quinta-feira, 30 de julho de 2015

HORA DE CONVERSAR
A preliminar para a sociedade brasileira recuperar a tranquilidade e a confiança em si mesma e no seu governo, condições absolutamente necessárias para a volta de um crescimento social e econômico mais cooperativo e relativamente harmônico, no qual a disputa natural pela distribuição do produzido seja civilizada, é encarar as dificuldades e dar-lhes visibilidade. É tempo de reconhecer que a “conjuntura” está mesmo tão mal como parece e que a “estrutura” está ainda pior.

É preciso recusar a hipótese de que as dificuldades vividas pelo País se devem às diferenças ideológicas produzidas pelo embate entre uma esquerda retrógrada e infantilizada que vocifera e uma velha direita troglodita espertamente organizada, a que se assiste, todo fim de tarde, nos programas tragicômicos transmitidos pela TV Câmara. O que preocupa e assusta é o fato de os deputados mais qualificados e mais experientes das duas facções, que com conhecimentos mais alto e voz mais baixa poderiam melhorar a qualidade das decisões, parecerem sentir-se desconfortáveis e intimidados com o babaréu que resulta da vigorosa e absoluta certeza que só a ignorância confere. A situação, por mais terrível que possa parecer, é superável, mas levará tempo e exigirá uma cooperação mais íntima entre os Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –, além da reconquista da confiança que deve existir entre eles e a sociedade.

Ora, essa confiança só pode ser produto de uma aliança política fundada sobre alguns alicerces comuns. Vamos combinar, então:

1. No Brasil, a cobra mordeu o rabo. Sem a “confiança” no governo, o “crescimento” não voltará e, sem o “crescimento”, não voltará a “confiança” no governo. No nível de desestruturação atual é pouco provável um casual pequeno aumento da “confiança” estimular um pequeno aumento do “crescimento”, que, por sua vez, geraria novo aumento da “confiança”, e assim por diante. O caminho inverso, em que um aumento acidental do “crescimento” estimularia um aumento da “confiança”, e este um novo “crescimento”, parece ainda menos provável. Os dois têm, portanto, de ser “esperados” ao mesmo tempo!

2. A grande lição que acaba de nos ensinar a crise da Grécia é que, a longo prazo, os constrangimentos impostos pela realidade econômica prevalecem sobre a metafísica “vontade política”, quando se trata do distributivismo irresponsável. Não é uma questão ideológica imposta pelas injustiças do “capitalismo”. Neste, como no socialismo “ideal” (se alguém sabe o que é) ou na sociedade “natural solidária” (sugerida na recente encíclica Laudato Si', do papa Francisco), há um fato insuperável: a continuidade da oferta ou a continuidade do crescimento dos bens consumíveis exige uma harmonia entre o nível do consumo e o de investimento.

3. A restrição física insuperável é que, em qualquer regime, só pode ser distribuído entre os integrantes da sociedade o que ela mesma, com seus recursos naturais, sua população e sua tecnologia, já produziu. O que ela eventualmente recebeu como “doação” excedente nas trocas com outras sociedades (melhora das relações de troca) ou o que delas tomou emprestado.

A aceitação dessas restrições físicas, que transcendem as ideologias, pode permitir a construção de uma maioria política capaz de sustentar um programa que acelere o desenvolvimento, condição necessária para uma melhor integração social. Lembremos que “desenvolvimento” é apenas o outro nome que se dá ao “aumento da produtividade do trabalho”. Este é condicionado pelo “ambiente geral”, mas é determinado pelo aumento do estoque (investimento) do capital associado a cada trabalhador e da sua capacidade para operá-lo. Logo, um programa de cooperação política de uma maioria responsável que aumente o investimento em infraestrutura pelo governo, que dê estímulo ao investimento do setor privado e seja atento ao “reequilíbrio fiscal”, pode ser um bom início.

Provavelmente, é a uma cooperação desse gênero que se refere a sugestão de Michel Temer, quando apela para uma união política dos esforços de todos os brasileiros sensatos. É preciso rejeitar a tentação de resolver nosso problema fora da mais rigorosa obediência às restrições constitucionais de 1988. Estas são o “garante” do futuro da sociedade civilizada que queremos construir. Como diria o doutor Ulysses, “chegou a hora de conversar”.

Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto 

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