sábado, 19 de março de 2016

É PRECISO NIVELAR O CONSUMO
O grande objetivo do que chamamos sociedade civilizada é o de proporcionar a todos os seus membros uma relativa “igualdade de oportunidades”. Isso exige um Estado forte, constitucionalmente controlado, que, além de garantir as liberdades individuais, seja capaz de cooptar o setor privado para ajudá-lo a sustentar o maior nível de emprego possível sem violar o equilíbrio interno, uma inflação baixa e pouco volátil, e o equilíbrio externo, um déficit em conta corrente sustentável.

Ele assegurará, também: 1. O direito de todo cidadão à saúde e à educação, não gratuita como dizem seus detratores, mas para todos e paga por todos através de mecanismos tributários gerais. Isso é essencial para reduzir as diferenças do aparato de apreensão do mundo dos indivíduos. 2. Que essa nivelação seja complementada pela mitigação das transferências intergeracionais de patrimônio. Com isso se homogeneizarão, relativamente, os atributos de todos os indivíduos no início de suas vidas ativas na sociedade.3. Programas de inclusão dos menos favorecidos pela sorte. Devem receber apoio para desenvolver proficiência funcional e encontrar emprego remunerado que lhes permita, com seu próprio esforço, alcançar a cidadania. 4. Àqueles que, no passado, não tiveram a oportunidade porque não existiam mecanismos institucionais, ou não puderam poupar para garantir um nível de vida digno na aposentadoria, receberão algum apoio financiado por impostos gerais.

O sucesso de tal programa depende, por sua vez: 1. De um Estado enxuto que dissipe na própria atividade a menor quantidade possível de recursos, seja eficiente, transparente, capaz de regular e encarar amigavelmente a atividade econômica privada e dar-lhe as garantias contratuais inerentes ao Estado de Direito. É isso que estimulará o “espírito animal” do empresário e o induzirá a investir. 

2. Da compreensão de que, no curto prazo, a redistribuição (o consumo) compete com o investimento, de forma que há de haver uma parcimoniosa harmonização entre eles, para que ambos sobrevivam no longo prazo.

3. Da introjeção do fato de que o desenvolvimento econômico depende, basicamente: a) do aumento persistente do investimento líquido, que aumenta o estoque de capital e amplia a oferta; b) da integração do sistema produtivo nacional ao mercado mundial através das exportações. 4. Do nível da receita do governo, que é o resultado do PIB físico multiplicado pela porcentagem que sobre ele incide a carga tributária bruta. É preciso lembrar, sempre, que o que pode ser fisicamente distribuído depende da parte do PIB físico que é apropriado pelo governo como imposto retirado da atividade privada. Isso tem consequência sobre o comportamento dos agentes na satisfação de suas necessidades (consumo) e na sua disposição de investir para aumentar a capacidade produtiva.

A sociedade que proporciona um aumento permanente da igualdade de oportunidades exige, portanto, que o “excedente” de bens e serviços que é capturado pelo Estado pelos mecanismos tributários seja redistribuído através de programas bem focados que reduzam as diferenças entre os níveis de consumo dos indivíduos e das famílias. Lembremos que o objetivo da atividade econômica é a ampliação do consumo de cada um e de todos, o que significa que na sociedade civilizada o que precisa ser relativamente homogeneizado é o nível de consumo, o que recomenda uma tributação progressiva sobre o consumo e a desoneração dos investimentos, como sugeriram Stuart Mill, no século XIX, e Nicholas Kaldor, no século XX.

É aqui que o círculo fecha. Para fazer crescer o “excedente” é preciso que o investimento líquido cresça e aumente a capacidade produtiva, ou seja, que cresça a oferta de bens e serviços pelo aumento persistente da produtividade do trabalho. A “igualdade de oportunidades”, redistribuição voluntariosa do que já foi produzido através do aumento arbitrário do salário real e do crédito, só sobreviverá se acompanhada de vigoroso e sustentável esforço de investimento. Sem isso, a sociedade civilizada será uma ilusão. Uma impossibilidade física...

Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto 

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