sexta-feira, 10 de julho de 2015

 "O RISCO DA REINDEXAÇÃO DA 

ECONOMIA BRASILEIRA

 NÃO É PEQUENA"


Neto do legendário livreiro carioca José Olympio, o executivo José Olympio Pereira é um apaixonado pela arte brasileira. Ele destaca o trabalho da artista plástica Adriana Varejão e da pintora Beatriz Milhazes, mas distribui elogios a nomes ainda pouco conhecidos como Odires Mlászho, Carmela Gross, Paulo Monteiro e Paulo Pasta. No entanto, Pereira faz uma ressalva. “Não é recomendação de investimento, é para quem quer ter o prazer de usufruir e conviver com a boa arte.” Quando o assunto é investimento, o CEO do banco de investimentos Credit Suisse no Brasil é direto: não há condições para a bolsa de valores subir se os sinais de retomada da economia brasileira ainda são incertos. O programa de concessões de infraestrutura poderia ser um catalisador para o início da retomada do crescimento, principalmente com a atração de capital internacional, mas Zé Olympio, como é mais conhecido, se diz decepcionado com o que foi apresentado pelo governo. “Foi menos ambicioso do que precisaríamos”, afirma ele, que enxerga na crise da Grécia uma possibilidade de segurar a alta dos juros na economia dos Estados Unidos, o que seria benéfico para o Brasil.

DINHEIRO – Qual é o peso do calote da Grécia no Fundo Monetário Internacional (FMI)?
 
JOSÉ OLYMPIO PEREIRA – Os gregos estão dando importância demais a esse ajuste com o FMI. O que se vê nesses compromissos, em vários outros países, é que eles não são cumpridos a ferro e fogo. Eles são cumpridos à medida do possível, com renegociação. Atribuo essa inflexibilidade da Grécia a uma certa inexperiência na negociação com o FMI. Vários governos, como os de Espanha e Portugal, fizeram ajustes e a situação melhorou bastante, ainda que não tivessem cumprido à risca todos os compromissos.


DINHEIRO – Existe risco de que essa crise chegue ao Brasil?
 
PEREIRA – Curiosamente, apesar dessa confusão com os bancos, na segunda-feira 29, não se viu um choque próximo ao ocasionado pelo banco de investimento americano Lehman Brothers. Há duas explicações para isso. A dívida da Grécia está nas mãos dos países e não terá um impacto grande para o mercado. A outra é que as pessoas estão apostando numa solução. Por tudo que estou vendo, não acho que o Brasil sofrerá impacto. Mesmo que a Grécia saia da Zona do Euro, não vamos ter um novo Lehman. Lógico, quem vai sofrer muito são os credores e o povo grego, que tem suas economias depositadas nos bancos locais.


DINHEIRO – Mas um país fragilizado e em recessão como o Brasil consegue evitar respingos?
 
PEREIRA – Sem a menor dúvida, uma crise não é boa. Por outro lado, se vier uma crise grega de grandes proporções diminui a chance de os juros americanos subirem. Creio que é um negócio que nos afeta mais do que a questão na Grécia.


DINHEIRO – Esse cenário dificulta uma recuperação da bolsa de valores?
 
PEREIRA – De uma forma geral, estamos vendo um conservadorismo muito grande dos investidores, tanto brasileiros como estrangeiros, em relação à bolsa. O volume do mercado tem caído consistentemente. Nos fundos de ações locais há um percentual muito grande de dinheiro em caixa. Está todo mundo respeitando apenas o limite mínimo de 67% de investimento em ações. E, com a situação da nossa economia, não é surpreendente. Estamos antevendo uma contração neste ano e os sinais de retomada não estão claros. Por isso, é difícil enxergar algo positivo para a bolsa, neste momento.


DINHEIRO – Quanto desse movimento de baixa da bolsa o sr. credita à Petrobras?
 
