CADÊ A ESQUERDA?
Meus inquietos botões permitem-se a dúvida: não teriam mentido inúmeros nativos que se apresentavam como esquerdistas convictos?
Responde, indiretamente, a peremptória afirmação de quem entende
superada a questão e obsoleta a indagação dos botões, ambas a cheirar a
bolor, como a exalar de um velho baú abandonado no sótão. Batem na mesma
tecla desde a queda do Muro de Berlim.
De
minha parte, fico com a lição do Norberto Bobbio, e ouso a constatação
de que coincide (estranhamento? Surpreendentemente?) com a palavra de
papa Francisco: intransponível a dicotomia entre luz e treva, bem e mal,
Deus e Diabo, se quiserem, ser de esquerda significa defender a
igualdade, pois a liberdade por si só acaba por valer somente para
poucos. Tanto mais no Brasil da casa-grande e da senzala, ainda de pé,
implacáveis.
Penso em José Dirceu e
em tantos outros, que ganharam fama de guerrilheiros da igualdade ao
sabor de ideologias mais ou menos contingentes. Penso nos rebeldes que
hoje pretendem voar com as asas inúteis do tucano, ou na patética
turmeta da chamada Libelu, mais fanáticos do que o fanatismo no seu
empenho medieval. Entre estes milita certo Antonio Palocci, ainda dará o
que falar além do que já se falou. Grande Operador, como P. C. Farias,
mas este, ao menos, nunca se disse de esquerda.
Quando, do alto da boleia de um caminhão,
José Dirceu exibia às calçadas a camisa ensanguentada do estudante
assassinado pela ditadura, cerca de 50 anos atrás, acreditava na fé que
aparentemente o movia? Não me atiro a negar. Nego, porém, qualquer
semelhança entre aquele e o atual, lobista do banqueiro Daniel Dantas e
outros graúdos. O mesmo Dantas que já ofereceu apoio ao jornalista
(jornalista?) criador do site 247, o preferido do PT, embora ele tenha
passado boa parte da vida a agredir o próprio partido e seus governos,
sem hesitar em mentir, omitir e inventar. E ainda lhe pagam os serviços.
Figura central, e sempre protegida
neste enredo trágico, o fantasmagórico DD, inatingível, cabe suspeitar,
porque dono dos segredos da República. Houve, em tempos tucanos, quem
pretendesse torná-lo ministro, declinada a oferta com a seguinte
observação: “Serei mais útil no bastidor”. Márcio Thomas Bastos,
apressadamente santificado, sabia disso tudo, bem como José Dirceu, que
pressionou para que o disco rígido do Opportunity capturado pela
Operação Chacal fosse jogado ao lixo. Foi atendido.
Se me dissessem, faz 35 anos, que o PT no poder se portaria como todos os demais partidos
(partidos?) brasileiros, excluiria a possibilidade. Não havia, então,
qualquer dúvida de que o partido nascia à esquerda, e valia confiar em
quem o fundava. Que sobrou daquela plataforma ideológica, daquele
programa, corajoso e justo? A imagem de uma agremiação à deriva,
esmagada por seus erros e pelo vácuo de quadros, incapaz de definir uma
linha diferente, oposta mesmo, àquela dos clubes recreativos dos donos
do poder.
Neste momento, não
como petista que nunca fui, como cidadão simplesmente envolvido nos
destinos do País e como jornalista honesto, declaro espanto e desalento,
diante de um espetáculo em que se mesclam incompetência e cobiça.
Elementar, chã, primitiva, a cobiça dos falsos líderes. Sejamos claros,
contudo: a traição do PT a si mesmo estava desenhada desde o primeiro
mandato de Lula e CartaCapital não deixou de registrá-la.
Quanto ao tucanato, Fernando Henrique
à testa, nunca me enganou. Neste exato instante, o ex-presidente
social-democrata (social-democrata?) pede que o PT pecador faça ato de
contrição, aquele que lhe caberia em dobro: durante seu governo FHC
quebrou o País três vezes, aumentou a dívida e esvaziou suas burras,
comprou votos parlamentares para se reeleger e comandou a maior
bandalheira-roubalheira da história. Agora não hesita em desenrolar sua
versão a respeito do encontro que não houve com Lula. Mais uma aula de
hipocrisia e desfaçatez.
Fonte: CartaCapital
Por Mino Carta
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