sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

LUCROS GRANDES DEMAIS?


Um deserto é a melhor descrição para o panorama econômico brasileiro em 2015. Um espaço árido e inóspito, onde quase nada prospera. A produção industrial recuou 8,3% no ano passado, a maior queda em 12 anos. Nesse cenário agreste, porém, há um oásis verdejante: o dos grandes bancos privados. Juntos, os três líderes privados – Itaú Unibanco, Bradesco e Santander – lucraram R$ 47,8 bilhões no ano passado, um crescimento médio de 15% ante 2014.

Apesar de serem altamente tributados (30% em média) e fortemente fiscalizados, eles tiveram uma rentabilidade patrimonial média de 18,5%, de fazer inveja aos industriais brasileiros e a muitos banqueiros de outros países. Isso quer dizer que os acionistas dos bancos ganharam quase 19 centavos para cada real de capital investido. Nos Estados Unidos, esse retorno foi de 8,2% nos 12 meses até 30 de setembro. O setor bancário vem sendo um dos mais rentáveis da economia brasileira.

Bancos lucrativos e sólidos são indispensáveis para qualquer país. Afinal, ninguém quer ver seu dinheiro derreter ou sumir num banco mal administrado e liquidado pelo Banco Central, como aconteceu muitas vezes no passado. Mas até que ponto os ganhos dos bancos não são excessivos e obtidos às custas de cobranças exageradas de juros e tarifas das pessoas e empresas? Na terça-feira 2, na entrevista coletiva em que comentou o balanço de 2015, Roberto Setubal, presidente e CEO do Itaú Unibanco, comemorou os resultados, mas de maneira comedida.

“Estamos colhendo os frutos de um trabalho de ganho de eficiência que começou em 2012”, disse ele. Mas alertou que os próximos números poderão ser menos brilhantes. “O cenário econômico está difícil, esperamos uma alta da inadimplência, e será difícil manter esse desempenho”, disse ele. Bradesco e Santander, que divulgaram seus números no fim de janeiro, foram pela mesma linha. Ninguém duvida, porém, que os resultados referentes a 2016 continuem vistosos, mantendo os bancos na preferência de analistas e investidores em ações.

Essa pujança imutável tem algumas explicações. Os lucros, obviamente, são bilionários devido ao tamanho do negócio em si e do elevado capital das instituições. Os banqueiros geralmente não gostam de admitir, mas eles desfrutam de um quase monopólio no crédito, já que as formas não-bancárias de financiamento ainda são pequenas por aqui. No Brasil, emprestar dinheiro é um negócio grande e lucrativo. Segundo o Banco Central (BC), em dezembro de 2015, as pessoas e as empresas brasileiras deviam R$ 3,2 trilhões ao sistema bancário.

As taxas de juros do cheque especial, em média, superam 270% ao ano. No capital de giro, são de 45%. No cartão de crédito, passam de 430%. Diante de uma inflação de 10,5% em 2015 e juros básicos (Selic) de 14,25% ao ano, são taxas disparatadas. A diferença entre o que o banco cobra pelo dinheiro e paga por ele, conhecida como spread, é de 18,7%. O spread para as empresas é de 10% e o das pessoas físicas é de 26,7%. Essa margem elevada vem subindo, apesar da crise atual na economia. Em dezembro de 2013, o spread bancário era de 13,8%. Numa conta simples, os bancos ganham R$ 600 bilhões por ano com crédito.

Além de cobrar bem, os bancos vêm tendo uma ajudinha sistemática do governo, diz Roberto Troster, ex-economista-chefe da Febraban, entidade que representa o setor, e especialista no sistema financeiro. “No ano passado, o governo, por meio do Banco Central, gastou quase R$ 90 bilhões com os swaps cambiais, para estabilizar as cotações do dólar”, diz ele. “Quase todo esse dinheiro gasto pelo BC foi ganho pelas tesourarias de bancos, que apostaram em uma depreciação do real.” Os bancos contratam os melhores economistas e técnicos do mercado exatamente para poder prever as oscilações da economia e lucrar com elas.

Nem sempre dá certo, mas a taxa de erros é bastante baixa. Outra vantagem dos bancos é que eles são os grandes pagadores e cobradores nacionais. Ninguém vai pagar uma conta de luz diretamente no caixa da concessionária. Não por acaso, Setubal destacou o crescimento das receitas de serviços no resultado do Itaú: R$ 34,7 bilhões, incluindo os ganhos com seguros, uma alta de 9,9% ante 2014. Nesse cenário, aumentam as discussões sobre uma maneira de romper, ou pelo menos atenuar o quase monopólio dos bancos em alguns serviços.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão responsável pela livre concorrência no mercado, tomou duas decisões nesse sentido nas últimas semanas. No fim de janeiro, a autarquia recomendou que Itaú Unibanco e MasterCard não avançassem no processo de montar uma joint-venture para lançar uma nova bandeira de cartões. No início de fevereiro, em uma decisão preliminar, o Cade vai realizar estudos sobre o impacto da compra do britânico HSBC pelo Bradesco, já aprovada pelo Banco Central.

“Há um entendimento de que o sistema financeiro é muito concentrado”, diz a advogada Ana Frazão, ex-conselheira do Cade e especialista em legislação anticoncorrencial (leia entrevista ao lado). Não será um processo simples, mas, na prática, essas decisões do Cade sugerem que os lucros dos bancos podem ser grandes demais. Sobre esse tema, eles não se manifestam. Procurados pela DINHEIRO, Itaú Unibanco, Bradesco, HSBC, Santander Brasil, Mastercard, Febraban, Cade e Banco Central não concederam entrevista.

“O setor bancário é muito concentrado”

Especialista em legislação anti-concorrencial, a advogada brasiliense Ana Frazão foi conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) até o fim de 2015. Ela avalia que as decisões que impedem negócios, como a que envolveu Itaú e MasterCard no fim de janeiro, devem continuar ocorrendo. Quem ganha é o consumidor, que terá mais possibilidades de escolha. Abaixo, trechos da entrevista:

O Cade não aprovou uma operação entre Itaú e MasterCard. O Conselho está mais rígido? 
 

Não. Esses casos em que aparecem empecilhos às operações viram notícia exatamente porque são raros. A maior parte das operações é aprovada. Só há entraves em uma minoria dos casos, normalmente os mais complexos.

Qual o sentido de impedir uma transação entre empresas?
 

Falando em termos genéricos: no caso de concentrações muito elevadas em nichos específicos de mercado, o objetivo do Cade é tentar aproveitar o que a transação traz de bom e evitar que ela impeça os concorrentes de rivalizar. Assim, é uma atitude deliberada de impedir que a empresa atue em determinado segmento, permitindo aos concorrentes ganharem força para disputar aquele nicho de mercado.

Por que impedir a operação? 
 

Eu prefiro não comentar casos específicos, mas o que ocorreu nesse episódio foi algo normal. O que todos sabemos é que o setor bancário é muito concentrado no Brasil. Então é normal e compreensível que as operações nesse mercado acabem provocando esse tipo de preocupação por parte do Conselho.

Essa atuação não entra em conflito com o Banco Central? 

 

Não. Em mercados regulados, como o financeiro, uma operação pode trazer problemas tanto regulatórios, que é o campo do BC, quanto concorrencial, que é o assunto do Cade. Eu entendo que não há choque de competências. O BC avalia a solidez do mercado financeiro e o Cade avalia a concorrência. As análises e as metodologias de ambos são muito diferentes.

Fonte: Isto É Dinheiro
Por: Cláudio Gradilone


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