EM DEFESA DE DOM EUGÊNIO:
RESPONDENDO A UMA PROVOCAÇÃO
Meu dileto amigo Edmilson Lopes Júnior e demais colegas que me enviaram o
mesmo texto provocativo,
Fizeste-me uma provocação, no bom sentido da palavra, e não fiquei com
raiva, pois como sabes, adoro polemizar, afinal o legado que minha mãe deixou
não me deixa margem para o conformismo. Não consigo ficar encurralado sem
reagir, embora a potência dessa reação muitas vezes fique a quem da provocação.
Começo dizendo que esta discussão: Dom Eugênio: progressista ou
conservador? merece um debate aprofundado, todavia, infelizmente de minha
parte e da sua, não dispomos de tempo suficiente para este aprofundamento. De
forma que já começo justificando meu posicionamento simplista neste e-mail.
Contudo, as palavras-chave que aqui se encontram reflete a essência de meu
pensamento sobre esta contenda. Um segundo esclarecimento, é que quando
cognominei Dom Eugênio de “baluarte das causas humana”, não tinha como
referência a suposta ação dele em abrigar, conforme os noticiários, “mais de
cinco mil perseguidos pela ditadura”, mas me referenciava sobretudo nos seus
mais de 60 anos de atividade eclesiástica, desde a juventude quando ordenou-se
na pequenina Natal de 1943, aos 23 anos de idade, dedicando toda uma vida ao seu
semelhante sem pedir nada em troca.
Chamo a devida atenção para o contexto em que Dom Eugênio foi execrado e
radicalmente combatido pela esquerda brasileira, me parece que por todos os seus
matizes e variantes, que foi exatamente o período em que o país esteve sob a
hegemonia da ditadura militar (1964-1985). Neste interregno, ou se era contra ou
a favor do regime militar. No próprio campo da esquerda nós tivemos esta
rotulação. Lembras do PCB? Radicalmente combatido por ampla maioria da esquerda
brasileira, taxado de reformista porque se aliava ao MDB, enquanto os outros
partidos representavam os mais puros, os redentores da humanidade, o farol do
socialismo. Em alguns momentos o “partidão” foi acusado de traidor da classe
operária. O resultado dessa história é que após o fim do regime militar, boa
parte desses militantes que se diziam os arautos da revolução socialista, ou
desbundaram, ou foram cooptados pelo Estado burocrático e patrimonial burguês,
ou estão alienados, cuidando de suas vidas privadas. É certo que boa parcela
deles foi assassinada nos porões da ditadura. Esta polarização bastante
radicalizada, teve reflexo também no seio da igreja católica mundial, sobretudo
no Brasil. Tínhamos de um lado, os religiosos progressistas, ligados à Teologia
da Libertação, e por outro, os chamados conservadores, fiéis e alinhados às
orientações do Vaticano. Na primeira vertente, Dom Hélder Câmara era sua
expressão máxima, na segunda o próprio Dom Eugênio. Só para confundir ou
esclarecer, lembro que na sua juventude Dom Hélder foi “galinha verde”, para
quem não conhece o termo era o apelido dos partidários da Ação Integralista
Brasileira (AIB), versão brasileira do fascismo italiano, fundada por Plínio
Salgado. Mas isto não macula a ilibada reputação política e sacerdotal de Dom
Hélder, afinal esta foi uma passagem rápida, e ao longo de sua vida sua “opção
foi a preferencial pelos pobres”. Não sei se isto acrescenta alguma coisa nesta
discussão, mas informo também que nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade,
foi Chefe de Gabinete do Ministro da Educação Gustavo Capanema no período mais
ditatorial do governo Getúlio Vargas.
