AINDA DÁ TEMPO
O objetivo final da
nossa organização social é permitir a cada um construir a sua própria
humanidade, que não se esgota no trabalho exigido para sua pura
subsistência. Pelo contrário, é preciso deixar a cada cidadão mais tempo
para realizar-se plenamente, o que exige dele cada vez maior
produtividade no trabalho de atender às suas necessidades materiais. Há,
aqui, um velho trilema produzido pela natureza humana e comprovado
historicamente. Depois de uma seleção quase natural, que dura pelo menos
150 mil anos, os homens não encontraram, ainda, uma organização social
que maximize, ao mesmo tempo, a liberdade individual, a igualdade e a
eficiência produtiva que lhes permitiria gozar plenamente as duas
primeiras.
Desde o começo do século XVIII,
ficou claro que elas só poderiam ser acessadas assintoticamente.
Trata-se de um jogo entre a eficiência da organização da economia pelos
“mercados” (que ignoram a igualdade e aceitam a liberdade) e a diabólica
invenção do sufrágio universal (a “urna”) gestada pela pressão da
organização dos trabalhadores, que insiste na igualdade, mesmo à custa
de alguma redução no aumento da eficiência. O jogo progride sob o efeito
“catraca”: a melhora de qualquer uma delas (liberdade, igualdade,
eficiência) só é aceita pela urna quando não exige o retrocesso
significativo de nenhuma das outras duas.
A Constituição de 1988 deixou abertas diversas
possibilidades para papel interventor do Estado no campo da organização
econômica, todas sujeitas ao controle que ela mesma instituiu. Está mais
do que na hora de o Brasil tentar encarar como será o seu encontro com o
futuro, digamos 2050. A população mundial terá atingido 9,6 bilhões de
habitantes, 1,2 bilhão a mais do que a de 2010, principalmente na África
e na Ásia (ex-Japão) que têm baixo nível de renda e farão tudo (até
guerra!) para ampliá-lo, aumentando a pressão sobre os recursos naturais
e a deterioração ambiental. A nossa, depois de crescer até 2040, terá
diminuído para 226 milhões, 14% dela com idade de até 14 anos e 23% com
idade superior a 65 anos. Estaremos condenados a ser apenas uma
sociedade de velhos que não tiveram a coragem de tentar ser ricos?
Se a nossa política continuar oscilando entre uma direita
truculenta, vítima da mais profunda idiotia, e uma esquerda primitiva,
de assustadora ignorância e não menos agressiva, que têm como
contrapartida intelectual no campo da economia, respectivamente, o
assassinato do Estado e a sua divinização, vamos cumprir aquele destino.
É hora de abandonar a filosofia laxista que se impôs nas
últimas três décadas, segundo a qual 70% de nossos problemas o tempo
resolve e os outros 30% são insolúveis! A falta de pensar o futuro é
visível nas tragédias recorrentes que estamos vivendo. Não pode ser por
acaso que em pleno 2015 estejamos revivendo a marchinha-sucesso dos
carnavais do início dos anos 60 do século passado, em que se cantava o
Brasil como o “país em que de dia falta água e de noite falta luz”. Isso
sugere, sem surpresa, que as mesmas causas sempre produzem os mesmos
efeitos...
Por mais preconceituosas que sejam
as desconfianças de parte da sociedade, é preciso reconhecer que,
diante das dificuldades enfrentadas em 2011-2014, a presidenta Dilma
escolheu um caminho mais realista que nos aproximará da administração
“normal” dos países mais bem-sucedidos: Estado forte, mas regulado; mais
regulador do que interventor; finança pública bem organizada; reforço
das garantias jurídicas; liberdade de empreender e reter os seus
benefícios: estímulo à competição, ao investimento e à exportação;
intolerância com o abuso do poder econômico e, finalmente, coordenação
das políticas fiscal, salarial, cambial e monetária para obter alto
nível de emprego pelo crescimento do PIB, com equilíbrio interno (taxa
de inflação parecida com a externa) e equilíbrio externo (déficit em
conta corrente financial).
O caminho é claro, mas é também íngreme,
duro e pedregoso. Só nos conduzirá ao destino se for honesto e
fortemente apoiado por toda a sociedade. É, de fato, uma razoável
alternativa, dentro dos limites políticos hoje exploráveis, para que em
2050 não sejamos aquele país de velhinhos que jogou fora a chance de
eles se realizarem mais plenamente...
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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