quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A MUSA DO MEU AMIGO
Linda, tesuda e, aparentemente, sensível aos apelos da carne. Passa derramando o mar de seus olhos verdes sobre nós, reles criaturas mortais, a ponto de quase nos afogar em terra firme. Todos a amamos, um de meus amigos em especial, na distância platônica que ele mesmo criou e não consegue vencer. Fidelidade! O rapaz é fiel à namorada.

Nunca nos dá o menor cabimento, apenas segue caminho, aprimorando o molejo sobre os saltos, e isso em gesto de pura maldade, para aumentar a fome canina dos olhos da rapaziada. Quando muito, a danada projeta a claridade do sorriso em resposta aos bons-dias. "Meu Deus", o pessoal grita o verso de Vinícius, "eu quero a mulher que passa!"

Meu amigo, coitado, sofre horrores. Os que desejam a dita-cuja, sem deixar de torcer pelo companheiro, sofrem por solidariedade. É deveras triste vê-la grudada ao tórax de sujeito qualquer, invadida por beijos sebosos, atada em abraços repressores, profanada à flor da pele por mãos cheias de dedos e sabe-se lá por que mais, longe dos seus vigias.

Aqui para nós, e no melhor sentido da expressão, a tal musa é uma grandessíssima e maravilhosa safada. Alta noite, bar da praça, violões em sol, enxerguei-a por entre sombras, trocando-se em miúdos com um sujeito atarracado e carrancudo. Nem bem amanheceu, encontrei-a noutro canto, dependurada num almofadinha de paletó e gravata.

O leitor pode imaginar, diante das palavras que acabam de cair no papel, que estou com inveja, como se as musas não pudessem sucumbir a calores humanos, a não ser os meus. Na verdade, estamos, eu e a plateia de babões, com a estranha sensação de cornice indireta, mas tudo isso com o maior respeito ao nosso amigo e à sua paixão platônica.

O Mossoroense
Por Cid Augusto 

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