REAL FAZ 20 ANOS; ANTES DELE,
O PREÇO DO TOMATE SUBIU
4.500% EM 12 MESES
Na próxima semana, o real completa 20 anos. Em 1º de julho de 1994, a moeda passou a circular. O lançamento do real foi parte de um plano econômico desenvolvido para acabar com a hiperinflação, que chegou a 2.477,15% ao ano em 1993, de acordo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). A título de comparação, os preços subiram 5,91% em 2013.
O Plano Real começou a ser elaborado em 1993, no governo do presidente
Itamar Franco (1992-94). O então ministro da Fazenda, Fernando Henrique
Cardoso, criou um grupo com André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo
Franco, Pedro Malan e Persio Arida para desenvolver o projeto.
No ápice da hiperinflação, os preços eram reajustados diariamente. O
tomate, por exemplo, chegou a aumentar 4.492,25% em 1993. Em 2013, seu
preço subiu 14,74%. Isso significa que a inflação em 1993 foi 304 vezes
maior que em 2013. Se hoje houvesse a inflação de 93, um quilo de tomate
que custa R$ 6,00 passaria a R$ 275,54 em um ano.
Por que o Plano Real deu certo?
O país teve outros planos econômicos antes do real. Em 1986, foi
lançado o Plano Cruzado, para tentar controlar a inflação, que chegava a
215% ao ano em 1985. Em seguida, vieram os planos Bresser (1987), Verão
(1989), Collor I (1990) e Collor II (1991). Os planos conseguiram
derrubar a hiperinflação por um curto período, mas falharam ao final.
O ponto em comum desses planos foi o congelamento de preços. Essa foi
também uma das razões de eles terem dado errado. O congelamento era
anunciado do dia para noite, para tentar impedir que os vendedores
subissem muito os preços antes que eles fossem congelados.
Como
os preços não podiam subir, produtos começavam a faltar nos mercados. Os
vendedores tiravam os produtos das prateleiras, pois não achavam justo o
preço fixo a que eram obrigados a negociar. Nessas horas, ganhava força
o mercado negro, no qual as mercadorias eram vendidas por um preço
muito maior.
O Plano Real se diferenciou dos outros por
introduzir medidas graduais e que foram anunciadas e esclarecidas com
antecedência, de acordo com Otto Nogami, professor de economia dos
programas de MBA do Insper ( Instituto de Ensino e Pesquisa).
O
plano foi dividido em três fases. A primeira teve como objetivo ajustar
as contas públicas, cortando despesas do governo e fazendo
privatizações. A segunda etapa foi a implantação da URV (Unidade Real de
Valor). O último estágio foi a transformação da URV no real.
Economistas apontam a criação da URV como o ponto chave para o sucesso
do Plano Real. A URV não era uma moeda física, mas uma unidade de
referência.
No dia em que entrou em uso, em 1º de março de 1994,
1 URV correspondia a CR$ 647,50 (cruzeiros reais). Esse valor era
corrigido e anunciado pelo governo diariamente, com base na média entre
três índices de inflação utilizados na época.
No segundo dia em
uso, o valor de 1 URV passou a CR$ 657,50. Em 1º de julho de 1994, 1 URV
passou a valer R$ 1, que correspondia a CR$ 2.750.
Contratos de
aluguel, duplicatas, produtos e salários, por exemplo, eram fixados em
URV. Na hora do pagamento, o valor em URV era transformado em cruzeiros
reais, usando a cotação do dia.
Isso significa que mesmo que o
preço não subisse em URV, ainda assim o valor estaria sendo corrigido
diariamente. Se um quilo de frango custasse 1 URV, o vendedor receberia
CR$ 647,50 em 1º de março, por exemplo, e um número maior de cruzeiros
reais depois de uma semana.
URV ajudou a acabar com a inflação de expectativa
Renato Colistete, professor de economia da USP (Universidade de São
Paulo), diz que o uso da URV não acabou por completo com a inflação, mas
ajudou a organizá-la. "A inflação ainda existia, mas com a URV os
preços subiam de forma ordenada; a unidade criou uma referência única
para todos".
Antes da URV, os preços subiam de forma
desordenada. Nogami afirma que a inflação pode ter duas causas: quando a
procura por produtos é maior que a oferta, ou quando há aumento dos
custos de produção.
