O AJUSTE NÃO É UM FIM
Alexis de Tocqueville, cuja argúcia nunca foi
superada, ensinou que os líderes (particularmente nas democracias)
sempre descobrem post factum uma explicação
determinística para o que aconteceu. “Constroem longos raciocínios,
disse ele, que constrangem e comprometem os homens. Para eles, não é
suficiente tentar convencê-los de como os fatos aconteceram. Mais
importante é fazê-los crer que eles não poderiam ter ocorrido de outra
forma.” Esse escapismo determinístico exime-os de suas escolhas e, o que
é melhor, de toda a responsabilidade moral sobre o acontecido.
Diante da evidente deterioração do equilíbrio interno e
das incertezas da situação externa, a presidenta Dilma tomou uma medida
sensata: alterou o curso da política econômica em 180 graus, sem impor
mudança significativa no avanço da igualdade de oportunidades dos
últimos 12 anos, que só foi possível, aliás, graças à cavalar ajuda
externa que recebemos e que terminou. Qualquer pessoa de bom senso – e
agora o próprio governo – reconhece que houve “exageros anticíclicos que
precisam ser corrigidos” para que o País recupere a energia necessária
para o crescimento econômico com avanço da inclusão social. Até os
piromaníacos disfarçados de bombeiros sabem que a nova orientação do
governo objetiva o crescimento inclusivo de longo prazo e que é puro
oportunismo afirmar que o “ajuste fiscal é contra o emprego do
trabalhador” ou que “é a causa da estagnação da economia nacional”.
Obviamente, a crise não foi construída
pelas novas políticas social e econômica, pois elas ainda não chegaram a
ser postas em prática. Pelo contrário, a sua execução promete ser
cuidadosa e bem calibrada para distribuir com equanimidade os seus
inevitáveis custos. O “ajuste” fiscal é uma necessidade, mas não é um
objetivo em si mesmo. É apenas uma ponte que, bem construída e sólida,
nos levará ao outro lado do rio, onde recuperaremos a nossa capacidade
de crescimento com a expansão dos investimentos, do consumo, das
exportações e a continuidade da inclusão social. É esta que dá relativa
moralidade à eficiência dos mercados quando civilizados pelo sufrágio
universal.
O importante protagonismo do
ministro Joaquim Levy e o seu sucesso é condição necessária, mas não
suficiente, para a volta ao crescimento. Quanto mais cuidadoso e mais
rápido ele for, maior a probabilidade de que possa ser acompanhado: 1.
Pela expansão dos investimentos com bons projetos executivos, leilões
benfeitos que garantam a modicidade tarifária e encontrem financiamento,
que é a missão do ministro Nelson Barbosa. 2. Pelo ministro Armando
Monteiro no esforço para mobilizar rapidamente a nossa indústria com
evidente capacidade ociosa (mesmo com as dificuldades na oferta de água e
energia), e devolver-lhe a demanda interna que lhe foi roubada pela
desastrosa política de valorização cambial usada para combater a
inflação. Num prazo mais longo, temos de recuperar a nossa posição nas
exportações mundiais de manufaturados, com uma política industrial que
aumente a nossa produtividade. 3. Pelo trabalho da ministra Kátia Abreu,
para continuar a estimular os setores agrícola, pecuário e florestal,
que são as joias da economia brasileira e que têm sido a “salvação da
lavoura”, com o apoio tecnológico, o crédito adequado e a expansão do
seguro-safra. Estes são os fatores do crescimento real que não poderão
operar sem o preliminar “ajuste fiscal”, mas que, se não forem acionados
simultaneamente com ele, reduzirão a sua probabilidade de êxito.
Hoje sabemos que o sistema econômico é
muito complexo (gerado pela interação de agentes independentes que
produzem uma certa auto-organização), mas sujeito a emergências
insuspeitadas, imprevisíveis e destrutivas, que podem levá-lo ao
colapso. Quando o ministro da “propaganda” admite, em documento
reservado, que “estamos no caos”, é bom que o governo e o setor privado
introjetem a ideia de que ele nos espreita. É preciso apoiar a
celeridade do “ajuste” para não termos de inventar no futuro a narrativa
de que a tragédia era “inevitável”...
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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