terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

DE MÃOS DADAS COM O INIMIGO


Ao impingir uma derrota acachapante ao candidato do governo Arlindo Chinaglia (PT/SP), no dia 1º de fevereiro, o deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) chegou ao comando da Câmara dos Deputados com “uma peça de chumbo na sola do sapato”, capaz de derrubar qualquer porta. Foi assim que o líder do PT na Casa, deputado Sibá Machado (AC), se referiu ao novo presidente da Casa, considerado um “trator” na hora de tocar as pautas de seu interesse. Na segunda-feira 2, o constrangimento dos governistas era visível na expressão do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que levou ao Congresso a mensagem da presidenta Dilma Rousseff.

O governo defende os ajustes na economia, para “preservar o emprego e a renda”, e atribui o cenário difícil deste ano à conjuntura internacional. Mas a aprovação dos projetos passa pelas mãos do desafeto Cunha, considerado, segundo assessores do Planalto, o “malvado favorito” da presidenta. “A gente ganha, a gente perde, mas o importante é manter o diálogo e a disposição de construção de uma agenda que o País precisa”, disse Mercadante. Num contexto de contas mais apertadas, a contribuição do Congresso na aprovação de medidas de ajuste será fundamental.

No Senado, a reeleição do peemedebista Renan Calheiros (AL), aliado que, no ano passado, ajudou a barrar a votação de medidas que não interessavam ao governo, dá ao Executivo uma certa tranquilidade. Porém, a oposição, liderada por Aécio Neves (PSDB/MG), promete endurecer o jogo. Mas o mesmo não se pode dizer de Cunha, que se elegeu com o discurso de uma atuação mais independente em relação ao Palácio do Planalto. Nos primeiros dias no comando da Câmara, ele já mostrou que pretende acelerar a votação de projetos – especialmente os que são do interesse dos deputados.

O exemplo mais visível foi a criação de uma comissão para analisar a reforma política, apesar da falta de consenso sobre como deve ser o novo sistema, e a criação de uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a Petrobras, agora sob nova presidência (leia reportagem aqui). Se, por um lado, o estilo agressivo do presidente pode aumentar a produtividade do Congresso, por outro pode inflar os custos da máquina pública. Várias das suas promessas de campanha implicam novos gastos para o Parlamento ou para o governo federal.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Orçamento Impositivo, que obriga o governo a liberar verbas para as emendas que os congressistas fazem ao Orçamento, é uma das dores de cabeça. No ano passado, a obrigatoriedade ficou restrita às emendas individuais, mas Cunha quer ampliá-la para as emendas coletivas e de comissões, o que provocaria um impacto bilionário aos cofres públicos. A pauta bomba em tramitação no Congresso também inclui reajustes para várias categorias, redução de contribuição previdenciária para aposentados e vinculação dos salários dos parlamentares aos do Supremo Tribunal Federal.

Cunha garante, no entanto, que não vai prejudicar o ajuste fiscal em curso. “Minha postura, não só agora, mas como líder do PMDB, sempre foi combater qualquer coisa que impeça o País de controlar suas contas públicas”, disse o peemedebista, na quinta-feira 5. Preocupada, a cúpula do Planalto já procura lamber as feridas provocadas pela cisão na base aliada durante as eleições. Na tarde da quinta-feira 5, a presidenta Dilma recebeu Cunha em seu gabinete por cerca de uma hora e meia, ao lado do vice-presidente Michel Temer e de Calheiros. Durante a semana, Cunha havia enviado o recado de que esperava ser chamado para um encontro no gabinete presidencial.

O governo busca a “governabilidade”, palavra tantas vezes usada para justificar a concessão de cargos e verbas em troca de apoio da base nem sempre tão aliada assim. “A disposição dele (Cunha) é realmente colaborar com o Executivo”, diz Temer. Nos bastidores, o vice-presidente da República, que acumula o cargo com o comando do PMDB, vai funcionar como um equilibrista, acalmando os ânimos do correligionário e tentando promover a harmonia entre os dois Poderes. Na avaliação de Rafael Cortez, da consultoria Tendências, um presidente da Câmara mais alinhado com o Executivo ajudaria a bloquear a pauta mais expansionista, de gastos que não interessam ao governo.

Foi o que aconteceu nos últimos anos. “A pauta bomba é quase um estado permanente, tem muita matéria desse tipo pronta para votar”, diz Cortez. O acúmulo de problemas políticos e econômicos enfrentados pela presidenta Dilma também ajuda a fortalecer a posição negociadora do Congresso. Ao mesmo tempo que precisa evitar a votação de pautas que representem aumento de gastos, o governo tem de se esforçar para conseguir a aprovação das matérias de seu interesse, que ajudem no equilíbrio das contas públicas. Aprovar as medidas provisórias 664 e 665, que mudam as regras de concessão de abono, seguro-desemprego e pensões por morte, e devem produzir uma economia de de R$ 18 bilhões por ano, é outro desafio.

“Duvido que exista ânimo no Congresso para aprovar qualquer coisa que não seja muito bem explicada”, diz o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que acompanha os assuntos econômicos. O paranaense reclama da falta de disposição do governo em discutir as medidas do pacto federativo, que vão nivelar o ICMS dos Estados para acabar com a guerra fiscal, dividir o imposto cobrado no comércio eletrônico entre os locais de destino e origem e reduzir os juros da dívida dos Estados. A piora da conjuntura econômica, diz ele, aumentou a pressão vinda dos próprios eleitores, que cobram dos parlamentares que não aprovem aumento de impostos ou corte de benefícios. É um jogo de interesses conflitantes, que terá como mediador o novo presidente da Câmara.

Fonte: Isto É Dinheiro
Por: Carolina Oms e Denize Bacoccina


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