terça-feira, 3 de maio de 2016

 JUROS COMPOSTOS
Ninguém com módico bom senso pode ignorar que a imensa insensatez, política e econômica, que se autoestimulou e empurrou a sociedade para a angústia em que hoje vive, teve a sua origem no ativismo voluntarista de 2012 e agravou-se depois do processo eleitoral de 2014. Adaptando o velho Bismarck, todos sabem que nunca se mente tanto como antes de uma eleição, durante uma guerra e depois de uma pescaria... Mas, na campanha de 2014, Dilma exagerou. Decidiu “fazer o diabo”, com preocupante desprezo pela verdade. Mercadejou programas oportunísticos, mirabolantes e insustentáveis. Insistiu numa crítica desleal e feroz ao programa econômico do seu adversário. Isso teria sido um pecado venial se, vencedora, não se visse obrigada a reconhecer a realidade que escondera e a executar o programa do vencido! Mais grave, ela o fez sem um pedido formal de desculpas. Não se dignou sequer a dar uma satisfação àqueles a quem enganara e a tinham honrado com seus votos, o que foi seu pecado capital. Venceu sem grandeza e viu dissipar-se no ar toda a credibilidade que precisaria para administrar o País.

Em seguida, com seu protagonismo fortemente abalado, meteu-se numa desastrada intervenção na disputa da presidência da Câmara. Perdeu feio! Completou-se, assim, o ciclo de absoluta disfuncionalidade que deveria ter sido um entendimento “independente e harmônico” entre o Executivo e o Legislativo. Aos trancos e barrancos, com ineficientes mecanismos de judicialização da política e alguma politização da Justiça, imobilizou-se a economia brasileira, que sofreu em 2015 uma queda espetacular de 4,8% do PIB per capita e deixou 10 milhões de desempregados!

Diante das filas de funcionários públicos da ativa e aposentados com salários atrasados, o que não se via há meio século, não é mais possível negar que o nível de desintegração fiscal da União, dos estados e dos municípios, com algumas exceções, atingiu outra vez o paroxismo. A saudável expansão creditícia iniciada em 2003, que facilitou a bancarização dos brasileiros, estimulou o consumo e aumentou a coesão social, deveria ter financiado também o investimento público, o que não aconteceu. Graças à ilusão criada pelo aprendizado do laxismo fiscal que a “contabilidade criativa” da União lhes ensinou, financiaram à socapa apenas um aumento fantástico das despesas de custeio. 

O mais cruel símbolo desse processo irresponsável é que até os ovos ainda não postos, que seriam os royalties do pré-sal, foram magicamente transformados em omeletes numa alegre “farra fiscal” que violentou, dia após dia, a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra a qual, aliás, o PT lutou bravamente sem outro argumento a não ser a necessidade de ser “contra”! A leniência com os gastos de custeio e a miopia curto-prazista está no DNA do populismo desinformado e oportunista. Assistimos ao seu fim melancólico agora que a recessão catastrófica que ele produziu se abate sobre a sociedade brasileira esvaziada de esperança.

É preciso lembrar que, há menos de 20 anos, o governo federal, por meio de contratos de financiamento com condicionalidades, assumiu a dívida de estados e municípios para salvá-los da falência produzida pela má administração de suas finanças. Depois de 2003, foram tais as facilidades creditícias e tão frouxos os controles das condicionalidades que eles retornaram ao abuso das despesas de custeio. Tentam, agora, judicializar o velho contrato, apesar de terem recebido uma proposta de renovação razoável do ministro Nelson Barbosa, da Fazenda, com novas e indispensáveis condicionalidades. Como de costume, o PT as recusou...

Levaram-se ao Supremo Tribunal Federal, o último “garante de nossas liberdades”, dúvidas sobre o princípio dos juros compostos (que não são juros sobre juros!), instituição implícita no Código de Hamurabi, escrito na Suméria há pelo menos 3,7 mil anos! É difícil encontrar prova mais concreta da incapacidade da União do que esse recurso. Quando até regras milenares da matemática financeira têm de ser submetidas ao STF, é evidente que a possibilidade de governança do Poder Executivo se esgotou. 

Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto 
 

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