O DESAFIO DO SALÁRIO MÍNIMO EM 2016
Uma
das questões centrais a ser enfrentada pelo próximo presidente da
República, e que representa um tema extremamente delicado para o debate
eleitoral de 2014, é a política de reajuste do salário mínimo (SM). Pela
legislação em vigor, até o final do primeiro ano do próximo mandato
presidencial, o Poder Executivo deve encaminhar ao Congresso Nacional um
projeto de lei com as regras do ajuste do SM entre 2016 e 2019
(inclusive). Trata-se, portanto, de uma grande decisão de política
social e econômica que o próximo governo terá de enfrentar logo de
início.
No período histórico recente, a política de elevação do SM teve início
em 1994. No governo Lula, representou um dos eixos das ações do
Executivo que contribuíram para a grande queda da desigualdade no
Brasil. Nos 11 anos de dezembro de 2002 a dezembro de 2013, o aumento
real do SM deve atingir 81,4%, ou seja, um aumento médio de 5,6% ao ano,
muito acima do crescimento do PIB no período.
Em 2011, a Lei no 12.382 criou a regra, válida de 2012 a 2014, pela qual
o SM é corrigido anualmente pela variação do INPC mais o crescimento do
PIB de dois anos antes. (1)
A regra estabelecida em 2011 manteve a trajetória de alta real do valor
do SM, mas, ao condicioná-la ao crescimento do PIB (defasado em dois
anos), colocou também limites ao processo. No atual cenário de baixa
expansão da economia, a valorização real do SM perde ritmo. Ainda assim,
por um processo cumulativo, os ganhos acima da inflação prosseguem, com
enormes impactos sociais e econômicos no país. A sistemática da Lei no
12.382 também teve a vantagem, para o governo, de eliminar a difícil
negociação anual no Congresso sobre o aumento do SM.
No momento de se pensar em uma nova regra, deve-se levar em consideração
a importância e a complexidade que o SM adquiriu no Brasil nas últimas
décadas.
Experiência internacional
Como ponto de partida, é útil entender que o debate sobre o SM não é uma
peculiaridade brasileira. Em diversos países, é um tema de discussões
acaloradas e de acirradas disputas políticas. Nos Estados Unidos, o
presidente Obama propõe um reajuste de 24% do SM até 2015 (de USD 7,25
para USD 9,00 por hora), e, posteriormente, a correção pela inflação. Em
termos reais, o SM americano caiu de US$ 10,56 a hora em 1968, o pico
histórico, para US$ 7,25 em 2012. (2)
No Reino Unido, o ex-primeiro-ministro Tony Blair lançou o “Minimum Wage
Act”, em 1998, legislação que criou uma política nacional sobre o tema,
com uma comissão especial para estudar a questão e estipular reajustes
anuais. (3) Na
Alemanha, onde não há SM nacional (mas sim nas províncias ou em setores
econômicos específicos), a chanceler Angela Merkel acaba de sinalizar a
sua adoção, como parte dos acordos para formar um governo de coalização
com o SPD, o partido socialdemocrata. (4)
Na China, o governo aprovou um plano para elevar o SM para 40% do valor
dos salários urbanos até 2015, segundo notícia da BBC veiculada no
início deste ano. (5)
O caso brasileiro
Há, porém, algumas particularidades que distinguem a questão do SM no
Brasil, quando comparada com o cenário global. Talvez a mais importante
delas seja o fato de que ele é pago na forma de benefícios
previdenciários ou assistenciais para uma imensa massa de brasileiros.
Assim, para além do impacto no mercado de trabalho, o SM no Brasil tem
efeitos sociais e fiscais de grande magnitude.
No Regime Geral de Previdência Social (RGPS), 16,6 milhões de pessoas
recebem um SM, incluindo a aposentadoria rural, que é não contributiva.
Outros 4,1 milhões ganham um SM por conta da Lei Orgânica da Assistência
Social (LOAS) e da Renda Mensal Vitalícia (RMV). Esses programas
garantem o benefício para todos os idosos (mais de 65 anos) e pessoas
com deficiência de qualquer idade, com renda familiar mensal per capita
inferior a um quarto de um SM.
