COMO SALVAR A SIDERURGIA?
Depois de mais de 100 mil anos de experimentação na sua aventura para ocupar o mundo, as várias tribos do Homo sapiens-sapiens encontraram, através de uma seleção histórica quase natural, uma particular organização social a que chamam de “civilizada”.
É uma sociedade que combina a relativa liberdade individual, que empodera na urna (a democracia) o cidadão para a redução das desigualdades e gera relativa eficiência econômica pelo uso de mercados bem regulados.
Cada tribo procura três autonomias: alimentar, energética e
uma capacidade de defesa dissuasiva, que lhes garantem o
desenvolvimento, a troca pacífica entre si e a paz no longo prazo. Está
implícita na nossa Constituição de 1988.
Que decisão os brasileiros precisam tomar agora, se
desejam conservá-la? Exigir que o governo assuma as suas
responsabilidades e apoiá-lo no convencimento da sua “base”, o PT, sobre
a necessidade urgente de aprovação das reformas institucionais que
estabilizarão a situação fiscal no longo prazo e produzirão o desenvolvimento.
Mas há problemas de curto prazo que exigem ação imediata.
Por exemplo, nos últimos anos perdemos a produção de alumínio, onde
nossas vantagens relativas eram imensas, e a do níquel, em que a
tecnologia era aquela do estado da arte.
Estamos agora a assistir, perplexos, à mesma paralisia
governamental levar à destruição o setor siderúrgico nacional, cuja
demanda desabou em 2015. O governo finge esquecer que nos últimos 20
anos estimulou a importação da China para controlar a inflação.
Roubou-lhe, lentamente, as condições isonômicas de
competição que tinha: tributação moderada, taxas de juro e de câmbio
reais competitivas, desoneração completa dos impostos na exportação e
razoável tarifa efetiva.
Existem, ainda, idiots savants que creem que a China
é uma economia de mercado que exporta ao custo marginal? Ou que seus
preços de exportação vão continuar os mesmos quando destruir seus
competidores?
A siderurgia
não é uma indústria qualquer. Uma nação com 200 milhões de habitantes,
11 mil dólares de renda per capita em paridade de poder de compra e mais
de 100 mil empregos diretos na siderurgia (são cerca de 3 milhões,
entre diretos e indiretos), não pode dar-se ao luxo de perdê-la, porque
com ela irão partes importantes da nossa autonomia alimentar, energética
e militar. O setor é altamente complexo.
Mas não há dúvida de que, no chão da fábrica, o nosso é
competitivo. Se considerarmos o nível da capacidade e as tecnologias,
não somos muito diferentes da Alemanha ou da Turquia. Do portão da
fábrica para fora, entretanto, onde se depende do governo, a situação é
desastrosa!
Não há como competir com a China, uma
economia basicamente estatizada num setor com incontáveis distorções de
preços que nada têm a ver com os de mercado. Em 2003, ela produzia 220
milhões de toneladas de aço bruto, 23% da produção mundial, e em 2014
produziu 823 milhões de toneladas, 49% da produção mundial.
No mesmo período, suas exportações de aço
passaram de 7,4 milhões de toneladas para 93 milhões, três vezes a
nossa produção, graças a artifícios que todos fingem não ver.
Certamente, não por conta da mítica eficiência dos seus burocratas, mas
pelo efeito do subsídio adicional visível, que, só em 2015, foi da ordem
de 10 bilhões de dólares!
Que em Brasília nessum dorma! Nas próximas semanas,
o setor precisa de um programa ágil e inteligente, que lhe permita, no
curto prazo, operar em torno de 85% da capacidade, uma demanda total da
ordem de 40 milhões de toneladas, ao nível de preços internacionais
sustentáveis no médio prazo; que altere as tarifas efetivas para reduzir
a quantidade de aço importado e que estimule fortemente as exportações
com prazos e juros internacionais.
O setor não precisa de subsídios, mas apenas da volta das condições isonômicas de competição que lhes tiramos!
Não será fácil. Mas a relação
custo-benefício é tão pequena e a siderurgia tão importante, que vai
excitar a responsabilidade ativa e o senso de urgência do governo.
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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