PEREIRA – Sem dúvida, a Petrobras tem uma série de desafios pela frente. Já superou alguns, como a publicação do balanço. Outro ponto importante que a empresa está endereçando é a questão dos investimentos. A empresa tem um endividamento alto e um plano de investimentos que é incompatível com a sua geração de caixa. Ajustar neste momento faz todo sentido. O mercado tem muito boa impressão da nova gestão da Petrobras. Além disso, há fatores mais estruturais que estão sendo discutidos no Congresso, que podem ter um impacto importante na Petrobras, como a revisão da Lei do Pré-Sal. Nesse novo cenário, a obrigatoriedade da Petrobras de investir 30%, a participação em todos os campos e o conteúdo nacional fazem algum sentido? É uma boa discussão que o Senado, na figura do presidente Renan Calheiros e do senador José Serra, já deu início.


DINHEIRO – O sr. tem opinião sobre o que seria melhor acontecer?
 
PEREIRA – A Lei do Pré-Sal não faz mais sentido. O regime anterior preservava suficientemente os direitos da Nação, e o que vale para o resto do pré-sal hoje. Mas, infelizmente, esse desejo grandioso da Petrobras de ter de investir em todo campo, no preço que fizerem, é uma conta que não dá para ser paga.


DINHEIRO – Há um retorno do otimismo do investidor estrangeiro em relação ao Brasil?
 
PEREIRA – Os estrangeiros sempre foram mais otimistas ou, melhor, mais positivos com relação ao Brasil, em comparação com a nossa sensação. Neste momento, há um clima negativo e de pessimismo no País, que não lembro de ter visto antes.


DINHEIRO – Seria uma perda de confiança em razão de o País ter parado de avançar?
 
PEREIRA – É um fenômeno dos últimos dois anos. Esse ambiente vem se deteriorando devagarzinho, mas se agravou muito no ano passado e neste ano. Tinha de fazer o ajuste. Claramente, a política econômica que o governo adotou não estava funcionando e nos levou a essa situação atual. Ao mesmo tempo, é preciso fazer um mega ajuste nas contas públicas e achar uma maneira de retomar a confiança e o crescimento. Nos últimos 10 anos, o crescimento foi baseado em investimentos e consumo. Neste ano, vamos ter uma queda nos dois. Precisamos de um catalisador da mudança de humor.


DINHEIRO – Quais mudanças surtiriam um efeito positivo?
 
PEREIRA – É preciso ter a percepção clara, no curto prazo, de que uma moeda depreciada ajuda a indústria. Isso pode fazer a economia voltar a andar. Por outro lado, um programa de concessões agressivo também contribui, porque traz investimentos. Mas, infelizmente, o que foi apresentado pareceu menos ambicioso do que nós precisaríamos. A própria concessão de aeroportos vai ficar só para o próximo ano. Eu esperava e contava com alguma coisa de maior impacto.


DINHEIRO – Uma das maiores reclamações no passado era a taxa de retorno proposta pelo governo. Por conta disso, os investidores não estariam mais cautelosos?
 
PEREIRA – A taxa de retorno é muito mais uma questão de comunicação. Todo processo de privatização, desde o governo Collor, teve preço mínimo. Exageramos nessa percepção de que o governo queria regular a taxa de retorno. Deixa para o mercado e o leilão regularem. Tem tanta variável numa concessão de estrada, como o custo de reforma e construção e a previsão de tráfego, que pode servir para um tipo de investidor e não para outro. Mas as pessoas falam em regular retorno de concessão como se fosse algo simples, como o CDB. Isso deveria ser tirado de discussão. O importante é certificar-se que o investimento seja feito e esteja atraindo o maior número possível de interessados naquela concessão. E, claro, que vão realizá-la de forma competente. Cara é a obra que não foi feita, é a estrada esburacada, o porto ineficiente. Se o sujeito ganhar um pouco mais de rentabilidade, mas o porto existe, a estrada existe, o ganho vai para o restante da economia. Se a tarifa ficar cara demais, estende-se o prazo da concessão. Há diversas maneiras de administrar de forma eficiente, o importante é acontecer. O nosso agronegócio que é supercompetitivo, apesar dos dois mil quilômetros de distância do porto. Imagina numa infraestrutura competitiva o tamanho do salto que o País poderia dar em termos de ganho e de riqueza.


