"O RISCO DA REINDEXAÇÃO DA
ECONOMIA BRASILEIRA
NÃO É PEQUENA"
Neto do legendário livreiro carioca José Olympio, o executivo José
Olympio Pereira é um apaixonado pela arte brasileira. Ele destaca o
trabalho da artista plástica Adriana Varejão e da pintora Beatriz
Milhazes, mas distribui elogios a nomes ainda pouco conhecidos como
Odires Mlászho, Carmela Gross, Paulo Monteiro e Paulo Pasta. No entanto,
Pereira faz uma ressalva. “Não é recomendação de investimento, é para
quem quer ter o prazer de usufruir e conviver com a boa arte.” Quando o
assunto é investimento, o CEO do banco de investimentos Credit Suisse no
Brasil é direto: não há condições para a bolsa de valores subir se os
sinais de retomada da economia brasileira ainda são incertos. O programa
de concessões de infraestrutura poderia ser um catalisador para o
início da retomada do crescimento, principalmente com a atração de
capital internacional, mas Zé Olympio, como é mais conhecido, se diz
decepcionado com o que foi apresentado pelo governo. “Foi menos
ambicioso do que precisaríamos”, afirma ele, que enxerga na crise da
Grécia uma possibilidade de segurar a alta dos juros na economia dos
Estados Unidos, o que seria benéfico para o Brasil.
DINHEIRO – Qual é o peso do calote da Grécia no Fundo Monetário Internacional (FMI)?
JOSÉ OLYMPIO PEREIRA – Os
gregos estão dando importância demais a esse ajuste com o FMI. O que se
vê nesses compromissos, em vários outros países, é que eles não são
cumpridos a ferro e fogo. Eles são cumpridos à medida do possível, com
renegociação. Atribuo essa inflexibilidade da Grécia a uma certa
inexperiência na negociação com o FMI. Vários governos, como os de
Espanha e Portugal, fizeram ajustes e a situação melhorou bastante,
ainda que não tivessem cumprido à risca todos os compromissos.
DINHEIRO – Existe risco de que essa crise chegue ao Brasil?
PEREIRA – Curiosamente,
apesar dessa confusão com os bancos, na segunda-feira 29, não se viu um
choque próximo ao ocasionado pelo banco de investimento americano
Lehman Brothers. Há duas explicações para isso. A dívida da Grécia está
nas mãos dos países e não terá um impacto grande para o mercado. A outra
é que as pessoas estão apostando numa solução. Por tudo que estou
vendo, não acho que o Brasil sofrerá impacto. Mesmo que a Grécia saia da
Zona do Euro, não vamos ter um novo Lehman. Lógico, quem vai sofrer
muito são os credores e o povo grego, que tem suas economias depositadas
nos bancos locais.
DINHEIRO – Mas um país fragilizado e em recessão como o Brasil consegue evitar respingos?
PEREIRA – Sem
a menor dúvida, uma crise não é boa. Por outro lado, se vier uma crise
grega de grandes proporções diminui a chance de os juros americanos
subirem. Creio que é um negócio que nos afeta mais do que a questão na
Grécia.
DINHEIRO – Esse cenário dificulta uma recuperação da bolsa de valores?
PEREIRA – De
uma forma geral, estamos vendo um conservadorismo muito grande dos
investidores, tanto brasileiros como estrangeiros, em relação à bolsa. O
volume do mercado tem caído consistentemente. Nos fundos de ações
locais há um percentual muito grande de dinheiro em caixa. Está todo
mundo respeitando apenas o limite mínimo de 67% de investimento em
ações. E, com a situação da nossa economia, não é surpreendente. Estamos
antevendo uma contração neste ano e os sinais de retomada não estão
claros. Por isso, é difícil enxergar algo positivo para a bolsa, neste
momento.
DINHEIRO – Quanto desse movimento de baixa da bolsa o sr. credita à Petrobras?
