sábado, 14 de maio de 2011

POR DEMÉTRIUS DE OLIVEIRA MARQUES*



 OS (DES)CAMINHOS DA UERN


Como profissional formado pela UERN, vejo com tristeza a imagem que passamos atualmente para a sociedade. Imagem de desorganização, de ineficiência, de inépcia e de falta de sintonia que comunicamos à sociedade.

Em meio a uma luta, justa, diga-se de passagem, pela melhoria salarial, nosso poder de convencimento é pequeno diante do reflexo que deixamos escapar para a sociedade. Somos vistos lá fora como uma Universidade de baixa qualidade, com professores irresponsáveis e preguiçosos, que não se preocupam com o seu dever, mas que não esquecem nunca de cobrar os seus direitos através de greves longas e prejudiciais. Somos criticados porque não oferecemos a contrapartida devida à sociedade e porque não estamos nem aí para a verdadeira produção científica, àquela capaz de produzir conhecimento aplicável à melhoria da qualidade de vida das pessoas e da sociedade como um todo. Sei que boa parte disso não é a verdade absoluta, mas como diz a célebre frase, uma imagem vale por mil palavras. E essa é a imagem que reproduzimos para a sociedade.

Bom, mas isso não é deformidade exclusiva da FACEM, é infelizmente da UERN como um todo.

Nossos alunos nos criticam veladamente nos corredores e muitas vezes fingimos que não ouvimos. Continuamos a chegar atrasados, a dar aulas pela metade e a ministrar um conteúdo pobre, caduco e inservível para a aplicação na prática, já que só se baseia em livros amarelos construídos a milhares de quilômetros daqui. Repetimos com o peito cheio que se não pudermos dar aula, pelo menos devemos assinar o ponto. Isso feito, teremos cumprido com a nossa obrigação institucional.

Alguns alunos chegam a desferir suas críticas justas face a face com o próprio professor, como já foi testemunhado e reproduzido, mas quase sempre o docente põe a culpa no sistema, no governo do estado e/ou na administração da Universidade. "Tira o seu da reta" e o problema continua.

O problema é que fruto de uma expansão rápida e da conquista de representatividade política, social e econômica em nível estadual, a UERN ainda é administrada como no passado, uma Universidade pequena em um ambiente estável e com um público pouco exigente. Uma Universidade do interior para quem não tinha outra chance de cursar ensino superior.

Parece que ainda não caiu a ficha e não percebemos que estamos vivendo um novo tempo, em que a UERN é a maior (em termos de presença em todas a regiões) Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, é a única Univesidade Pública estadual, mas disputa escassos recursos com grandes instituições e enormes demandas sociais. Além disso está vivendo a época da competitividade exacerbada e da informação em tempo real, fatos que a colocam em situações de comparabilidade a todo instante.

Para complicar mais as coisas, a UERN vive imersa em um caldo político intenso, de interesses partidários, governamentais e à mercê de ideologias míopes cujas finalidades são dignas de desconfiança.

Precisamos acordar para a ideia de que vivemos em um ambiente competitivo. E não é porque somos públicos que não estamos competindo. Competimos com a UFERSA, com a UnP, com a Mater Christi, com a FACENE, com a UFRN e tantas outras instituições que com seus sistemas próprios de seleção e captação de alunos estão a buscar os melhores cérebros, que é o principal capital de uma Universidade. São os melhores cérebros que produzem conhecimento, que publicam, que atraem com projetos recursos raros e caros para o financiamento da modernização da Universidade. Nesse cenário, não podemos nos furtar à competição, à concorrência. Precisamos acordar para essa realidade. Alunos bons são a matéria prima básica para tal obra, são eles que fazem ecoar na sociedade a relevência da Universidade, seus Cursos e o investimento que nela é feito.

Mas em nenhuma organização do mundo os níveis mais altos de produtividade foram conquistados com técnicas gerenciais meramente burocráticas, lentas, centralizadas e pouco inteligentes. Não será na UERN que isso acontecerá.

Enquanto os Departamentos funcionarem como estruturas menores e com uma falsa autonomia administrativa e padagógica; enquanto as Faculdades atuarem de forma centralizadora e pouco eficiente; enquanto a gestão não definir objetivos claros e monitorar através de sistemas eficazes a evolução da implementação dos planos, oferecendo suporte e recursos, viveremos a Universidade de faz de conta: cara, ineficiente, feia aos olhos do mundo e sem futuro.

Não é a toa que os líderes, Chefes de Departamentos e Direção de Faculdade, não raramente são confundidos como pessoas que nunca são vistas, que trabalham menos que os outros e que não dão resultado nenhum. Visão essa que, inclusive, é compartilhada pelos nossos próprios colegas professores. Perguntam: "Em que a ação do diretor influencia claramente o rendimento do professor em sala de aula? Em que a ação do Chefe de Departamento claramente influencia o rendimento do professor em sala de aula? Em nada, absolutamente nada."

Quando passei no concurso da UERN, fui trabalhar em Pau dos Ferros. Antes já era funcionário da UnP. Não senti diferenças, a não ser a falta dos climatizadores e das salas grandes do Diocesano. Mas no pequeno Campus (na época, hoje a referida unidade mais que dobrou de tamanho), havia suporte ao trabalho do professor, havia um ambiente administrativo moderno e uma liderança com propósitos claros.

Operacionalmente funcionava mais ou menos como passo a relatar-lhe com alguns exemplos. Com um ou dois projetores multimídia existentes, quando marcados com antecedência, eram instalados na sala de aula para o professor por um técnico. Não havia o corre corre em busca de extensões, adaptadores, busca por projetores perdidos, chaves que ninguém encontra. Ao final era o técnico que vinha desmontar, encaixar e guardar o equipamento. Acredite, isso era na UERN.

