É PRECISO NIVELAR O CONSUMO
O grande objetivo do que chamamos sociedade civilizada é o de
proporcionar a todos os seus membros uma relativa “igualdade de
oportunidades”. Isso exige um Estado forte, constitucionalmente controlado,
que, além de garantir as liberdades individuais, seja capaz de cooptar o
setor privado para ajudá-lo a sustentar o maior nível de emprego
possível sem violar o equilíbrio interno, uma inflação baixa e pouco
volátil, e o equilíbrio externo, um déficit em conta corrente
sustentável.
Ele assegurará, também: 1. O direito de todo cidadão à saúde e à
educação, não gratuita como dizem seus detratores, mas para todos e paga
por todos através de mecanismos tributários gerais. Isso é essencial
para reduzir as diferenças do aparato de apreensão do mundo dos
indivíduos. 2. Que essa nivelação seja complementada pela mitigação das
transferências intergeracionais de patrimônio. Com isso se
homogeneizarão, relativamente, os atributos de todos os indivíduos no
início de suas vidas ativas na sociedade.3. Programas de inclusão dos menos favorecidos pela sorte. Devem
receber apoio para desenvolver proficiência funcional e encontrar
emprego remunerado que lhes permita, com seu próprio esforço, alcançar a
cidadania. 4. Àqueles que, no passado, não tiveram a oportunidade
porque não existiam mecanismos institucionais, ou não puderam poupar
para garantir um nível de vida digno na aposentadoria, receberão algum
apoio financiado por impostos gerais.
O sucesso de tal programa depende, por sua vez: 1. De um Estado
enxuto que dissipe na própria atividade a menor quantidade possível de
recursos, seja eficiente, transparente, capaz de regular e encarar
amigavelmente a atividade econômica privada e dar-lhe as garantias
contratuais inerentes ao Estado de Direito. É isso que estimulará o “espírito animal”
do empresário e o induzirá a investir.
2. Da compreensão de que, no
curto prazo, a redistribuição (o consumo) compete com o investimento, de
forma que há de haver uma parcimoniosa harmonização entre eles, para
que ambos sobrevivam no longo prazo.
3. Da introjeção do fato de que o desenvolvimento econômico
depende, basicamente: a) do aumento persistente do investimento líquido,
que aumenta o estoque de capital e amplia a oferta; b) da integração do
sistema produtivo nacional ao mercado mundial através das exportações.
4. Do nível da receita do governo, que é o resultado do PIB físico
multiplicado pela porcentagem que sobre ele incide a carga tributária
bruta. É preciso lembrar, sempre, que o que pode ser fisicamente
distribuído depende da parte do PIB físico que é apropriado pelo governo
como imposto retirado da atividade privada. Isso tem consequência sobre
o comportamento dos agentes na satisfação de suas necessidades
(consumo) e na sua disposição de investir para aumentar a capacidade
produtiva.
A sociedade que proporciona um aumento permanente da igualdade de
oportunidades exige, portanto, que o “excedente” de bens e serviços que é
capturado pelo Estado pelos mecanismos tributários seja redistribuído
através de programas bem focados que reduzam as diferenças entre os
níveis de consumo dos indivíduos e das famílias. Lembremos que o
objetivo da atividade econômica é a ampliação do consumo de cada um e de
todos, o que significa que na sociedade civilizada o que precisa ser
relativamente homogeneizado é o nível de consumo, o que recomenda uma
tributação progressiva sobre o consumo e a desoneração dos
investimentos, como sugeriram Stuart Mill, no século XIX, e Nicholas
Kaldor, no século XX.
É aqui que o círculo fecha. Para fazer crescer o “excedente” é
preciso que o investimento líquido cresça e aumente a capacidade
produtiva, ou seja, que cresça a oferta de bens e serviços pelo aumento
persistente da produtividade do trabalho. A “igualdade de
oportunidades”, redistribuição voluntariosa do que já foi produzido
através do aumento arbitrário do salário real e do crédito, só
sobreviverá se acompanhada de vigoroso e sustentável esforço de
investimento. Sem isso, a sociedade civilizada será uma ilusão. Uma
impossibilidade física...
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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