A ECONOMIA NÃO É O PROBLEMA
Temos
insistido que a economia é uma disciplina na qual se enfrentam sempre
os mesmos problemas. O que muda são as suas soluções, de acordo com a
ampliação do entendimento de como funciona o sistema econômico;
dos avanços da psicologia, a mostrar que o homem é um bicho mais
complicado do que costumava ser, pois no seu processo decisório combina
em graus diferentes a “razão” e a “emoção”; de como se manejam os novos
instrumentos analíticos disponíveis para simplificar (e entender) essas
decisões e de como se aproveita o ensinamento da história, que vai
acumulando os efeitos das soluções fracassadas.
Isso deveria nos ensinar duas coisas:
primeiro, que o caminho para a sociedade civilizada é conhecido, já foi
trilhado pelas nações hoje desenvolvidas. É longo e pedregoso.
Percorrê-lo exige paciência e persistência. Raramente admite atalhos que
não sejam adaptar soluções que os que estão na frente conseguiram com
sucesso. Segundo, que é preciso respeitar a história, a geografia, as
restrições físicas e os conhecimentos acumulados pela disciplina
econômica ao longo de séculos, além de prestar atenção às novas
respostas, sugeridas pelo esforço teórico, às velhas questões que nos
acompanham.
O problema é que a construção de uma sociedade “civilizada” não é um problema econômico. Os economistas de todas as “escolas” neoliberais, keynesianas, kaleckianos, marxianos e tutti quanti,
se vivem no Brasil e não no país da Alice, conhecem as variantes do
caminho. O problema é político: como educar e convencer a sociedade a
rejeitar nas urnas a solução que oferece a alegria gratuita, a linha
reta declinante sem obstáculos, no qual a força da gravidade (a
“ideologia” ou a “demagogia”) faz o seu trabalho, mas que a História
mostra que, mais dia, menos dia, termina no inferno? Como levá-la a
escolher o caminho mais virtuoso que exige sacrifício e paciência?
Para escapar da hipótese do “déspota esclarecido”, as
sociedades hoje desenvolvidas assistiram a uma coevolução da educação
(frequentemente ligada à religião: a necessidade de ler a Bíblia) com a
invenção do sufrágio cada vez mais universal, que moderou o poder da
concentração do capital. Empoderou o trabalhador desamparado, produto da
criação do direito à propriedade privada, transformando-o em eleitor,
na construção do que hoje chamamos “capitalismo”. Este é, apenas, um
instante histórico na busca continuada da sociedade civilizada a que o
homem aspira.
A questão é, portanto, puramente
política: como organizar e dar instrumentos de poder à liderança eleita
pelo sufrágio universal para implementar os mecanismos de administração
relativamente eficientes, compatíveis com mais liberdade, mais igualdade
e maior produtividade? A resposta parece ser: eleições livres, em
distritos bem definidos e regras de barragem adequadas que permitam uma
coalização majoritária estável para propor e aprovar as soluções
nascidas das experiências dos países democráticos bem-sucedidos.
Talvez seja hora de deixar de lado a
reeleição que, sem qualquer controle social, revelou-se um mal. Seria
melhor um parlamentarismo (infelizmente, recusado em dois plebiscitos
viezados) inteligente que garanta ao governo a maioria eficaz ou o leve à
dissolução. É muito triste ter de reconhecer que o recente “esforço
reformista” do Congresso afastou o Brasil ainda mais de um sistema
político minimamente funcional.
Talvez estejamos em um momento semelhante àqueles de Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello, nos quais emerge o que se vayam todos,
como sugere uma recente pesquisa de opinião. Infelizmente, os dois
ex-presidentes não souberam aproveitar o acidente que lhes deu a
oportunidade de um protagonismo digno de figurar com admiração na
história nacional. Ainda assim, eles mandaram para casa todos os
profissionais do atraso...
Nossa situação econômica só é um problema
sem solução porque dispomos de uma trágica organização política:
primeiro, um presidencialismo de coalização, em que a presidenta nem
assume o seu protagonismo nem coaliza e, segundo, um Congresso perdido e
ocupado com propostas que, com raras exceções, ignoram o interesse
nacional e insiste em dissipar sua energia num sinistro retrocesso
civilizatório. Em 1986, quando fui candidato à Constituinte, publiquei
um pequeno livro, Só o Político Pode Salvar o Economista. Trinta anos depois, parece que isso ainda continua verdade...
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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