JUROS COMPOSTOS
Ninguém
com módico bom senso pode ignorar que a imensa insensatez, política e
econômica, que se autoestimulou e empurrou a sociedade para a angústia
em que hoje vive, teve a sua origem no ativismo voluntarista de 2012 e
agravou-se depois do processo eleitoral de 2014. Adaptando o velho
Bismarck, todos sabem que nunca se mente tanto como antes de uma
eleição, durante uma guerra e depois de uma pescaria... Mas, na campanha
de 2014, Dilma exagerou.
Decidiu “fazer o diabo”, com preocupante desprezo pela verdade.
Mercadejou programas oportunísticos, mirabolantes e insustentáveis.
Insistiu numa crítica desleal e feroz ao programa econômico do seu
adversário. Isso teria sido um pecado venial se, vencedora, não se visse
obrigada a reconhecer a realidade que escondera e a executar o programa
do vencido! Mais grave, ela o fez sem um pedido formal de desculpas.
Não se dignou sequer a dar uma satisfação àqueles a quem enganara e a
tinham honrado com seus votos, o que foi seu pecado capital. Venceu sem
grandeza e viu dissipar-se no ar toda a credibilidade que precisaria
para administrar o País.
Em seguida, com seu protagonismo fortemente abalado, meteu-se numa desastrada intervenção na disputa da presidência da Câmara.
Perdeu feio! Completou-se, assim, o ciclo de absoluta disfuncionalidade
que deveria ter sido um entendimento “independente e harmônico” entre o
Executivo e o Legislativo. Aos trancos e barrancos, com ineficientes
mecanismos de judicialização da política e alguma politização da
Justiça, imobilizou-se a economia brasileira, que sofreu em 2015 uma queda espetacular de 4,8% do PIB per capita e deixou 10 milhões de desempregados!
Diante das filas de
funcionários públicos da ativa e aposentados com salários atrasados, o
que não se via há meio século, não é mais possível negar que o nível de
desintegração fiscal da União, dos estados e dos municípios, com algumas
exceções, atingiu outra vez o paroxismo. A saudável expansão creditícia
iniciada em 2003, que facilitou a bancarização dos brasileiros,
estimulou o consumo e aumentou a coesão social, deveria ter financiado
também o investimento público, o que não aconteceu. Graças à ilusão
criada pelo aprendizado do laxismo fiscal que a “contabilidade criativa”
da União lhes ensinou, financiaram à socapa apenas um aumento
fantástico das despesas de custeio.
O mais cruel símbolo desse processo
irresponsável é que até os ovos ainda não postos, que seriam os
royalties do pré-sal, foram magicamente transformados em omeletes numa
alegre “farra fiscal” que violentou, dia após dia, a Lei de
Responsabilidade Fiscal, contra a qual, aliás, o PT lutou bravamente sem
outro argumento a não ser a necessidade de ser “contra”! A leniência
com os gastos de custeio e a miopia curto-prazista está no DNA do
populismo desinformado e oportunista. Assistimos ao seu fim melancólico
agora que a recessão catastrófica que ele produziu se abate sobre a
sociedade brasileira esvaziada de esperança.
É preciso lembrar que, há menos de 20
anos, o governo federal, por meio de contratos de financiamento com
condicionalidades, assumiu a dívida de estados e municípios para
salvá-los da falência produzida pela má administração de suas finanças.
Depois de 2003, foram tais as facilidades creditícias e tão frouxos os
controles das condicionalidades que eles retornaram ao abuso das
despesas de custeio. Tentam, agora, judicializar o velho contrato,
apesar de terem recebido uma proposta de renovação razoável do ministro
Nelson Barbosa, da Fazenda, com novas e indispensáveis
condicionalidades. Como de costume, o PT as recusou...
Levaram-se ao Supremo Tribunal Federal,
o último “garante de nossas liberdades”, dúvidas sobre o princípio dos
juros compostos (que não são juros sobre juros!), instituição implícita
no Código de Hamurabi, escrito na Suméria há pelo menos 3,7 mil
anos! É difícil encontrar prova mais concreta da incapacidade da União
do que esse recurso. Quando até regras milenares da matemática
financeira têm de ser submetidas ao STF, é evidente que a possibilidade
de governança do Poder Executivo se esgotou.
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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