terça-feira, 7 de abril de 2015

O AJUSTE NÃO É UM FIM
Alexis de Tocqueville, cuja argúcia nunca foi superada, ensinou que os líderes (particularmente nas democracias) sempre descobrem post factum uma explicação determinística para o que aconteceu. “Constroem longos raciocínios, disse ele, que constrangem e comprometem os homens. Para eles, não é suficiente tentar convencê-los de como os fatos aconteceram. Mais importante é fazê-los crer que eles não poderiam ter ocorrido de outra forma.” Esse escapismo determinístico exime-os de suas escolhas e, o que é melhor, de toda a responsabilidade moral sobre o acontecido.

Diante da evidente deterioração do equilíbrio interno e das incertezas da situação externa, a presidenta Dilma tomou uma medida sensata: alterou o curso da política econômica em 180 graus, sem impor mudança significativa no avanço da igualdade de oportunidades dos últimos 12 anos, que só foi possível, aliás, graças à cavalar ajuda externa que recebemos e que terminou. Qualquer pessoa de bom senso – e agora o próprio governo – reconhece que houve “exageros anticíclicos que precisam ser corrigidos” para que o País recupere a energia necessária para o crescimento econômico com avanço da inclusão social. Até os piromaníacos disfarçados de bombeiros sabem que a nova orientação do governo objetiva o crescimento inclusivo de longo prazo e que é puro oportunismo afirmar que o “ajuste fiscal é contra o emprego do trabalhador” ou que “é a causa da estagnação da economia nacional”.

Obviamente, a crise não foi construída pelas novas políticas social e econômica, pois elas ainda não chegaram a ser postas em prática. Pelo contrário, a sua execução promete ser cuidadosa e bem calibrada para distribuir com equanimidade os seus inevitáveis custos. O “ajuste” fiscal é uma necessidade, mas não é um objetivo em si mesmo. É apenas uma ponte que, bem construída e sólida, nos levará ao outro lado do rio, onde recuperaremos a nossa capacidade de crescimento com a expansão dos investimentos, do consumo, das exportações e a continuidade da inclusão social. É esta que dá relativa moralidade à eficiência dos mercados quando civilizados pelo sufrágio universal.

O importante protagonismo do ministro Joaquim Levy e o seu sucesso é condição necessária, mas não suficiente, para a volta ao crescimento. Quanto mais cuidadoso e mais rápido ele for, maior a probabilidade de que possa ser acompanhado: 1. Pela expansão dos investimentos com bons projetos executivos, leilões benfeitos que garantam a modicidade tarifária e encontrem financiamento, que é a missão do ministro Nelson Barbosa. 2. Pelo ministro Armando Monteiro no esforço para mobilizar rapidamente a nossa indústria com evidente capacidade ociosa (mesmo com as dificuldades na oferta de água e energia), e devolver-lhe a demanda interna que lhe foi roubada pela desastrosa política de valorização cambial usada para combater a inflação. Num prazo mais longo, temos de recuperar a nossa posição nas exportações mundiais de manufaturados, com uma política industrial que aumente a nossa produtividade. 3. Pelo trabalho da ministra Kátia Abreu, para continuar a estimular os setores agrícola, pecuário e florestal, que são as joias da economia brasileira e que têm sido a “salvação da lavoura”, com o apoio tecnológico, o crédito adequado e a expansão do seguro-safra. Estes são os fatores do crescimento real que não poderão operar sem o preliminar “ajuste fiscal”, mas que, se não forem acionados simultaneamente com ele, reduzirão a sua probabilidade de êxito.

Hoje sabemos que o sistema econômico é muito complexo (gerado pela interação de agentes independentes que produzem uma certa auto-organização), mas sujeito a emergências insuspeitadas, imprevisíveis e destrutivas, que podem levá-lo ao colapso. Quando o ministro da “propaganda” admite, em documento reservado, que “estamos no caos”, é bom que o governo e o setor privado introjetem a ideia de que ele nos espreita. É preciso apoiar a celeridade do “ajuste” para não termos de inventar no futuro a narrativa de que a tragédia era “inevitável”...

 Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto

 

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