quarta-feira, 18 de julho de 2012

Por Carlos Alberto N. de Andrade



EM DEFESA DE DOM EUGÊNIO: 

RESPONDENDO A UMA PROVOCAÇÃO


Meu dileto amigo Edmilson Lopes Júnior e demais colegas que me enviaram o mesmo texto provocativo,

         Fizeste-me uma provocação, no bom sentido da palavra, e não fiquei com raiva, pois como sabes, adoro polemizar, afinal o legado que minha mãe deixou não me deixa margem para o conformismo. Não consigo ficar encurralado sem reagir, embora a potência dessa reação muitas vezes fique a quem da provocação. 
 
Começo dizendo que esta discussão: Dom Eugênio: progressista ou conservador? merece um debate aprofundado, todavia, infelizmente de minha parte e da sua, não dispomos de tempo suficiente para este aprofundamento. De forma que já começo justificando meu posicionamento simplista neste e-mail. Contudo, as palavras-chave que aqui se encontram reflete a essência de meu pensamento sobre esta contenda. Um segundo esclarecimento, é que quando cognominei Dom Eugênio de “baluarte das causas humana”, não tinha como referência a suposta ação dele em abrigar, conforme os noticiários, “mais de cinco mil perseguidos pela ditadura”, mas me referenciava sobretudo nos seus mais de 60 anos de atividade eclesiástica, desde a juventude quando ordenou-se na pequenina Natal de 1943, aos 23 anos de idade, dedicando toda uma vida ao seu semelhante sem pedir nada em troca.

Chamo a devida atenção para o contexto em que Dom Eugênio foi execrado e radicalmente combatido pela esquerda brasileira, me parece que por todos os seus matizes e variantes, que foi exatamente o período em que o país esteve sob a hegemonia da ditadura militar (1964-1985). Neste interregno, ou se era contra ou a favor do regime militar. No próprio campo da esquerda nós tivemos esta rotulação. Lembras do PCB? Radicalmente combatido por ampla maioria da esquerda brasileira, taxado de reformista porque se aliava ao MDB, enquanto os outros partidos representavam os mais puros, os redentores da humanidade, o farol do socialismo. Em alguns momentos o “partidão” foi acusado de traidor da classe operária. O resultado dessa história é que após o fim do regime militar, boa parte desses militantes que se diziam os arautos da revolução socialista, ou desbundaram, ou foram cooptados pelo Estado burocrático e patrimonial burguês, ou estão alienados, cuidando de suas vidas privadas. É certo que boa parcela deles foi assassinada nos porões da ditadura. Esta polarização bastante radicalizada, teve reflexo também no seio da igreja católica mundial, sobretudo no Brasil. Tínhamos de um lado, os religiosos progressistas, ligados à Teologia da Libertação, e por outro, os chamados conservadores, fiéis e alinhados às orientações do Vaticano. Na primeira vertente, Dom Hélder Câmara era sua expressão máxima, na segunda o próprio Dom Eugênio. Só para confundir ou esclarecer, lembro que na sua juventude Dom Hélder foi “galinha verde”, para quem não conhece o termo era o apelido dos partidários da Ação Integralista Brasileira (AIB), versão brasileira do fascismo italiano, fundada por Plínio Salgado. Mas isto não macula a ilibada reputação política e sacerdotal de Dom Hélder, afinal esta foi uma passagem rápida, e ao longo de sua vida sua “opção foi a preferencial pelos pobres”. Não sei se isto acrescenta alguma coisa nesta discussão, mas informo também que nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, foi Chefe de Gabinete do Ministro da Educação Gustavo Capanema no período mais ditatorial do governo Getúlio Vargas.

O que tinha de comum entre Dom Hélder e Dom Eugênio? A essência que eles professavam: a fé em Jesus Cristo e a defesa dos princípios da Igreja Católica. Um outro ponto em comum que consigo captar neste momento é que ambos eram anticomunistas. Lembrei-me de outro: eram quadros orgânicos, sabiam “fazer a hora”. Eles tinham certeza que os marxistas, teoricamente, tinham na Igreja Católica um de seus principais inimigos. Por que teriam obrigação de somar com esta facção que se tomassem o poder a igreja correria perigo? 

Dom Eugênio era um homem de igreja. Tinha fé, acreditava no que pregava (esta é uma grande virtude do ser humano). É verdade que era dogmático, muitos marxistas foram e hoje poucos são. Como consequência, estava fechado para certas reformas na igreja que comprometessem os princípios históricos do cristianismo. Creio, que o que diferenciava os religiosos “progressistas” dos “conservadores” era a tática, porque os objetivos finais eram os mesmos. Enquanto, os primeiros relativamente confrontavam o Estado militar, os segundos mantinham uma postura de aproximação formal direta, paralelo a uma postura crítica, embora discreta. Aliás, a diplomacia é própria da formação religiosa. Mas o que ressalto em Dom Eugênio foi toda uma vida dedicada ao outro, ao seu semelhante, o de um homem altruísta dedicado, que levou ao pé da letra o lema cristão: servir sem olhar a quem. Neste aspecto, sou sincero em afirmar, tenho uma admiração profunda pelos religiosos católicos, que dedicam todas as suas vidas para servir e ser solidários. Dom Eugênio “combateu o bom combate”: no plano das ideias combateu o marxismo, mas quando se tratou do ser humano, independentemente de ideologia, não hesitou em ajudar a quem necessitasse. Dom Eugênio gostava de citar no preâmbulo de vários de seus artigos que escrevia diariamente para jornais de todo país, o lema extraído da Carta de São Paulo aos Coríntios: De mui boa vontade darei o que é meu, e me darei a mim mesmo pelas vossas almas, ainda que, amando-vos mais, seja menos amado por vós”. Parece-me que este extrato é o que melhor resume a sua vida.

Finalizo lembrando-me de um fato emblemático. Quem me conhece sabe que sou filiado ao PCdoB. Entrei neste partido recrutado pelo meu saudoso camarada Glênio Sá – já faz um bom tempo. Pois bem, em algum dia de 1982, numa conversa informal com o camarada, indaguei a ele como ele tinha escapado da prisão. Ele me fez uma longa explanação, Glênio era muito detalhista e meticuloso, mas para efeito desta discussão vou resumir sua explicação: conforme Glênio, após ser preso no Araguaia, foi levado clandestinamente para o Pelotão de Investigações Criminais (PIC) no quartel do exército em Brasília. Lá ficou preso e foi torturado. Em seguida foi transferido para uma quartel do exército no Rio de Janeiro. Sua família no Rio Grande do Norte, especialmente seus pais em Caraúbas, não sabia de seu paradeiro. 

Foi então que o pai de Glênio teve a ideia de mobilizar Dom Eugênio para tentar localizá-lo em algum lugar. O cardeal empenhou-se e conseguiu localizar Glênio em um dos quartéis do exército no Rio de Janeiro, se não me engano foi no 1º Exército. A partir daí, providenciou-se advogado e ele foi solto, voltando para sua Caraúbas. 

Dentro do pouco tempo que disponibilizei para expor nossa opinião sobre o cardeal potiguar, não tenho a ilusão que fui um grande defensor de Dom Eugênio, penso que outras pessoas poderão fazer melhor do que eu, como também creio que ainda deverão surgir muitos textos críticos em relação ao cardeal. Esta contenda, pelo que estou sentindo, parece que só está começando. Espero que ocorra no campo das ideias e considerando o contexto histórico de suas ações, levando em conta também sua formação religiosa extremamente doutrinária, fundamentada na tradição católica.

 Forte abraço.


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