DINHEIRO – O agronegócio pode ser considerado um fenômeno?
 
PEREIRA – O agronegócio é o típico exemplo de um setor da economia brasileira integrada com o resto do mundo, sem barreiras, que importa insumos, vende seus produtos e tem de competir em base mundial, sempre investindo em produtividade. O agronegócio é um grande exemplo de que podemos ser bons. E, mesmo na indústria, existem companhias espetaculares no Brasil, com nível de eficiência altíssimo. A Weg é uma multinacional brasileira competindo em base global.


DINHEIRO – O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é capaz de mudar a situação atual do Brasil?
 
PEREIRA – O ministro Levy tem uma tarefa árdua pela frente, mas foi a melhor escolha. A equipe econômica como um todo, mas, principalmente, o Levy, que não estava no governo até então. Ele é o homem certo para esse desafio, que é de roer. Ao mesmo tempo em que o foco no ajuste é superimportante, não se pode perder de perspectiva algumas mudanças de médio e longo prazo que vão ajudar a criar o catalisador da mudança do crescimento. Há uma série de mudanças estruturais, como reforma tributária e melhoria da educação que precisam ser feitas.


DINHEIRO – É o ministro Levy quem deve promover essas mudanças?
 
PEREIRA – Não é ele quem vai fazer, mas é ele que deve liderar. Cabe ao Executivo determinar qual é a agenda, o que precisa ser feito e propor. O foco dele é no ajuste, porque não pode seguir no caminho de deixar a dívida sair de controle, que pode ameaçar o nosso tão suado grau de investimento. Seria uma lástima perdê-lo, além de ser algo que para recuperar é muito custoso.


DINHEIRO – Existe risco dessa perda ocorrer?
 
PEREIRA – Creio que não neste ano ou no próximo. Mas depende de como as coisas vão. A credibilidade do ministro Levy segura as agências. Aquelas que estão dois níveis acima do investiment grade, com viés negativo, podem até baixar, mas não esperamos que nenhuma das três retire o grau de investimento do Brasil num horizonte visível.


DINHEIRO – É possível trazer a inflação para o centro da meta já em 2016?
 
PEREIRA – Olhando para trás, não dá para entender como o País conseguiu operar com aquela inflação de 30% ao mês. Acho que, infelizmente, nos últimos anos, descuidamos do controle da inflação, que ficou acima do centro da meta por um tempo grande demais. Houve o infortúnio, no ano passado, da seca e dos custos de energia, que levaram ao reajuste de preços administrados e uma inflação grande em função disso. Mas o combate à inflação é importante. O risco de reindexação da economia brasileira não é pequeno. Há risco de que as pessoas comecem a remarcar por uma expectativa de inflação. Já vimos esse filme de inflação inercial no passado. É um risco alto. O governo deve, sim, fazer o que estiver no controle dele para trazer as expectativas para baixo.


DINHEIRO – Como o sr. analisa esse novo momento de disputa por um banco no mercado brasileiro?
 
PEREIRA – A indústria bancária brasileira é de um nível de sofisticação extraordinário, com grandes e competentes bancos operando no País. O desafio que se coloca, neste caso do HSBC, é o ganho de sinergia em cima das operações, o que permite a eles serem mais agressivos no preço. O ideal seria ter mais competição? Sim, até porque o HSBC é a última plataforma para quem quer investir, crescer e competir com os demais. Mas o fato é que não vimos nenhum interesse de um banco global em participar dessa disputa. Os chineses entraram no País, mas com movimentos menos audaciosos, com a compra do Bic Banco, inicialmente, e agora com a do BBM. Pode mudar, mas não estamos vendo nenhum europeu ou americano querer participar do nosso mercado e competir com os nossos grandes locais. Não é fácil mesmo. Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Santander são competidores de peso.

Fonte: Isto É Dinheiro
Por: Márcio Kroehn


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