RITUAIS ANTIQUADOS
Há
cerca de um ano esta coluna chamou a atenção para o anacronismo da
avaliação de desempenho, um dos rituais mais comuns e irritantes do
mundo corporativo. Ninguém mais parece levá-la a sério, mas a prática se
mantém nas empresas, ano após ano. Parece obra de forças ocultas ou
entidade secreta, à sombra do Olimpo corporativo.
Agora, surge luz no fim do túnel. Em coluna recentemente publicada no jornal inglês Financial Times,
Lucy Kellaway noticia com alegria que uma “explosão de bom senso”
livrou milhares de funcionários da avaliação anual de desempenho. Em
pauta, a decisão das gigantes de consultoria Accenture e Deloitte, de
eliminar a prática.
Essas empresas aparentemente
reconheceram o óbvio, o enorme tempo investido no processo não parece
trazer benefícios expressivos. É significativo serem empresas de
consultoria, conhecidas por viver da venda de boas e novas práticas de
gestão, algumas delas nem boas nem novas.
A esperança é a onda de contaminar outras organizações e
essas enviarem para o arquivo morto o notório e inócuo ritual. Na
realidade, muitas organizações já o fizeram, discretamente. Em outras,
permanece o faz de conta, não levado a sério por ninguém.
Se considerarmos, como sugere Kellaway, o custo de
mobilizar milhares de pessoas em grandes empresas para coordenar,
executar, compilar, analisar e tomar decisões, a aposentadoria gerará
uma economia considerável. Isso, sem contar o fim dos efeitos
colaterais: irritação, cinismo e sensação de injustiça.
Naturalmente, os consultores foram hábeis e evitaram dar
um tiro no próprio pé. Em lugar de desqualificar a prática em processo
de abandono, optaram por anunciar um passo à frente, a adoção de
sistemas “instantâneos” de avaliação, mais sintonizados com os novos
tempos.
Kellaway dá uma sugestão mais simples, de parar
definitivamente com as avaliações de desempenho. “Contrate apenas
gerentes bons em dizer às pessoas como elas estão se saindo, não uma vez
por semana, mas o tempo todo. Se eles não conseguirem fazer isso, então
não deveriam ser gerentes. Se conseguem, não precisam de um sistema de
avaliação como muleta.”
A avaliação de desempenho é uma de várias
práticas corporativas de contribuição duvidosa que as empresas
implantam e mantêm sem nunca aferir se de fato ajudam ou atrapalham. Em
muitas grandes organizações, a média gerência parece substituir o
trabalho real por uma maratona de reuniões de planejamento, comitês de
avaliação e preenchimento de relatórios com existência difícil de
justificar.
O
ciclo é conhecido. A empresa cresce, precisa se estruturar e melhorar o
nível de controle. O caos é uma ameaça constante. Surge um burocrata
bem-intencionado, uma consultoria voluntariosa e um diretor ávido por
patrocinar um projeto de grande efeito. Adota-se a prática, treinam-se
os algozes e as vítimas, e a coisa é lançada com pompa e circunstância.
Nos primeiros anos, um rolo compressor constrange corações e mentes à
adoção. Resistir não é uma opção. Com o passar do tempo, no entanto, a
disciplina é relaxada, a prática se esvazia e é substituída pelo faz de
conta. Sem ter quem a derrube, mantém-se por inércia e rouba tempo e
energia.
O grande problema ocorre quando a
empresa acumula práticas sobre práticas. O efeito é a ocupação crescente
do tempo de trabalho com atividades que agregam pouco valor. O
resultado é estresse, frustração e baixa eficiência. Os indivíduos
acostumam-se com o estado das coisas, moldam suas atitudes e
comportamentos ao status quo e tornam-se engrenagens da máquina que parece existir apenas para preencher o tempo livre com atividades inócuas.
Toda empresa precisa de boas práticas gerenciais e
rituais. Eles conferem ordem e significado ao trabalho e devem ajudar na
difícil tarefa de domar o caos do ambiente e das mudanças. No entanto, é
preciso escolher com parcimônia o que adotar e saber descartar.
Momentos de recessão e crise são especialmente oportunos para “limpar a
casa”. Em lugar de cortar funcionários, os executivos poderiam “demitir”
algumas práticas e rituais. Talvez fiquem alegremente surpresos com os
resultados.
Fonte: CartaCapital
Por Thomaz Wood Jr.
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