sábado, 18 de dezembro de 2010

REVOLTANTE AUMENTO SALARIAL DOS DEPUTADOS E MINISTROS

REAJUSTE SALARIAL É UM PÉSSIMO 

SINAL DO PONTO DE VISTA MORAL, 

ÉTICO, POLÍTICO E ECONÔMICO


O Instituto Millenium entrevistou Luiz Felipe d’Avila, diretor-presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), ONG dedicada ao desenvolvimento e à formação de líderes políticos empenhados na qualidade e na eficácia da gestão pública, sobre o revoltante aumento salarial de deputados e ministros e o impacto da medida nas contas do Estado.

Para o ex-editorialista de jornais como “O Estado de S. Paulo”, que  estudou Ciências Políticas em Paris e Administração Pública na Universidade Harvard, a aprovação do reajuste “é um péssimo sinal do ponto de vista moral, ético, político e econômico”, que deve provocar mais do que indignação, um estudo das causas e conseqüências do sistema político (brasileiro) fracassado e à beira de um colapso.

Preocupado com a política e com a urgência das reformas, d’Ávila afirma: “A agenda do Brasil é cortar gastos, mas parece que ainda não caiu a ficha sobre essa importância”, disse. “O Brasil gasta mais com três milhões de funcionários públicos aposentados do que com a educação de 39 milhões de crianças em idade escolar. Investir em capital humano é  mais urgente”, afirmou também sobre as reformas necessárias.
Leia a entrevista:

Instituto Millenium: O congresso aprovou o reajuste salarial no apagar das luzes e às vésperas de um novo mandato. A sensação geral é de indignação.  A população está de mãos atadas?

Luiz Felipe d’Ávila: É comum governos prepararem medidas impopulares em fim de mandato para não deixarem ônus para o governo seguinte. No final, conseguem reunir apoio para aprovar pacotes de benesse própria. Esse tipo de medida é corriqueira, não só no Brasil.

É evidente que a aprovação dos reajustes é um péssimo sinal do ponto de vista moral, ético, político e econômico. O aumento terá um impacto tremendo nos municípios e estados. A agenda do Brasil é cortar gastos, mas parece que ainda não caiu a ficha sobre essa importância. Outro prejuízo é que com a aprovação do reajuste cria-se também caminho para a aprovação de outras emendas nesse sentido (que beneficiam a pequenos grupos), como a aprovação  da “Emenda 300”, do reajuste dos salários dos policiais, e do que eu chamo de as contra-reformas,  que são o fator previdenciário,  a redução da jornada de trabalho. A aprovação dessas outras “bondades” seriam a tragédia do setor público brasileiro, pelo impacto que teriam nas contas.

Em contrapartida, a redução da carga tributária seria uma medida extremamente  popular. Agradaria a população, que sentiria imediatamente o impacto da reforma, mas os deputados têm medo de aprová-la. A sociedade brasileira é hoje mais madura para as reformas (como a tributária e trabalhista) do que os partidos e parlamentos. Os políticos têm medo, enquanto o Brasil clama.

Há um descompasso em relação às mudanças. Esse descompasso revela problemas institucionais que precisam ser enfrentados. A aprovação do voto distrital, por exemplo, é uma das causas que o Centro de Liderança Política (CLP) vai abraçar. Seria difícil aprovarem leis assim se o sistema fosse o distrital, que pode aumentar a cobrança da sociedade sobre os parlamentares. Esse cenário vai mudar rapidamente se cada deputado tiver uma base que o cobre, o fiscalize. O modelo atual é fadado ao fracasso.

Outra coisa que o voto distrital também pode modificar é o custo de campanha, que fatalmente será reduzido. O poder do dinheiro no processo seria bastante diluído. E o deputado saberia quem ele está representando. A forma de transformar a nossa indignação é lutar por mudanças estruturais.  O voto distrital melhoraria demais todo o sistema e os partidos seriam obrigados a se disciplinarem, pois só poderiam ter um deputado por distrito.

Instituto Millenium: A aprovação de medidas como essa são o resultado do afastamento da população das questões políticas?

Luiz Felipe d’Ávila: Eu vejo jovens mais engajados em questões públicas hoje, do que há gerações, através de ONGS e outros movimentos civis como o Ficha Limpa etc. Só que o engajamento que se percebe é mais atuante nos estados e municípios, primeiro porque prefeitos e governadores são mais suscetíveis à pressões e mudanças na gestão pública e segundo porque há mais engajamento em questões particulares, nas questões locais.

É mais fácil, por exemplo, eu perceber que alguma coisa vai mal na escola do meu filho, na escola do filho da empregada e atuar ali. O engajamento é local e distante da política federal, o Congresso é muito distante da população. Também é preciso descobrir causas que mobilizem as pessoas. É fácil modificar a as coisas no seu bairro, na escola. A gente costuma lutar contra questões mais locais, do que nacionais, a não ser, como no caso de questões nacionais como a CPMF, uma questão que eu realmente acho que vai ter reação quando chegar a uma possível votação.

Ao mesmo tempo, focar em questões civis  é importante porque a  sociedade aprende a lidar com o setor público, enfrenta o corporativismo, a burocracia…

Instituto Millenium: Existe o perigo de uma crise das instituições hoje no Brasil? De medidas como essas gerarem uma descrença generalizada?

Luiz Felipe d’Ávila: Nós precisamos identificar o que é problema e o que é sintoma. O problema brasileiro é o sistema político, a forma como esses deputados são eleitos. A gente mistura muito causa e efeito. O aumento dos salários dos parlamentares é um efeito desse sistema. O que precisa ser mudado para resgatar a credibilidade do parlamento?  Precisamos ter uma visão mais objetiva, mais técnica, de qual é e onde está o real problema.

Há outra parte do problema político do Brasil que nós temos que depositar na conta da elite brasileira, econômica, social, intelectual. A elite tem uma visão muito imediatista e acompanha (politicamente) projetos que a possa beneficiar a curto prazo (como o interesse de empresários por determinada lei que garanta crescimento, ganho para empresa). E o distanciamento dessa elite abre espaço para a política ser utilizada para o  enriquecimento pessoal e para a ausência de deveres.

O espaço não está sendo ocupado pelas pessoas bem formadas que poderiam discutir a questão pública. Falta atitude cívica, falta aumentar o grau de compromisso da elite com o futuro político do país.

Instituto Millenium: E quais são as reformas mais urgentes para o Brasil?
 
Luiz Felipe d’Ávila: Sem dúvida, a (reforma da) educação, o não investimento em capital humano estrangula o crescimento do país. O ganho está ligado a mão-de-obra, que está ligado a educação. O investimento em educação é fundamental. Dois terços do PIB norte-americanos são destinados ao conhecimento, que se converte em inovação, produtividade e competitividade.

Outro dia ouvi do professor Eduardo Gianetti da Fonseca (cientista social) que o Brasil gasta mais com três milhões de funcionários públicos aposentados do que com a educação de 39 milhões de crianças em idade escolar. Investir em capital humano é  mais urgente.

A segunda urgência é resolver o imbróglio da poupança interna que compromete o crescimento do Brasil. Para resolver esse problema, o pais precisa poupar e para isso, necessita das grandes reformas: da previdência, a tributária e a trabalhista; que estão embaixo da rubrica do aumento da poupança interna do país. O Brasil precisa resolver essa questão, pois é o investimento interno, e não o externo, que deve financiar o nosso crescimento.

Como conseqüência, essas reformas trariam o fortalecimento das instituições democráticas, que são vitais para um país, pois asseguram as leis, a credibilidade, o cumprimento das normas e o sentimento de confiança nas regras.



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