não pudessem sucumbir a calores humanos, a não
ser os meus. Na verdade, estamos, eu e a plateia de babões, com a
estranha sensação de cornice indireta, mas tudo isso com o maior
respeito ao nosso amigo e à sua paixão platônica.
O Mossoroense
Por Cid Augusto
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