ROGÉRIO DIAS
Transcrevo na íntegra do centenário "O Mossoroense", a entrevista concedida pelo dileto amigo e multefacetado artista Rogério Dias.
Vale a pena conhecer um pouco mais da vida e do que pensa Rogério Dias
Vamos à entrevista:
"Artista" é uma palavra de muitas atribuições. Pode ser pintor, escritor, poeta. É por isso que vem bem a calhar quando se pensa na figura de Rogério Dias. O artista plástico, poeta, escritor é uma personagem certa quando se quer falar sobre a história recente de Mossoró. Foi o fundador de dois prédios lendários da cidade: o bar "Chap Chap", que fechou em 2004 por falta de recursos financeiros, e a "Dat Rápida", famosa escola local de datilografia. Passou pelo Banco Mossoró, foi candidato a vice-prefeito, exerceu a vice-presidência municipal do PT. Hoje, trabalha na Fundação José Augusto.
Apesar de todas as atribuições práticas, nunca deixou de fazer o que gosta: arte. Aliás, tentou deixar. Por dez anos, não trabalhou como artista - estava muito decepcionado com o apoio que se dava à atividade na cidade e no país. Um tempo longo, que transformou a arte de Rogério - hoje os traços são mais definidos, mais coloridos, abstratos, diferentes das obras densas e escuras dos anos 70.
É sempre solicitado para participar de eventos culturais no Estado, seja sendo o foco, seja auxiliando, orientando. Foi o responsável pela seleção dos textos e poemas da exposição "Eternos Poetas", que vai ocorrer na dia 23 de setembro, às 17h, na Cafeteria Mossoró (rua Francisco Isódio, 41, Centro (próximo ao Barbosinha).
Nesta conversa, ele fala um pouco sobre o evento, mas também sobre a história cultural do município, seus altos e baixos, além de uma análise do título "cidade da cultura" para Mossoró, que, na opinião dele, muito tem de equivocado. Enfim, é a visão de quem sabe dos fatos porque os testemunhou, não apenas por ouvi-los contar.
Por Nathan Figueiredo
O MOSSOROENSE - Como vai ser o evento?
ROGÉRIO DIAS - "Eternos Poetas" é um projeto que eu tenho com a Fundação José Augusto. São trechos, frases, poemas que emoldurei para expor no Café Mossoró. Haverá uma abertura e a gente vai deixar lá por um mês. Trata-se de poetas do Rio Grande do Norte que marcaram, mas que já passaram para o outro plano.
O MOSSOROENSE - De onde surgiu a ideia?
RD - Essa ideia, na verdade, não foi minha. Partiu do pessoal da Fundação José Augusto. Foram eles que, ano passado, me pediram para fazer uma pesquisa com os maiores nomes da poesia local. Eu selecionei cinquenta nomes, dos quais eles escolheram, se não me falha a memória, vinte ou vinte e cinco.
O MOSSOROENSE - O que o trabalho tem de diferente?
RD - É um trabalho de suma importância. Um trabalho desses deveria ser feito nas escolas. A partir da criança, dando conhecimento a eles, mostrando a poesia, é que se ensina as coisas de fundamento da vida. Você ensina Matemática, História, Inglês, blá-blá-blá e acabou-se. Então, você tem que colocar essas crianças a par das pessoas que pintam, que escrevem, enfim, de gente que se dedicou à formação da cultura. Elas vão crescer e vão passar isso para os filhos. É assim que vai. Só que educação, principalmente pública, é muito fraca. Não existe interesse nesse tipo de coisa.
O MOSSOROENSE -Fora a educação, o que você acha dos nossos famosos eventos culturais daqui? Mossoró é uma cidade que promove realmente bons eventos culturais?
RD - Os movimentos culturais que existem aqui, eu acho muito poucos. Digo "culturais" na essência da palavra. Eu destaco, com mais ênfase, movimentos antigos, principalmente os da década de 1960. A Escola de Amadores, criada por Lauro Monte, Nestor Saboya, Maria José Lima, toda essa gente. Era uma coisa muito boa. Os atores foram, inclusive, premiados no Festival de Gramado, no Rio Grande do Sul. Ganharam o primeiro lugar representando a peça teatral "Eles não usam Black-tie" de Gianfrancesco Guarnieri, disputando com grupos de todo o Brasil.
O MOSSOROENSE -Nenhum desses tantos grupos de hoje se assemelha a esse?
RD - Hoje, o grupo que talvez se assemelhe a isso seja o Tarará. São pessoas teimosas, ousadas, pessoas que amam o teatro. Dionízio (do Apodi, diretor do grupo) juntou aquele pessoal só para trabalhar com arte. Ele trabalhava na Rádio Rural, e saiu para se dedicar única e exclusivamente ao teatro. E está aí, o grupo está crescendo, saindo de Mossoró para o Brasil. Isso é que é uma coisa séria, uma coisa importante para a cultura. Não essa cultura que vem de cima para baixo, imposta por meio do dinheiro, como o Auto da Liberdade, que seria um espetáculo belíssimo, se não tivesse deixado de ser realizado ao ar livre. Este ano, será um espetáculo que se realiza dentro de um teatro com distribuição de convites - ou seja, só assistem aquelas "cartas marcadas". E ainda, com o convite, é preciso trocar na portaria por um ingresso. Que história é essa? É assim que está. Quase não fizeram o "Chuva de Bala" também.
O MOSSOROENSE -Então, o que justificaria o rótulo "cidade da cultura" para Mossoró?
