POLÊMICA RIDÍCULA
No
Brasil, nunca perdemos a oportunidade de criar uma polêmica sobre
decisões da autoridade monetária. No mundo, também. Em nenhum país elas
sabem muito bem o que estão fazendo.
Ou alguém acredita que o Federal Reserve, o Banco Central
Europeu, o Banco Central do Japão ou o Banco Central da China têm o
“mapa” (teoria) e a “bússola” (prática segura) para saber aonde estão
nos levando neste mar revolto que ajudaram a construir?
Foi obra lenta, apoiada na imaginária “ciência dos
mercados perfeitos”. Com ela, colonizaram e submeteram à sua vontade os
pobres nativos que, sem imaginação, se limitaram à produção de bens e
serviços.
Um exemplo da eterna vigilância do tal
“mercado” para garantir a “dominância financeira” conquistada é a reação
à decisão do BC de manter a taxa Selic em 14,25%, na reunião do dia 20.
Para entender isso, é preciso aceitar o fato de que os economistas não
são portadores de uma “ciência”.
A propósito, quero lembrar que, em 1948,
meu primeiro professor da ainda Economia Política, o francês Paul
Hugon, entregou aos seus alunos o excerto de um depoimento no Congresso
dos Estados Unidos, de 16 de maio de 1939, do grande economista Alvin
Hansen, o introdutor do keynesianismo naquele país, onde revelou a sua grandeza e as limitações do seu enorme conhecimento:
Eu gostaria muito de prefaciar meu depoimento sobre a
análise econômica e suas conclusões. Estou seguro de que aqui trataremos
de matérias que não são sujeitas a demonstrações matemáticas
inequívocas ou a resultados possíveis nos laboratórios das ciências
naturais.
Os dados com os quais trabalhamos são sujeitos a erros
com margens variáveis. Os métodos com os quais os analisamos são
imperfeitos. Logo, as conclusões a que chegamos são inevitavelmente
tentativas.
O papel do economista no seu esforço para interpretar
as tendências econômicas será, se ele for honesto, muito modesto.
Vivemos num mundo perigoso. É perigoso agir e perigoso não agir. É
perigoso dar conselhos e seria mais fácil tentar escapar dessa
responsabilidade recusando-se a fazê-lo.
Eu gostaria de pedir-lhes que tenham em mente desde o
início que todas as pesquisas nesta área devem ser feitas com muita
humildade. Dizer-lhes que há lugar para outras competentes e honestas
opiniões, tanto com relação às tendências econômicas atuais quanto para a
adequada solução de nossos problemas.
Pois bem, 77 anos depois desse
depoimento, a situação não é muito diferente. Os nossos dados continuam
sujeitos a erros e os nossos métodos, mesmo com o desenvolvimento da
matematização e os avanços da econometria, continuam “imperfeitos”.
Logo, discutir as decisões do Banco Central não é apenas possível, mas, provavelmente, necessário.
- Pode a declaração do presidente do BC, Alexandre Tombini, ser considerada uma heresia só porque “não há evidência na história de que o BC do Brasil tenha feito isso antes”? Pode o simples fato de ter visitado a presidenta da República ser suficiente para afirmar que “o BC perdeu o que lhe restava de credibilidade”?
Não é possível que ele tenha ido até ela para expor os
problemas do mundo? Pode alguém invocar uma inexistente “ciência
monetária”, para dizer que “foi grave erro decepcionar o mercado” não
aumentando a taxa Selic? Poder, pode!
Mas tem de reconhecer, também, que ela produziria, como
efeito colateral, o aumento da relação dívida pública/PIB, cuja dinâmica
é preocupante; que já há uma tendência ao aprofundamento do desemprego e a magnitude da correção de preços já processada não se repetirá em 2016.
Com um desemprego da ordem de 10 milhões de trabalhadores e as ameaça do agravamento do quadro fiscal, é difícil imaginar que apenas a política monetária do Banco Central possa “salvar o Brasil”.
Talvez o Boletim Focus revele um aumento na
expectativa de inflação. Mas não é possível esquecer que a semana
encerrada em 23 de janeiro revelou fenômenos novos e assustadores que
estão ocorrendo no mundo em que estamos inseridos.
“Vivemos num mundo perigoso”, como disse o prof. Hansen.
Tombini deve ter se assustado não com a previsão sobre o Brasil, não
muito diferente da do nosso Banco Central, mas com o que se vê no mundo,
que, como de costume, será muito diferente do que prevê o FMI.
E o que se vê é um aumento da probabilidade de um agravamento da crise no segundo semestre de 2016!
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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