A ÚNICA SAÍDA
Há quase um século (20/8/1918), Lenin escreveu
uma carta aos trabalhadores americanos onde afirmou: “Mesmo se para cada
cem coisas corretas que estamos fazendo cometermos 10 mil erros, nossa
revolução será ainda – e o será no julgamento da História – grande e
invencível. Porque esta é a primeira vez que não apenas uma minoria, não
apenas os ricos, não apenas os educados, mas a massa real, a maioria
esmagadora dos trabalhadores, está construindo uma nova vida e está, com
sua própria experiência, resolvendo os mais difíceis problemas da
organização socialista”. Obviamente, Clio, musa da História, negou-lhe o
seu aval.
Todos sabemos que a URSS implodiu em 1991
por uma constelação de erros econômicos e corrupção política, sob o
jugo dos herdeiros daquela “vanguarda” partidária que em 1917 convencera
o mundo intelectual de que era portadora do segredo do sonho generoso
de como organizar a sociedade para a felicidade geral, o “socialismo”.
Com ele todos os trabalhadores teriam ao mesmo tempo, liberdade
igualdade e eficiência produtiva gerada não pelo lucro egoísta
estimulado pelo “capitalismo”, mas pelo natural altruísmo dos homens.
Tudo terminou melancolicamente 70 anos depois, mas não sem antes de
ter-lhes roubado as três.
O curioso é que, em 1919, durante a
revolução comunista de Bela Kun, na Hungria, Georg Lukacs,
pragmaticamente, já esquecera o “altruísmo” e escreveu: “Se os
trabalhadores não adotarem imediata e espontaneamente uma disciplina de
trabalho e aumentarem a sua produtividade, o proletariado deve aplicar a
ditadura a si mesmo (sic), isto é, devem ser criadas
instituições que os obriguem a fazê-lo”. Tinha razão George Orwell, “um
homem tem de pertencer à ‘intelligentsia’ para acreditar numa coisa como
essa!” Os ainda não convencidos não devem perder Miklos Haraszti (A Worker in a Worker’s State, 1977).
A esquerda consagrou
Luckacs como o Galileu do século XX, mas no século XXI persiste a
indignação de alguns de nossos intelectuais que continuam a se pretender
“vanguarda”. Não se conformam com a “alienação” que os trabalhadores
revelam nas urnas nos processos democráticos livres. Como é possível
que, apenas porque gozam de relativo conforto no emprego, têm um salário
razoável para sustentar sua família, contam com alguma segurança e têm
alguma garantia de uma modesta aposentadoria, rendem-se à sociedade
“consumista” e “exploradora” produzida pelo indecente “capitalismo”? Por
que, afinal, negam-se o “direito” de se entregarem à “democracia” que
eles lhes oferecem e que os levará ao paraíso do “socialismo”?
A explicação cínica e talvez a verdadeira
é que o trabalhador “alienado” aprendeu que a tal “esquerda” está, em
geral, confortavelmente instalada no serviço público, gozando seus
“direitos” pagos com os recursos que o maldito Estado capitalista extrai
dele! Aprendeu na vida real o que a “vanguarda” finge ignorar: a
igualdade prometida significa, no fundo, mais Estado e a busca da
igualdade absoluta significa o Estado absoluto, que, para compensar sua
ineficiência também absoluta, sempre exige o fim da liberdade.
O grande sociólogo alemão Robert Michels,
que estudou a dinâmica organizacional dos partidos políticos, enunciou
uma proposição até agora não desmentida: “Os socialistas podem ganhar,
mas não o socialismo. Esse perecerá no mesmo momento em que seus
seguidores triunfarem”. Não há como conciliar pela força liberdade,
igualdade e eficiência produtiva. O insuperável Adam Smith, 250 anos
atrás, na sua Teoria dos Sentimentos Morais (1759), já alertava
seus leitores contra aqueles que se julgam sábios e “imaginam que podem
organizar os membros de uma grande sociedade com a mesma facilidade com
que organizam as peças de xadrez num tabuleiro”.
No momento em que nossa juventude
continua sendo miseravelmente deseducada pela história “criativa”
promovida pelos mesmos “intelectuais” financiados pelo governo, é
preciso insistir. Não há caminho especial para a realeza na construção
da sociedade civilizada! Ela tem de resultar do jogo democrático
dinâmico e continuado, entre o “mercado” e a “urna”. As alternativas
propostas nunca levarão a ela. São atalhos propostos ou pela direita
boçal, cuja ditadura consome 20 anos, ou pela esquerda imbecil, que
costuma durar 70.
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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