RD - Eu acho que há uma grande farsa. Mossoró não é uma cidade cultural. Deveria ser. Há história, tem conteúdo para isso. Mas, é como eu digo, os espetáculos vêm de cima para baixo. Apesar de João Marcelino ser muito competente na direção do "Chuva...", não dão a ele condições plenas de realização. Insisto de novo no Auto da Liberdade, que, apesar de tudo, tinha duas mil pessoas em cena. Este ano, serão 48 pessoas. Quer dizer, uma diferença razoável...
O MOSSOROENSE -Nessa área de cultura, a época em que Mossoró teve melhor foi a década de 1960 mesmo ou teve outra?
RD - Eu acho que, nessa área de cultura, a melhor época foi essa mesmo de 1960.
O MOSSOROENSE -Além das condições históricas óbvias da época, o senhor acha que pode ter havido algum outro estímulo para que a cultura pudesse se desenvolver com mais abrangência?
RD - Olha, o que eu sei é que o pessoal na época era muito aguerrido, destemido, ousado. Tanto que houve quem recebesse bolsas de estudo para se formar em teatro na França, como Francisco das Chagas Gurgel e Maria José Mendes.
O MOSSOROENSE -Há alguma diferença deles para o Tarará? Pelas condições históricas, quem o senhor acha que foi mais favorecido, o grupo de 60/70, com os movimentos sociais da época, ou os de hoje, com a ampliação dos meios de comunicação?
RD - Olhe, Tarará é mais ou menos o retrato da Escola de Amadores, entende? E acho que hoje ele tem condições de ir além. A tecnologia não deixa de facilitar. A troca de informações é mais eficiente, tem o seu valor. Mas, acho que, antes, foi muito mais porque Lauro Monte morreu, depois Nestor Saboya. O Escola de Amadores foi se acabando. Ficaram pessoas que não tinham aquela mesma garra para lutar como eles. Então, quanto ao Tarará, acredito que, enquanto Dionízio estiver vivo, ele vai levar esse grupo muito mais adiante.
O MOSSOROENSE - E o "Chap Chap"?
RD - Até 1984, nos ambientes de Mossoró, nos bares e restaurantes, nenhuma mulher era atendida se ela chegasse na mesa só ou acompanhada de outra mulher. Isso era uma coisa muito taxativa. Chegou só? É rapariga, não presta, é prostituta. Podia ser a rainha Elizabeth II, sentada ali. Se estivesse só, era prostituta. Então, eu construí uma pequena área coberta, nesse ano que mencionei, pensando de maneira mais democrática. Uma coisa que fosse aberta a todo tipo de gente. Era o "Chap Chap". Foi construído com um só objetivo: cultura. Seja lá o que ela fosse. A gente realiza exposições de artes plásticas, lançamentos de livros, palestras sobre poesia, festival de viola. Até 2004, a gente conseguiu manter. Mesmo que eu não ficasse diretamente, havia quem me representasse. E lá ocorreu muita coisa importante.
O MOSSOROENSE -Por exemplo?
RD - Um dia, chegou Kydelmir Dantas, e disse: "Rogério, eu quero te apresentar um amigo aqui". Era Jessier Quirino. Ele ficou lá, vendo a apresentação de uma moça, que cantava. Passado um tempo, chegou para mim e perguntou se podia fazer "alguma coisa no palco". Permiti, claro. Ele passou uma hora e meia contando aqueles "causos" dele, todo mundo ficou encantado. Joanna, Jairzinho, Abujamra - tenho fotografias provando isso -, todos foram ao "Chap Chap". Ao Abujamra, eu dei uma réplica de um punhal de Lampião. A única casa em que ele entrou em Mossoró foi a minha.
O MOSSOROENSE -Então, por que fechou?
RD - Financeiramente, o que era o "Chap Chap"? Era uma coisa que só dava prejuízo. Durante dez anos, eu só tinha prejuízo. Todo final de semana era um bolo de conta para pagar. Acabamos fechando.
O MOSSOROENSE - O senhor é de onde na verdade? Martins mesmo?
RD - Eu nasci na beira do açude da Lucrécia. Na época em que nasci, era distrito de Lucrécia, que pertencia ao município de Martins. Meu registro está escrito Martins como local de nascimento. Só que aí esse local onde eu nasci passou a ser Lucrécia. Eu passei a ser lucreciano. E agora, esse mesmo local pertence a Frutuoso Gomes. Quer dizer, eu sou de três cidades. Aliás, quatro. Porque tenho Mossoró também, por adoção.
O MOSSOROENSE -Na sua família, só você é artista?
RD - Não, não. Dos meus catorze irmãos, há alguns artistas - melhores do que eu até. Há dois - Zé Maria e Socorro - que pintam. Um chamado Nélio, que é arquiteto, engenheiro agrônomo e civil, e é um dos que pintam melhor do que eu. Um mais velho, chamado Arimateia - hoje está doente, tem esquizofrenia -, mas também melhor do que eu. Minha mãe era artista também.
O MOSSOROENSE -Chegaram em Mossoró quando?
RD - Em 1954, eu tinha doze anos de idade. Viemos porque meu pai queria que nós estudássemos, tivéssemos algum futuro.
O MOSSOROENSE -Nessa época você já pintava. Mas, profissionalmente, quando começou?
RD - Eu nunca fui profissional. Artista é quem vive da arte, eu não vivo da arte. Eu pinto, mas dou as telas, escrevo e dou os livros também. É assim. Fazer arte por aqui é como gritar no deserto.
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