quinta-feira, 10 de março de 2016

A LEI DE THOMAS
Os eventos que ocorrem no Brasil apenas confirmam a famosa Lei de Thomas, que controla o nosso comportamento. Temos tratado dela algumas vezes nesta coluna. O que diz a Lei de Thomas?

Apenas que, “se alguém define ou sente a sua situação como real, ela será real nas suas consequências”. Em outras palavras, reagimos ao que pensamos ou sentimos ser a realidade externa, não importa se ela é real ou imaginária.

A Lei de Thomas ajuda a entender os eventuais sucessos de narrativas convincentes de líderes que “vendem o lago azul” no futuro (a felicidade esteve no passado e voltará no futuro, mas nunca estará no presente) pela força ou, pacificamente, pela construção de um pensamento hegemônico majoritário que os leva ao poder. 

Quem não lembra da “abertura do novo tempo”, a eleição de François Mitterrand na França, em 1981, um presidente socialista, depois de 23 anos de domínio da “direita”? A vague rose elegeu também 50% da Assembleia Nacional.

Lionel Jospin afirmou, em outubro de 1981, no Congresso Socialista de Valence: “Estamos diante da missão gloriosa e ameaçadora de criar um precedente bem-sucedido de uma grande ‘première’: engajar, praticamente, um país industrialmente avançado e de tradição democrática no caminho do socialismo democrático”.

Começou com uma grande festa: Mitterrand aumentou em 10% o salário mínimo, ampliou a assistência social para famílias, criou o salário mínimo para a velhice, aumentou a bolsa-aluguel e o salário-desemprego, criou uma bolsa para os agricultores menos eficientes, diminuiu o tempo de trabalho para 39 horas semanais, nacionalizou o sistema bancário e cinco grandes grupos industriais e criou empregos públicos para combater o desemprego...

Como todo político (ignorou a Lei de Tancredo: a esperteza, quando é muita, costuma comer o dono), fez tudo aquilo contra a opinião de seus ministros, socialistas, mas economistas qualificados. O de Finanças, Jacques Delors, o aconselhava a ter “rigor na solidariedade e vigilância no crescimento”, e Michel Rocard, do Planejamento, insistia em “limitar a estatização das empresas a 51%”.

A resposta foi sua prepotência: “Por enquanto, eu faço a política. O rigor veremos mais tarde”. No final de seu primeiro ano de mandato, começou a colher frutos amargos: um crescimento medíocre, taxa de inflação de 13% e déficit externo.

Exatamente o que seus ministros tinham aprendido nos “reacionários” livros de macroeconomia! Em 1988, reeleito para um segundo mandato, nomeia Rocard, primeiro-ministro que reintroduz o “rigor na solidariedade”. Era tarde. O fim do governo foi lamentável e, logo depois, tudo foi reprivatizado.

Por que continuamos sensíveis ao autoengano das belas narrativas que sugerem o caminho fácil para a sociedade civilizada? Por que, diante das dezenas de malfadadas experiências cerebrinas enterradas no século XX, resistimos a aprender que a realidade acaba dominando as nossas crenças e esperanças? O pior é que a verdade, quando chega, é sempre tarde demais para evitar os danos colaterais! 

No Brasil de hoje há uma maioria significativa que “sente” que o Poder Executivo não sabe o que fazer e, se soubesse, não teria poder para fazê-lo, porque tem dentro de si uma contradição insanável, um corporativismo fantasiado de “esquerda” que apenas defende as vantagens que extraiu da maioria desapercebida.

Se o Poder Executivo não enfrentar e se livrar dessa oposição interna e reassumir o seu protagonismo, apresentando e trabalhando para aprovar no Congresso as reformas constitucionais e as medidas infraconstitucionais que assegurem, num horizonte razoável, que a estabilidade fiscal estará garantida, vamos continuar afundando, porque a Lei de Thomas recomenda uma atitude defensiva: sentar e esperar!

No caso de sucesso da ação do Executivo, o “sentimento” mudará rapidamente. Voltará a confiança e, com ela, o investimento e o crescimento, porque a Lei de Thomas recomendará uma atitude ofensiva: aproveitar as oportunidades oferecidas pelo crescimento possível e que, pela resposta de todos, se tornará real.

Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto 

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