DE VOLTA AO RURAL
O comodismo dos analistas em folhas e telas
cotidianas e aquelas cinco linhas no Facebook que esclarecem questões há
séculos pendentes no planeta, Brasil em particular, fazem o agronegócio
ser visto do alto, assim como Paulinho da Viola viu a Mangueira parecer
um céu no chão.
Nas últimas cinco décadas, houve brutal
despovoamento no campo, com aumento da concentração de pobreza em áreas
urbanas. Um processo inerente à sucessão de ciclos do capitalismo,
sobretudo em países pobres e emergentes.
Parte da solução deve vir de ações do
Estado, parte já ocorre em formas autônomas e descentralizadas de
desenvolvimento. Daí a necessidade de entender as mudanças no setor
agropecuário com lupa.
É possível notar movimentos reversos de
fragmentos ricos e pobres da sociedade rumo ao mundo rural. O fato não
se restringe ao Brasil, mas também a outros gigantes agrícolas. Nos
Estados Unidos pós-perrengue do fim da década passada, o campo foi o
primeiro a reagir de forma positiva, o que fez muitos jovens voltarem à
agricultura.
Na China, o papo é diferente, mas dá no
mesmo. Zonas urbanas, cada vez mais inchadas e sem aparelhagem social
para atender 54% do 1,35 bilhão de pessoas que lá trabalham, pretendem
devolver para “estágio” no campo 270 milhões de seres em terras que o
governo antes lhes cedia, porém sem autorização de venda.
No Brasil, os principais motores da
reversão são a modernização tecnológica em busca de produtividade e
lucro e as mudanças importantes no perfil das famílias.
Nas duas últimas décadas, vários fatores
fizeram o agro defrontar-se com problemas de mão de obra similares aos
dos demais setores da economia. Escassez pelo aumento da oferta de
empregos com carteira assinada nas zonas urbanas, maiores custos com os
requisitos da legislação trabalhista, idealização do conforto urbano
informado pela tevê, redução no tamanho médio das famílias colonas,
envelhecimento dos outrora ocupados com lavouras são alguns deles.
Ao mesmo tempo,
a intensificação tecnológica condicionou os produtores à
especialização. Escolher entre variedades de sementes, certificar-se dos
benefícios da transgenia, analisar mapas e planilhas da agricultura de
precisão, usar produtos específicos em cada fase do crescimento vegetal,
operar máquinas e implementos de altos valor e potência, combinar ou
não os usos de agrotóxicos e controles biológicos, decidir entre
precocidade e retardamento da comercialização.
Com a vida nas grandes metrópoles se
deteriorando ao ponto do insuportável e novos polos urbanos, menores e
regionais, formando-se em torno de regiões agrícolas, cada vez mais bem
aparelhados social, educacional e culturalmente, criou-se um movimento
reverso de profissionais capacitados e herdeiros familiares, inclusive
mulheres, em direção ao campo.
Depois de um período nas metrópoles,
esses migrantes passaram a questionar a valia de emprego com patrão,
ameaças de desemprego, o estresse e o custo urbano, comparando-os à
maior autonomia, vida perto da natureza e o sentimento atávico de
pertencimento, perdidos na migração.
Acrescente-se que voltar ao trabalho
rural qualificado não exclui acesso às redes digitais, contato com o
entretenimento ou morar em cidades próximas. Estatísticas mostram que
perto de 50% dos que trabalham em lavouras habitam zonas urbanas,
considerados o maior acesso à mobilidade, pela ampla malha de estradas
vicinais, e o crescimento na aquisição de veículos motorizados. Essa
tendência não aparece apenas em estatísticas e estudos acadêmicos. Quem
mora nessas regiões sabe que assim é. Eu, em Andanças Capitais, também.
Sobrevive, hoje em dia, um olhar
deformado sobre a agropecuária e seus sucedâneos no agronegócio.
Precisamos de um olhar heterogêneo. Perceber as assimetrias profundas
que coexistem no mundo rural, todas passíveis de rearranjos pelos
principais atores sociais na direção de um capitalismo equilibrado e
menos selvagem.
Que não se pense em estudos acadêmicos
muito complexos ou profundos. Estes servem a construir currículos e não à
prática. Como no antigo curso primário, usem as Cartilhas 1 e 2. Na
primeira, os capítulos referem-se às regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste
do País. Professora, a dona Iniciativa Privada. A segunda é dedicada ao
Norte e Nordeste. Leciona o professor-doutor Estado.
Na formatura, talvez após uma década,
vocês encontrarão a maior potência agropecuária do planeta e felizes
cidadãos pescando à beira de riachos límpidos. Licença, pois. Vou andar por aí, perguntar por aí, pra ver se eu encontro a paz que perdi (Newton Chaves, 1964).
Fonte: CartaCapital
Por Rui Daher
Por Rui Daher
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