PEREIRA – Sem
dúvida, a Petrobras tem uma série de desafios pela frente. Já superou
alguns, como a publicação do balanço. Outro ponto importante que a
empresa está endereçando é a questão dos investimentos. A empresa tem um
endividamento alto e um plano de investimentos que é incompatível com a
sua geração de caixa. Ajustar neste momento faz todo sentido. O mercado
tem muito boa impressão da nova gestão da Petrobras. Além disso, há
fatores mais estruturais que estão sendo discutidos no Congresso, que
podem ter um impacto importante na Petrobras, como a revisão da Lei do
Pré-Sal. Nesse novo cenário, a obrigatoriedade da Petrobras de investir
30%, a participação em todos os campos e o conteúdo nacional fazem algum
sentido? É uma boa discussão que o Senado, na figura do presidente
Renan Calheiros e do senador José Serra, já deu início.
DINHEIRO – O sr. tem opinião sobre o que seria melhor acontecer?
PEREIRA – A
Lei do Pré-Sal não faz mais sentido. O regime anterior preservava
suficientemente os direitos da Nação, e o que vale para o resto do
pré-sal hoje. Mas, infelizmente, esse desejo grandioso da Petrobras de
ter de investir em todo campo, no preço que fizerem, é uma conta que não
dá para ser paga.
DINHEIRO – Há um retorno do otimismo do investidor estrangeiro em relação ao Brasil?
PEREIRA – Os
estrangeiros sempre foram mais otimistas ou, melhor, mais positivos com
relação ao Brasil, em comparação com a nossa sensação. Neste momento,
há um clima negativo e de pessimismo no País, que não lembro de ter
visto antes.
DINHEIRO – Seria uma perda de confiança em razão de o País ter parado de avançar?
PEREIRA – É
um fenômeno dos últimos dois anos. Esse ambiente vem se deteriorando
devagarzinho, mas se agravou muito no ano passado e neste ano. Tinha de
fazer o ajuste. Claramente, a política econômica que o governo adotou
não estava funcionando e nos levou a essa situação atual. Ao mesmo
tempo, é preciso fazer um mega ajuste nas contas públicas e achar uma
maneira de retomar a confiança e o crescimento. Nos últimos 10 anos, o
crescimento foi baseado em investimentos e consumo. Neste ano, vamos ter
uma queda nos dois. Precisamos de um catalisador da mudança de humor.
DINHEIRO – Quais mudanças surtiriam um efeito positivo?
PEREIRA – É
preciso ter a percepção clara, no curto prazo, de que uma moeda
depreciada ajuda a indústria. Isso pode fazer a economia voltar a andar.
Por outro lado, um programa de concessões agressivo também contribui,
porque traz investimentos. Mas, infelizmente, o que foi apresentado
pareceu menos ambicioso do que nós precisaríamos. A própria concessão de
aeroportos vai ficar só para o próximo ano. Eu esperava e contava com
alguma coisa de maior impacto.
DINHEIRO – Uma das maiores
reclamações no passado era a taxa de retorno proposta pelo governo. Por
conta disso, os investidores não estariam mais cautelosos?
PEREIRA – A
taxa de retorno é muito mais uma questão de comunicação. Todo processo
de privatização, desde o governo Collor, teve preço mínimo. Exageramos
nessa percepção de que o governo queria regular a taxa de retorno. Deixa
para o mercado e o leilão regularem. Tem tanta variável numa concessão
de estrada, como o custo de reforma e construção e a previsão de
tráfego, que pode servir para um tipo de investidor e não para outro.
Mas as pessoas falam em regular retorno de concessão como se fosse algo
simples, como o CDB. Isso deveria ser tirado de discussão. O importante é
certificar-se que o investimento seja feito e esteja atraindo o maior
número possível de interessados naquela concessão. E, claro, que vão
realizá-la de forma competente. Cara é a obra que não foi feita, é a
estrada esburacada, o porto ineficiente. Se o sujeito ganhar um pouco
mais de rentabilidade, mas o porto existe, a estrada existe, o ganho vai
para o restante da economia. Se a tarifa ficar cara demais, estende-se o
prazo da concessão. Há diversas maneiras de administrar de forma
eficiente, o importante é acontecer. O nosso agronegócio que é
supercompetitivo, apesar dos dois mil quilômetros de distância do porto.