No caso da hiperinflação, a insegurança
sobre o valor do dinheiro fazia com que os preços subissem não só
baseados nessas duas causas, mas também apoiados nas expectativas da
inflação futura. As pessoas apostavam quanto seria a inflação nos
próximos dias e já subiam os preços antecipadamente, para tentar reduzir
a perda futura. Isso gerava um clico vicioso de aumento de preços.
"A URV acabou justamente com essa inflação de expectativas", diz Nogami.
Só no mês de junho de 1994, a inflação foi de 47,43%. No fim de julho
do mesmo ano, um mês depois de o real entrar em circulação, a inflação
caiu para 6,84% ao mês.
Outro ponto considerado importante pelos
professores entrevistados foi o uso de uma taxa de câmbio "fixa"
(permitida uma pequena variação). Um real correspondia a um dólar.
De acordo com Colistete, isso dava a ideia de uma moeda forte,
valorizada. Além disso, com o dólar mais baixo, os produtos importados
ficavam mais baratos, o que ajuda a combater a inflação. Juros altos
também foram um aliado no combate ao aumento de preços.
O
professor da USP diz que o Plano Real teve sucesso por controlar a
inflação usando conceitos econômicos de um mercado que funciona
naturalmente; o congelamento de preços, por exemplo, era uma medida
artificial que não refletia as práticas do mercado.
Embora esses
conceitos econômicos tenham sido importantes, muito do sucesso do
projeto também se deveu a fatores comportamentais. Para Colistete, o
mercado acreditou que a correção de valor feita pela URV era justa e que
a economia estava estabilizada.
"O vendedor poderia subir
indiscriminadamente o preço em URV [o governo não exigiu que os preços
fossem congelados], mas ele não conseguiria vender sua mercadoria, pois,
naquela altura, já estava valendo a concorrência", diz o professor.
Plano real teve efeitos indesejados
O Plano Real conseguiu cumprir o objetivo de controlar a inflação, mas
para isso, outros fatores da economia foram prejudicados. "Assim como
todo remédio, ele teve seu efeito colateral", diz Colistete.
Para o professor da USP, um erro do plano foi ter mantido o real
valorizado em relação ao dólar por muito tempo. Algumas indústrias como a
têxtil e a calçadista, que dependiam muito do preço para poder vender,
quebraram, devido à forte concorrência dos produtos importados gerada
pelo dólar baixo.
"Embora o real valorizado tenha sido essencial
para o sucesso do plano, não houve um planejamento para que nossa moeda
voltasse a se desvalorizar de uma maneira gradual", diz Colistete.
Em 1999, o câmbio passou a ser flutuante (o preço do dólar varia de
acordo com a procura e a oferta). Com essa mudança, o dólar saltou de R$
1,21 (dezembro de 1998) a R$ 2,06 em fevereiro de 1999. "Na época,
muitos acreditavam que isso poderia pôr o plano a perder", diz o
professor.
Para Otto Nogami, o plano poderia ter tido ainda mais
sucesso se os investimentos tivessem sido mais estimulados já na
primeira fase do projeto. "O governo podia ter utilizado melhor o BNDES
[Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para incentivar
investimentos que seriam fundamentais no processo de ajuste da economia.
Melhorar os portos, estradas. O governo esqueceu o setor energético",
diz Nogami.
Na mesma linha, o professor da FGV (Fundação
Getulio Vargas) Samy Dana acredita que o governo poderia ter incentivado
investimentos para aumentar a produtividade. Dana diz que os juros
altos, além de terem aumentado o custo da dívida pública, tornavam o
crédito para as empresas muito caro.
Embora os juros altos
tenham sido importante para combater a inflação, o professor da FGV
acredita que o governo poderia ter oferecido linhas de crédito mais
baratas para o consumidor e para empresas, principalmente para o setor
de infraestrutura.
Isso poderia ser feito, dentre outras
maneiras, incentivando a concorrência por meio de taxas mais baixas de
juros oferecidas pelos bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal.
"O plano conseguiu estabilizar a inflação, mas não gerou crescimento",
diz Dana.
Fonte: UOL Economia
Por Letícia Marçal - Do UOL, em São Paulo
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