São, portanto, 21 milhões de brasileiros ganhando um SM no sistema
previdenciário e de assistência social. No RGPS, ele engloba 67% dos
benefícios e 48% do total gasto. Na LOAS e na RMV, há indexação total ao
SM. Mas a conta não para aí. No seguro-desemprego, o piso dos
benefícios é indexado ao SM, e, no programa de abono salarial, há
indexação total. Neste segundo caso, existe atrelamento também do
público-alvo, composto pelos trabalhadores formais que ganham até dois
SM. O peso fiscal do seguro-desemprego e do abono salarial, ligados ao
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), é grande, representando uma conta
de 0,9% do PIB — superior ao Bolsa-Família (0,5%) e à LOAS e à RMV
(0,7%).
Além de todo esse enorme contingente de pessoas que recebem benefícios
vinculados ao reajuste do SM na esfera da seguridade social, há, claro,
os que ganham o piso salarial no mercado de trabalho. Os dados mais
recentes da PNAD indicam que 16% dos trabalhadores do mercado formal e
59% dos trabalhadores do mercado informal têm um rendimento de até um
SM, o que corresponde a aproximadamente 19 milhões de pessoas.
Diante da impressionante massa populacional com um interesse direto na
política de reajuste do SM, torna-se evidente que o debate sobre a
trajetória real do seu valor é um tema político de primeiríssima
grandeza. É fácil imaginar, portanto, o quão vital o tema é na
estratégia de qualquer governo brasileiro.
Finanças públicas
Das diferentes áreas que são afetadas pela política do SM, uma em
particular tem crescido em importância: as finanças públicas. Como se
sabe, na área fiscal, o impacto da política de aumentos reais do SM é
significativo e crescente, na medida em que aumentos reais para o SM vêm
sendo concedidos, ano após ano, ao longo das últimas duas décadas.
Em uma visão prospectiva, se a atual regra de aumento do SM (inflação
mais PIB de dois anos antes) for mantida para o período de 2016 a 2019,
haverá uma alta real de 3,6% no biênio 2014-2015, e de 12,2% de 2016 a
2019. (6) Isso significa um aumento real de 16,2% entre dezembro de 2013 e dezembro de 2019.
Em termos de impacto fiscal, o total de transferências previdenciárias e
assistenciais subirá de 9,6% do PIB, em 2013, para 10,7%, em 2019, com
as hipóteses de que o número de benefícios do RGPS cresça 3,5% ao ano,
os do seguro-desemprego e do abono salarial aumentem 3% e 4% ao ano,
respectivamente, e o número de pessoas no Bolsa Família fique constante.
Neste exercício, também se supôs que os benefícios do Bolsa Família, do
seguro-desemprego e do RGPS superiores ao SM sejam reajustados somente
pelo INPC. (7)
Indicadores socioeconômicos
Naturalmente, muitas outras áreas e setores da sociedade são
sensibilizados com a política do SM. Por isso, além das finanças
públicas, também merecem uma avaliação cuidadosa os cenários para
indicadores socioeconômicos agregados de distribuição de renda, mercado
de trabalho, crescimento econômico e inflação.
Em suma, a política de reajuste do SM que vigorará a partir de 2016 é
uma questão de grande complexidade política, com significativo impacto
social, econômico e fiscal. É necessária uma ampla discussão técnica do
assunto, nos moldes descritos nesta Carta, para reduzir a tensão
eleitoral que esse tema inevitavelmente provocará em 2014, e pavimentar o
caminho para uma decisão política em 2015 que contemple os melhores
interesses da sociedade brasileira.
1 Esta regra
começou a ser praticada em 2007, após um acordo entre governo e centrais
sindicais, mas só foi formalizada em lei a partir de 2011.
2 Ver: <http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/uploads/sotu_minimum_wage.pdf>.
3 Ver: <http://www.politics.co.uk/reference/national-minimum-wage>.
4 Ver : <http://www.bbc.co.uk/news/world-europe-25035217>.
5 Ver: <http://www.bbc.co.uk/news/business-21347819>.
6 Com base nas
expectativas de mercado, em 29 de novembro de 2012, sobre a evolução do
PIB real e do INPC, até 2017, e supondo que a variação do INPC será de
4,5% em 2018 e 2019.
7 Com base no
crescimento do PIB esperado pelo mercado e supondo que a variação anual
do deflator do PIB convergirá de 6%, em 2014, para 4,5%, em 2018.
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