Imagina numa infraestrutura competitiva o tamanho do salto que o País
poderia dar em termos de ganho e de riqueza.
DINHEIRO – O agronegócio pode ser considerado um fenômeno?
PEREIRA – O
agronegócio é o típico exemplo de um setor da economia brasileira
integrada com o resto do mundo, sem barreiras, que importa insumos,
vende seus produtos e tem de competir em base mundial, sempre investindo
em produtividade. O agronegócio é um grande exemplo de que podemos ser
bons. E, mesmo na indústria, existem companhias espetaculares no Brasil,
com nível de eficiência altíssimo. A Weg é uma multinacional brasileira
competindo em base global.
DINHEIRO – O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é capaz de mudar a situação atual do Brasil?
PEREIRA – O
ministro Levy tem uma tarefa árdua pela frente, mas foi a melhor
escolha. A equipe econômica como um todo, mas, principalmente, o Levy,
que não estava no governo até então. Ele é o homem certo para esse
desafio, que é de roer. Ao mesmo tempo em que o foco no ajuste é
superimportante, não se pode perder de perspectiva algumas mudanças de
médio e longo prazo que vão ajudar a criar o catalisador da mudança do
crescimento. Há uma série de mudanças estruturais, como reforma
tributária e melhoria da educação que precisam ser feitas.
DINHEIRO – É o ministro Levy quem deve promover essas mudanças?
PEREIRA – Não
é ele quem vai fazer, mas é ele que deve liderar. Cabe ao Executivo
determinar qual é a agenda, o que precisa ser feito e propor. O foco
dele é no ajuste, porque não pode seguir no caminho de deixar a dívida
sair de controle, que pode ameaçar o nosso tão suado grau de
investimento. Seria uma lástima perdê-lo, além de ser algo que para
recuperar é muito custoso.
DINHEIRO – Existe risco dessa perda ocorrer?
PEREIRA – Creio
que não neste ano ou no próximo. Mas depende de como as coisas vão. A
credibilidade do ministro Levy segura as agências. Aquelas que estão
dois níveis acima do investiment grade, com viés negativo, podem até
baixar, mas não esperamos que nenhuma das três retire o grau de
investimento do Brasil num horizonte visível.
DINHEIRO – É possível trazer a inflação para o centro da meta já em 2016?
PEREIRA – Olhando
para trás, não dá para entender como o País conseguiu operar com aquela
inflação de 30% ao mês. Acho que, infelizmente, nos últimos anos,
descuidamos do controle da inflação, que ficou acima do centro da meta
por um tempo grande demais. Houve o infortúnio, no ano passado, da seca e
dos custos de energia, que levaram ao reajuste de preços administrados e
uma inflação grande em função disso. Mas o combate à inflação é
importante. O risco de reindexação da economia brasileira não é pequeno.
Há risco de que as pessoas comecem a remarcar por uma expectativa de
inflação. Já vimos esse filme de inflação inercial no passado. É um
risco alto. O governo deve, sim, fazer o que estiver no controle dele
para trazer as expectativas para baixo.
DINHEIRO – Como o sr. analisa esse novo momento de disputa por um banco no mercado brasileiro?
PEREIRA – A
indústria bancária brasileira é de um nível de sofisticação
extraordinário, com grandes e competentes bancos operando no País. O
desafio que se coloca, neste caso do HSBC, é o ganho de sinergia em cima
das operações, o que permite a eles serem mais agressivos no preço. O
ideal seria ter mais competição? Sim, até porque o HSBC é a última
plataforma para quem quer investir, crescer e competir com os demais.
Mas o fato é que não vimos nenhum interesse de um banco global em
participar dessa disputa. Os chineses entraram no País, mas com
movimentos menos audaciosos, com a compra do Bic Banco, inicialmente, e
agora com a do BBM. Pode mudar, mas não estamos vendo nenhum europeu ou
americano querer participar do nosso mercado e competir com os nossos
grandes locais. Não é fácil mesmo. Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e
Santander são competidores de peso.
Fonte: Isto É Dinheiro
Por: Márcio Kroehn
Por: Márcio Kroehn
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