O QUE EXISTE E O QUE NÃO EXISTE
É
verdade que a economia está longe de ser uma “ciência”, mas ainda mais
longe de ser um conhecimento dispensável que pode ser substituído pelo
charlatanismo experimental voluntarista e inconsequente. Não é possível
ignorar que o tipo de conhecimento que se organizou sob o nome de
economia é um conjunto de restrições físicas, algumas invariantes com
relação à natureza da organização social. Por exemplo, a dívida interna
não é criação de “novo” recurso. É transferência voluntária de recurso
do setor privado para o setor público em troca de juros. Frequentemente,
antecipa o aumento de impostos, uma transferência obrigatória. Isso
vale tanto no regime de capitalismo “real”, quanto no socialismo “real”.
Não vale, obviamente, no socialismo “ideal” sugerido por filósofos
menores bem instalados no serviço público e garantidos pelos direitos
“adquiridos”...
O desenvolvimento econômico não é um
fenômeno puramente econômico. É um fenômeno termodinâmico controlado por
forças humanas que se imaginam separadas da natureza. Um grupo humano
se apropria de um espaço físico e o defende como seu, concentra a
energia nele dispersa (água, lenha, carvão etc.) e a dissipa
transformando os recursos naturais nela existentes nos bens e serviços
de que ele necessita para sustentar-se e crescer. À medida que tem
sucesso, cresce o seu número, aumentam e refinam-se suas necessidades e
ampliam-se exponencialmente as dificuldades de coordenar a atividade de
milhares de eventuais produtores para atender à totalidade dos
trabalhadores e consumidores. A necessidade dessa coordenação é outro
invariante com relação à forma de organização da sociedade: se
capitalismo “real” ou socialismo “real”. De novo, no socialismo “ideal”;
felizmente, ele não existe porque, infelizmente, aquele também não
existe!
Os problemas de coordenação são os mesmos
em qualquer sociedade. A antropologia mostra que os homens tentaram
resolvê-los ao longo da história pelos mais diversos mecanismos
centralizados (um soba, um feiticeiro, um sacerdote, um guerreiro, um
bandido, um papa, um santo, um rei, um profeta, um partido milenarista
ou um partido portador do futuro), sempre com resultados
insatisfatórios. Enquanto forem o que são: diferentes, e enquanto nem
mesmo a longa privação da liberdade se revelar capaz de incorporar no
seu DNA (a hipótese lamarckiana) um comportamento comunitário
instintivo, continuarão a sê-lo.
O caminho que o Brasil escolheu na Constituição de
1988 foi construir um Estado forte, mas constitucionalmente limitado.
Deve garantir as condições de eficiência dos mecanismos de mercado para a
solução descentralizada dos problemas de coordenação a que nos
referimos acima, mas capaz também de regulá-los para impedir que o uso
abusivo do seu poder econômico (que está no DNA do capital) controle o
poder político.
O discurso que Dilma fez em 2 de outubro
foi, na minha opinião, o melhor que ela já fez. Algo próximo de um
mea-culpa, que transmitiu honesta tranquilidade. Objetivo e com sinais
evidentes que não só internalizou a gravidade da situação, mas também a
necessidade de reassumir o seu protagonismo para o bem futuro de um país
civilizado. Aos nossos ortodoxos e heterodoxos eu diria que, talvez,
seja hora de comprar Brasil...
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netoo
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