O que tinha de comum entre Dom Hélder e Dom Eugênio? A essência que eles
professavam: a fé em Jesus Cristo e a defesa dos
princípios da Igreja Católica. Um outro ponto em comum que consigo captar neste
momento é que ambos eram anticomunistas. Lembrei-me de outro: eram quadros
orgânicos, sabiam “fazer a hora”. Eles tinham certeza que os marxistas,
teoricamente, tinham na Igreja Católica um de seus principais inimigos. Por que
teriam obrigação de somar com esta facção que se tomassem o poder a igreja
correria perigo?
Dom Eugênio era um homem de igreja. Tinha fé, acreditava no que
pregava (esta é uma grande virtude do ser humano). É verdade que era dogmático,
muitos marxistas foram e hoje poucos são. Como consequência, estava fechado para
certas reformas na igreja que comprometessem os princípios históricos do
cristianismo. Creio, que o que diferenciava os religiosos “progressistas” dos
“conservadores” era a tática, porque os objetivos finais eram os mesmos.
Enquanto, os primeiros relativamente confrontavam o Estado militar, os segundos
mantinham uma postura de aproximação formal direta, paralelo a uma postura
crítica, embora discreta. Aliás, a diplomacia é própria da formação religiosa.
Mas o que ressalto em Dom Eugênio foi toda uma vida dedicada ao outro, ao seu
semelhante, o de um homem altruísta dedicado, que levou ao pé da letra o lema
cristão: servir sem olhar a quem. Neste aspecto, sou sincero em afirmar, tenho
uma admiração profunda pelos religiosos católicos, que dedicam todas as suas
vidas para servir e ser solidários. Dom Eugênio “combateu o bom combate”: no
plano das ideias combateu o marxismo, mas quando se tratou do ser humano,
independentemente de ideologia, não hesitou em ajudar a quem necessitasse. Dom
Eugênio gostava de citar no preâmbulo de vários de seus artigos que escrevia
diariamente para jornais de todo país, o lema extraído da Carta de São Paulo aos
Coríntios: “De mui boa
vontade darei o que é meu, e me darei a mim mesmo pelas vossas almas, ainda que,
amando-vos mais, seja menos amado por vós”. Parece-me que este extrato é o
que melhor resume a sua vida.
Finalizo lembrando-me de um fato emblemático. Quem me conhece sabe que
sou filiado ao PCdoB. Entrei neste partido recrutado pelo meu saudoso camarada
Glênio Sá – já faz um bom tempo. Pois bem, em algum dia de 1982, numa conversa
informal com o camarada, indaguei a ele como ele tinha escapado da prisão. Ele
me fez uma longa explanação, Glênio era muito detalhista e meticuloso, mas para
efeito desta discussão vou resumir sua explicação: conforme Glênio, após ser
preso no Araguaia, foi levado clandestinamente para o Pelotão de Investigações
Criminais (PIC) no quartel do exército em Brasília. Lá ficou preso e foi
torturado. Em seguida foi transferido para uma quartel do exército no Rio de
Janeiro. Sua família no Rio Grande do Norte, especialmente seus pais em
Caraúbas, não sabia de seu paradeiro.
Foi então que o pai de Glênio teve a ideia
de mobilizar Dom Eugênio para tentar localizá-lo em algum lugar. O cardeal
empenhou-se e conseguiu localizar Glênio em um dos quartéis do exército no Rio
de Janeiro, se não me engano foi no 1º Exército. A partir daí, providenciou-se
advogado e ele foi solto, voltando para sua Caraúbas.
Dentro do pouco tempo que disponibilizei para expor nossa opinião sobre o
cardeal potiguar, não tenho a ilusão que fui um grande defensor de Dom Eugênio,
penso que outras pessoas poderão fazer melhor do que eu, como também creio que
ainda deverão surgir muitos textos críticos em relação ao cardeal. Esta
contenda, pelo que estou sentindo, parece que só está começando. Espero que
ocorra no campo das ideias e considerando o contexto histórico de suas ações,
levando em conta também sua formação religiosa extremamente doutrinária,
fundamentada na tradição católica.
Forte abraço.
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