MARINHO CHAGAS:
ÍDOLO, CRAQUE, AMIGO
O ano de 1969 foi de
mudanças profundas. Antes do caminhão partir do bairro de Santos Reis no
rumo do bairro das Quintas, carregado com os móveis e com minha
família, a última imagem da rua no pequeno bairro foi de João Galego
tocando uma bola em direção à praia.
Era um jogador do ABC F.C., centroavante rompedor, sem muita
habilidade, mas que encontrou nos passes perfeitos de Alberí, o gênio do
time, os gols que o tornaram um matador naquele ano. Na nova rua em que
fui morar, um outro galego surgiria com sua bola.
Foi no ano em que completei 10 anos e a distância entre o lar e a rua
foi aumentando a cada descoberta; as brincadeiras ofereciam cada vez
mais novas ruas a explorar. Como cumprindo a sina de um seriado da TV, “audaciosamente indo” onde jamais eu estivera antes.
Assim descobrí que no CIAT, uma base da Marinha, na margem do Rio
Potengi que banha Natal, um belo gramado era utilizado para treinos de
alguns times da cidade, principalmente, e obviamente, o Riachuelo, clube
mantido pelos militares de branco.
Naquele 1969, um garotão louro, lateral esquerdo que tocava a bola
magistralmente com os dois pés, deixou o time naval e foi para o ABC.
Seu talento nos últimos treinos pela equipe azul e branca foi a primeira
imagem que marcou meus dias no novo bairro.
Marinho Chagas matou a pau com a camisa alvinegra do ABC, atuava com a
raça de um gladiador e a habilidade de um atirador de facas. Sem
qualquer informação do que fora Nilton Santos no Botafogo, jogava em
Natal com a categoria do grande mestre.
Trama dos deuses, ao se transferir para o Náutico, no ano seguinte,
logo chamou a atenção do time carioca da estrela solitária, que vivia
buscando resolver o vácuo na lateral esquerda. De 1972 a 1974, Marinho
encantou o país e conquistou o mundo.
Entre uma folga e outra, já gozando a celebridade de craque e a fama
de astro pop dos gramados, Marinho aparecia em Natal exibindo o novo
visual de hippie boleiro, a “Bruxa” que enfeitiçava donzelas nas ruas do Rio de Janeiro e da Europa.
Nas suas andanças pelos campinhos das peladas de Natal, acabamos nos
encontrando, ele já um cara experimentado na vida, vinte e poucos anos, e
eu o adolescente que mantinha a tietagem, glorificando-o nos meus times
de botão e caixas de fósforos.
Marinho Chagas foi um dos mais incríveis jogadores que meus olhos já
viram, um artista em campo e fora dele, uma figura pública que jamais se
preocupou em delimitar os espaços entre o profissional e o homem. Nunca
escondeu suas angústias e devaneios.
Na composição do seu perfil psicológico, se misturam os gênios de
Heleno de Freitas, de Garrincha, de George Best, de Nei Conceição, de
Maradona, de Paul Gascoigne. Via nele a expressão de um Peter Pan
buscando escapar ao destino da natureza humana.
Na minha coleção de ídolos do futebol, ele é a figurinha mais rara,
mais cultuada, aquela que a gente jamais colocou nas apostas do jogo de
bafo. Marinho é a permanência da minha infância nas referências que
teimam em se manter acesas.
É o ídolo que o destino transformou em amigo, um velho amigo que
quando a gente encontra nos abastece das melhores lembranças. Como
craque de futebol, as lembranças que guardo de Marinho Chagas são de um
mito que Natal deveria perpetuar em sua História.
Inesquecíveis são suas jogadas e gols pelo Botafogo, pelo Fluminense,
pela seleção brasileira, pelo Cosmos e pelo São Paulo. O canhão do
Nordeste nas tantas manchetes da grande imprensa, o terror das
menininhas alemãs, correndo para assediá-lo na Copa de 1974.
E se Heleno traçou Evita Perón, ou se Garrincha foi o amor da vida de
Elza Soares, Marinho Chagas foi o James Dean tropical que assanhou a
libido da princesa Grace Kelly. Sem dribles, entortava pescoços de
dondocas nas calçadas de Copabacana.
Em 1974, o jogo Brasil x Holanda marcou a trajetória de Marinho. O
jogo foi um trauma, caímos abatidos por 2 x 0, pelo talento fantástico
de Cruijff e o carrossel holandês. Mas, no apagão da seleção, uma luz
não deixou de brilhar o tempo todo.
Luz de fachos amarelos e azuis na mistura dos cabelos longos de
Marinho e a camisa da seleção. Os holandeses descobriram que pelo lado
direito da sua defesa havia um perigo com a mesma ousadia da laranja
mecânica. Eram as arrancadas incríveis da “Bruxa”.
O Brasil tomou um baile, enquanto Marinho infernizava os holandeses
como um El Cid, sozinho e iluminado pela sua própria luz. Mas o grande
momento do jogo estava guardado para o final, um quadro que guardo até
hoje nas fotos da revista Placar.
Milhares de torcedores com camisas laranjas festejavam o triunfo da
Holanda. O jogador Krol procura Marinho Chagas, que chora copiosamente.
Krol abraça o brasileiro e levanta-lhe o braço direito mostrando-o à sua
torcida, que aplaude.
O holandês compreendia que havia um vencedor solitário, um adversário
com honra, um craque a quem não cabia castigo por jogar desnudo de
táticas passadas. Cercado por milhões de telespectadores em todo o
mundo, Krol pediu, com a grandeza dos vitoriosos, para Marinho Chagas a
tradicional troca de camisas.
Tenho o coração despedaçado diante da notícia da sua morte, na
madrugada de domingo, primeiro dia do mês da Copa, que ele esperava com
tanta alegria, distribuindo autógrafos entre colecionadores de
figurinhas. O eterno menino brincando com a vida, como se ela não fosse
tão difícil quanto uma seleção holandesa.
Natal perdeu seu filho mais célebre no âmbito mundial, o herdeiro
legítimo do gênio Nilton Santos, ídolo de Beckenbauer e Platini, ícones
universais da Alemanha e França. Se foi às vésperas da copa o único
potiguar com três Bolas de Prata, o maior jogador da história do futebol
do RN. Meu craque preferido, meu ídolo inesquecível, meu amigo, minha
figurinha mais importante.
Fonte: Blog do Alex Medeiros
Por Alex Medeiros
Por Alex Medeiros
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