As cópias não eram feitas na Secretaria ainda naquele tempo, mas ao chegar na Unidade uma funcionária já estava à postos, bem antes do início do expediente, para que todo professor tivesse à mão aquilo que precisava.

Havia falta de materiais básicos, como pinceis e apagadores, mas os mesmos eram distribuídos no início do semestre para os departamentos, estes eram organizados em kits com os nomes dos professores e eram entregues com a clara indicação que deveriam ser zelados e poupados, devido a escassez do recurso.

Já no campo administrativo, posso enfatizar os seguintes pontos: o controle de frequência dos professores e da carga horária ministrada era feita no Departamento. Havia também no Departamento a presença de alunos, já que era lá que eles encontravam solução para os problemas que surgiam no decorrer do curso. O chefe era uma pessoa presente para resolver as pendências rotineiras do labor pedagógico. Quando havia faltas de docentes, as comunicações eram feitas com antecedência e o chefe com a secretária corria atrás de um encaixe para que os alunos não ficassem sem aulas. Se reduzia muito o fenômeno "aula vaga".

Havia ainda reuniões semanais de um fórum de chefes com a direção do Campus. Lá tudo era discutido, problemas originados por professores de atuação interdepartamental, problemas de infraestrutura, soluções pedagógicas e/ou administrativas que já tinham sido adotadas por outros chefes e/ou professores, cumprimento de tarefas oficiais da UERN, etc. Era a oportunidade da diretora escutar, tomar decisões, direcionar o trabalho. A coisa fluía, funcionava, apesar de todas as limitações que a UERN enfrentava e que um Campus Avançado vivencia, como unidade periférica da Univerisidade. A prova disso é que Pau dos Ferros é destaque dentro da UERN nos dias de hoje, já possuindo um mestrado bem conceituado e em vias de discussão para a implantação de um doutorado.

Acho que não precisamos copiar o modelo de gestão do Campus Avançado de Pau dos Ferros, mas com certeza podemos fazer uso de algumas das ferramentas de gestão acadêmica que se mostraram profícuas em seu processo de desenvolvimento.

Precisamos também urgentemente ultrapassar a barreira da discussão pedagógica e ganhar o campo da infraestrutura. Chega do discurso piegas de que "aula boa acontece até debaixo de um pé de mato". É mentira, nosso cliente quer muito mais que isso, já passou o tempo em que se admitia coisas parecidas com essa. Precisamos de salas de aula mais confortáveis, com isolamento acústico, climatizadas, sem infiltrações e pintadas em uma cor menos agressiva. Isso estimula a sensação de bem estar, gera conforto e acredite, aprendizado também. Precisamos de carteiras novas, também mais confortáveis, ergonômicas, em número ideal, cumprindo inclusive com as exigências de acessibilidade. Precisamos de um estacionamento organizado, iluminado, fiscalizado e vigiado. Precisamos acabar com o trânsito de motos entre os blocos, estacionadas nos limites da área de circulação. Precisamos de banheiros limpos, higiênicos, equipados minimamente para oferecer conforto ao usuário.

Se isso acontecesse a melhora na autoestima do alunado geraria inclusive a preservação do patrimônio da Universidade. A depredação acontece atualmente porque não há quem valorize móveis velhos e quebrados, banheiros sujos e fétidos, salas de aula com portas remendadas, sem trinco, com ventiladores sujos e barulhentos, com teto rachado e com goteiras. Como não há quem valorize uma aula quando as motos atrapalham com o ronco de seus motores, quando os ônibus mandam nos horários da Universidade e quando os professores ajudam cotidianamente a desvalorizar o patrimônio público e a instituição para qual trabalham, passando mensagens de descrédito e críticas à instituição.

Afinal de contas é nosso costume, de servidores docentes e/ou técnicos administrativos, fazer uso de discursos críticos que desvalorizam a UERN, seu trabalho, seus esforços. Fazemos isso equivocadamente para mostrar que não compactuamos com a ineficiência da Universidade, que somos melhores que a instituição e que não temos nada a ver com os problemas que as pessoas, principalmente os alunos, percebem. Mal percebemos que isso constrói a cultura da desvalorização que acaba por nos envolver completamente, criando uma cultura organizacional nefasta de desvalorização da instituição, acabando por destruir todo sentimento de autoestima, autovalorização, orgulho profissional e motivação.

Sei, caro diretor, que todos esses problemas ficam além das suas possibilidades de resolução, pelo cargo que o senhor ocupa. Todavia, lhe chamo a atenção para o cuidado que V. Sª. deve ter com a atitude meramente fiscalizadora, pois geralmente seus resultados não são muito consistentes, mas são capazes de gerar insatisfação, desmotivação e prejuízos nas relações interpessoais e no clima organizacional.

Reforço que sua preocupação é oportuna, mas acredito que apenas com uma atuação estratégica, fundamentada em uma mudança radical nos moldes administrativos permitirão que os problemas que hoje derretem as marcas FACEM e UERN poderão ser transformados em trabalho produtivo com resultados ampliados e valorizados pela sociedade.

Por fim reforço meu interesse em contribuir, independentemente de posicionamento ideológico, partidário ou de relacionamento pessoal, com o desenvolvimento da UERN como um todo e da FACEM e do Departamento de Administração de forma mais específica. Não quero dedicar minha vida profissional a uma instituição que não consegue cumprir sua missão social, espero contribuir efetivamente através de meu trabalho.

*Demétrius de Oliveira é professor do Departamento de Administração da UERN. 


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