segunda-feira, 26 de setembro de 2011

POR JOSÉ ROMERO*


SÃO MICOLAU: NOTAS SOBRE O FAMIGERADO CAMPO DE TORMENTAS ESTRUTURADO POR PORTUGAL EM PLENO DESERTO ANGOLANO


O colonialismo português em Angola vigorou de 1482 a 1975, quando a revolução dos cravos, a qual marcou a derrocada do Salazarismo instituído a partir de 1932 em Portugal, finalmente permitiu a independência do sofrido território colonizado por Portugal no continente africano, em razão que Marcelo Caetano, sucessor de Antônio de Oliveira Salazar, era deposto pelas forças armadas lusitanas.

Os portugueses usaram vários artifícios a fim de garantir o controle sobre Angola e sua população, bem como sobre os espaços dominados, os quais compreendiam também Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

A mais absurda e desumana de todas as estruturas impostas pelo colonialismo português com certeza foi o famigerado campo de concentração de São Nicolau, localizado na porção sul de Angola, na província de Namibi, em pleno deserto marcado pelos contrastes das oscilações térmicas.

O campos de concentração de São Nicolau foi construído após a segunda grande guerra, provavelmente inspirado na nefasta experiência nazista , pois era conhecida a simpatia nutrida por Salazar para com os regimes totalitários de extrema-direita instituídos por Adolf Hitler, a partir de 1933, e por Benito Mussollini,  partir de 1922, respectivamente na Alemanha e na Itália. 

Para garantir a ordem e os interesses portugueses, foi dada carta branca à famigerada Polícia Interna de Defesa do Estado (PIDE). Sevícias, torturas ignominiosas, seqüestros, fuzilamentos sumários e julgamentos totalmente injustos tornaram-se corriqueiros, pois celebrizaram-se as famosas batidas e investidas realizadas pelos agentes portugueses a serviço do aparato repressivo lusitano, intuindo aprisionar rebeldes e contestadores do regime estabelecido por Antônio de Oliveira Salazar.

Católico convicto, Salazar não teve dificuldades em colocar a Igreja e os Padres portugueses a serviço de seus ideais nefandos. Confessionários possuíam linha direta com a sede do PIDE. Muitas denúncias e diversos desaparecimentos foram realizados depois da quebra Dio sigilo da confissão. Essa aberração aconteceu não apenas em Angola, mas em todas as colônias portuguesas no continente africano. Diversos militantes de movimentos nacionalistas foram executados em razão de terem acreditado nas “boas intenções” de alguns clérigos lusitanos desprovidos de necessária ética, tanto moral como religiosa.

Invariavelmente, prisioneiros eram enviados para o campo de tormentas de São Nicolau. Milhares jamais voltaram para suas famílias, pois as torturas, a fome, as execuções banais e o abalo físico-psicológico, bem como os efeitos provocados pelas diferenças das temperaturas observadas durantes os dias, quando excedem os cinqüenta graus Celsius, em contraste com as noites extremamente frias, responsabilizaram-se por profundo trauma sofrido pela população angolana, antes da independência, tendo em vista os rumos e a proporção assumida pela violenta guerra civil que ocorreu após a libertação de Portugal, a qual colocou em capôs opostos antigos aliados, cujos grupos eram liderados por Agostinho Neto e por Jonas Savimbi.

Vale salientar que as extraordinárias reservas de pedras preciosas ocultas no sub-solo angolano serviram para financiar um dos piores massacres já registrado na história recente do continente africano, pois diamantes, esmeraldas, rubis e outras gemas de grande valor no mercado externo eram trocadas por armas de grande poder de destruição. A guerra civil angolana se notabilizou pelos números impressionantes de mortos em razão que armamentos modernos foram utilizados indiscriminadamente.

O campo de concentração de São Nicolau foi, indubitavelmente, umas das piores marcas do sanguinário regime Salazarista no continente africano, sendo responsável por lembranças amargas para a população angolana, as quais infelizmente ainda persistem no presente, razão pela qual um dos mais importantes momentos da história desse país africana vem sendo observado quando da luta de homens lúcidos como Frei Hans Stapel e Nélson Giacomelli Rosendo em prol da edificação de uma Fazenda da Esperança visando recuperar àqueles que estão sendo infelicitados pelas seqüelas terribilíssimas da luta deflagrada entre irmãos.

O cinismo português chegou ao ponto de tomar como patrono daquele centro de tormentas um homem que em vida realmente serviu aos propósitos pregados por Cristo, destacando-se a caridade e o amor ao próximo que foram marcas indeléveis da existência de São Nicolau, tendo em vista que o mais famoso campo de concentração mantido pelo colonialismo lusitano em território angolano primou por ser de fato verdadeira “sucursal do inferno” com o explícito e inequívoco objetivo de infelicitar de mil maneiras as vidas de seres humanos marcados pela ênfase ao ódio, ao preconceito e à indiferença à vida humana enquanto marcas registradas da longa vigência do domínio de Portugal sobre Angola.

* José Romero Araújo Cardoso, geógrafo, professor-adjunto da UERN.


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