POR QUE NÃO FIZERAM?
Os economistas decidiram que o “contrato social” implícito na Constituição de 1988 é a causa causans
dos nossos problemas. Há razões para relativizar tal proposição. É
inegável que a Constituição contém exageros. São, principalmente,
resultados do momento em que foi redigida: depois do maior estelionato
eleitoral já promovido no universo, o Plano Cruzado, que deixa no
chinelo o de Dilma 2!
Nada na Constituição é sagrado, além das
cláusulas pétreas, sob o controle do Supremo Tribunal Federal. Ela só
não é pior, é preciso lembrar, porque o festival de uma esquerda “infantilizada”,
firmemente convicta de que a “vontade política” preteria a aritmética,
acabou gerando, espontaneamente, a organização de um “centrão” que lhe
devolveu algum realismo e racionalidade. Mas por que, nos últimos 27
anos, não foi aperfeiçoada?
A razão para relativizar os
inconvenientes da Constituição é o seu objetivo maior, a construção de
uma sociedade “civilizada”, definida como aquela que:
1. Permita a plena liberdade de
iniciativa dos seus membros e lhes garanta a apropriação dos seus
benefícios obtidos por meios lícitos.
2. Busque permanentemente uma crescente igualdade de oportunidades. A posição de cada cidadão deve depender, cada vez menos, do acidente do seu nascimento, o que implica educação e saúde universais
e pagas por todos (para a sociedade, não há nada “grátis”) e exige
alguma mitigação da transferência intergeracional da riqueza acumulada.
3. Estabeleça uma solidariedade social
inclusiva que ampare o menos favorecido e o estimule a conquistar, com
seu próprio esforço, a plena cidadania.
4. Se organize economicamente de forma
eficiente, mas compatível com a relativa liberdade e a relativa
igualdade desejadas. Isso sugere uma organização por meio de mercados
sujeitos a um Estado forte, limitado constitucionalmente, capaz de
regular e controlar seus poderes econômico e político. Desregulados,
eles oferecem riscos à qualidade dos resultados do “sufrágio universal”,
que é o garante da democracia e o mecanismo empoderador da cidadania. A
organização pelos mercados é um instrumento, não um objetivo!
Pois bem. Nada na Constituição impede a construção de tal sociedade. Se estamos (e estamos!) numa situação econômica desastrosa e politicamente difícil,
não é apenas por culpa da Constituição. Têm ônus, ainda maior, os
poderes incumbentes eleitos desde 1990 pelo sufrágio universal (e já são
cinco!), que nunca tentaram, com firmeza e convicção, corrigir os seus
excessos.
Nem FHC, depois do merecido prestígio que lhe deu o Plano
Real, nem Lula, nos píncaros da glória em 2008-2010, quando comemorou o
“grau de investimento”, nem Dilma, com sua esplêndida aprovação de 2011,
ousaram gastar seu patrimônio político para enfrentá-los. Preferiram
acomodar-se, mas agora ditam regras para a “salvação nacional”...
Nada na Constituição os impedia. Nada nela impede, aliás,
uma administração que estimule a segurança jurídica, o investimento e a
exportação, vetores que produzem o crescimento econômico que sustenta o
desenvolvimento social.
Os erros mais recentes de diagnóstico e a má escolha dos
instrumentos de política econômica produzidos pelo voluntarismo do
governo reduziram o crescimento médio anual do PIB de 4,0% entre
2003-2010 (ajudado pelo setor externo), para 2,1% em 2011-2014. No
fundo, bem no fundo, não foi o “contrato social” que reduziu o ritmo de
crescimento. Foi a covardia política continuada, que parece tê-lo
tornado inviável.
É preciso enfrentar os problemas da
Constituição, porque como está, com um crescimento médio do PIB abaixo
de 4%, ela é mesmo uma bomba fiscal. A decisão de ajustar o Orçamento
(que até então era impossível!) só depois de ter perdido o grau de
investimento reforçou a perigosa incapacidade do governo de comparar
custos e benefícios.
Dilma precisa deixar de dubiedade. Sua última entrevista ao Valor deveria ter sido feita em dezembro de 2014! Deve confirmar, urgente e honestamente, sem recuos, suas novas “preferências” e, com elas, tentar cooptar o Congresso para aprovar as mudanças necessárias.
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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