HORA DE CONVERSAR
A preliminar para a sociedade brasileira recuperar a tranquilidade e a confiança em si mesma e no seu governo,
condições absolutamente necessárias para a volta de um crescimento
social e econômico mais cooperativo e relativamente harmônico, no qual a
disputa natural pela distribuição do produzido seja civilizada, é
encarar as dificuldades e dar-lhes visibilidade. É tempo de reconhecer
que a “conjuntura” está mesmo tão mal como parece e que a “estrutura”
está ainda pior.
É
preciso recusar a hipótese de que as dificuldades vividas pelo País se
devem às diferenças ideológicas produzidas pelo embate entre uma
esquerda retrógrada e infantilizada que vocifera e uma velha direita
troglodita espertamente organizada, a que se assiste, todo fim de tarde,
nos programas tragicômicos transmitidos pela TV Câmara. O que preocupa e
assusta é o fato de os deputados
mais qualificados e mais experientes das duas facções, que com
conhecimentos mais alto e voz mais baixa poderiam melhorar a qualidade
das decisões, parecerem sentir-se desconfortáveis e intimidados com o
babaréu que resulta da vigorosa e absoluta certeza que só a ignorância
confere. A situação, por mais terrível que possa parecer, é superável,
mas levará tempo e exigirá uma cooperação mais íntima entre os Três
Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –, além da reconquista da
confiança que deve existir entre eles e a sociedade.
Ora, essa confiança só pode ser produto de uma aliança política fundada sobre alguns alicerces comuns. Vamos combinar, então:
1. No Brasil, a cobra mordeu o rabo. Sem a “confiança” no
governo, o “crescimento” não voltará e, sem o “crescimento”, não voltará
a “confiança” no governo. No nível de desestruturação atual é pouco
provável um casual pequeno aumento da “confiança” estimular um pequeno
aumento do “crescimento”, que, por sua vez, geraria novo aumento da
“confiança”, e assim por diante. O caminho inverso, em que um aumento
acidental do “crescimento” estimularia um aumento da “confiança”, e este
um novo “crescimento”, parece ainda menos provável. Os dois têm,
portanto, de ser “esperados” ao mesmo tempo!
2. A grande lição que acaba de nos ensinar a crise da Grécia
é que, a longo prazo, os constrangimentos impostos pela realidade
econômica prevalecem sobre a metafísica “vontade política”, quando se
trata do distributivismo irresponsável. Não é uma questão ideológica
imposta pelas injustiças do “capitalismo”. Neste, como no socialismo
“ideal” (se alguém sabe o que é) ou na sociedade “natural solidária”
(sugerida na recente encíclica Laudato Si', do papa Francisco),
há um fato insuperável: a continuidade da oferta ou a continuidade do
crescimento dos bens consumíveis exige uma harmonia entre o nível do
consumo e o de investimento.
3. A restrição física insuperável é que, em qualquer
regime, só pode ser distribuído entre os integrantes da sociedade o que
ela mesma, com seus recursos naturais, sua população e sua tecnologia,
já produziu. O que ela eventualmente recebeu como “doação” excedente nas
trocas com outras sociedades (melhora das relações de troca) ou o que
delas tomou emprestado.
A aceitação dessas
restrições físicas, que transcendem as ideologias, pode permitir a
construção de uma maioria política capaz de sustentar um programa que
acelere o desenvolvimento, condição necessária para uma melhor
integração social. Lembremos que “desenvolvimento” é apenas o outro nome
que se dá ao “aumento da produtividade do trabalho”. Este é
condicionado pelo “ambiente geral”, mas é determinado pelo aumento do
estoque (investimento) do capital associado a cada trabalhador e da sua
capacidade para operá-lo. Logo, um programa de cooperação política de
uma maioria responsável que aumente o investimento em infraestrutura
pelo governo, que dê estímulo ao investimento do setor privado e seja
atento ao “reequilíbrio fiscal”, pode ser um bom início.
Provavelmente, é a uma cooperação desse gênero que se
refere a sugestão de Michel Temer, quando apela para uma união política
dos esforços de todos os brasileiros sensatos. É preciso rejeitar a
tentação de resolver nosso problema fora da mais rigorosa obediência às
restrições constitucionais de 1988. Estas são o “garante” do futuro da
sociedade civilizada que queremos construir. Como diria o doutor
Ulysses, “chegou a hora de conversar”.
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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