terça-feira, 21 de dezembro de 2010

PAUL KRUGMAN


  QUANDO OS ZUMBIS VENCEM


Paul Krugman  - Do "NewYork Times"
Quando os historiadores estudarem o período 2008-10, o que os intrigará mais, acredito, será o estranho triunfo de ideias fracassadas. Os fundamentalistas do livre mercado estavam errados a respeito de tudo -e no entanto agora dominam o cenário político de maneira ainda mais completa.

Como isso aconteceu? Depois que bancos fora de controle devastaram a economia, o que pode ter levado Ron Paul, e suas declarações de que "não precisamos de regulamentação", à presidência da importante comissão da Câmara de Deputados que supervisiona o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos)? De que modo, depois das experiências dos anos Clinton e Bush -o primeiro elevou impostos e propiciou espetacular crescimento no emprego; o segundo os cortou e vinha comandando um crescimento anêmico antes mesmo da crise- terminamos em um acordo bipartidário para novos cortes de impostos?

A resposta da direita é que os fracassos econômicos do governo Obama demonstram que políticas que resultem em ampliação do papel do governo não funcionam; mas na verdade o que deveríamos estar debatendo é que políticas exatamente foram adotadas.

Pois o fato é que o estímulo de Obama -composto em quase 40% por cortes de impostos- foi na verdade cauteloso demais para reverter a situação da economia. E não é algo que esteja sendo percebido apenas em retrospecto. Muitos economistas, entre os quais me incluo, alertaram desde o início que o plano era seriamente inadequado. Para resumir: uma política sob a qual o emprego público na verdade caiu, e os gastos do governo com bens e serviços cresceram mais devagar do que nos anos Bush, dificilmente pode ser considerada como um teste das teorias econômicas keynesianas.

É certo que talvez o presidente Barack Obama não tivesse condições de fazer mais, diante do ceticismo do Congresso quanto a intervenções governamentais. Mas ainda que isso fosse verdade, só serviria para demonstrar o domínio continuado de uma doutrina fracassada sobre a nossa política.

Também vale a pena mencionar que tudo aquilo que a direita alegou que não funcionaria no pacote econômico de Obama terminou negado pelos fatos. Há dois anos eles vêm alertando que a captação governamental causaria disparada nas taxas de juros; na realidade, os juros flutuaram de acordo com o pessimismo ou otimismo quanto à recuperação, mas se mantiveram consistentemente baixos, em termos históricos. Há dois anos eles vêm alertando que há inflação, e até mesmo hiperinflação, a caminho; em lugar disso, a desinflação continuou, e a taxa básica de inflação, que desconsidera preços voláteis como os da energia e alimentos, é a mais baixa em meio século, no momento.

Os fundamentalistas do livre mercado estiveram tão errados quanto aos acontecimentos no exterior quanto em suas previsões sobre os Estados Unidos -e as consequências sofridas por isso foram igualmente pífias. Em 2006, George Osborne declarou que "a Irlanda oferece um exemplo reluzente da arte do possível, em termos de política econômica para o longo prazo". Ops. Mas Osborne agora é o principal dirigente da economia britânica.

E em seu novo posto, parece disposto a emular as políticas de austeridade que a Irlanda implementou depois que a bolha do país estourou. Afinal, os conservadores dos dois lados do Atlântico passaram boa parte do ano elogiando as medidas de austeridade irlandesas como um retumbante sucesso. "A abordagem irlandesa funcionou em 1997-8, e está funcionando de novo", escreveu Alan Reynolds, do Cato Institute, em junho passado. Ops, uma vez mais.
No entanto, esses fracassos não parecem importar. Para tomar de empréstimo o título de um recente livro do economista australiano John Quigguin sobre, doutrinas que a crise deveria ter matado mas não conseguiu, continuamos -e talvez em grau ainda maior- sob o domínio dos zumbis econômicos. Por quê?

Parte da resposta, decerto, é que pessoas que deveriam estar tentando exterminar as ideias zumbis na verdade optaram por chegar a um compromisso com elas. E isso é especialmente verdade com relação ao presidente, ainda que não só ele.

As pessoas tendem a esquecer que Ronald Reagan muitas vezes cedia em questões concretas de política econômica -o exemplo mais notável são os diversos aumentos de impostos que acatou. Mas jamais hesitou em termos ideológicos, jamais recuou de sua posição de que a ideologia que defendia estava correta, e a dos adversários errada.

Obama, em contraste, vem tentando se aproximar da oposição ao aceitar certos mitos caros à direita. Elogiou Reagan por restaurar o dinamismo dos Estados Unidos (quando foi a última vez que ouvimos um republicano elogiar Franklin Roosevelt?), e adotou a retórica republicana sobre a necessidade de um aperto de cintos no governo mesmo diante da recessão, oferecendo congelamentos simbólicos de gastos e nos salários do funcionalismo federal.

Nada disso impediu que a direita o denuncie como socialista, e ao mesmo tempo ajudou a propelir ideias incorretas, e de maneiras que podem causar danos imediatos. No momento, Obama está elogiando o acordo de corte de impostos como estímulo à economia -mas os republicanos já estão discutindo cortes de gastos que compensariam quaisquer efeitos positivos do acordo. E como ele poderia se opor a essas demandas de modo efetivo quando adotou a retórica do aperto de cintos?

Sim, política é a arte do possível. Todos compreendemos a necessidade de chegar a um acordo com inimigos políticos. Mas uma coisa é fazer acordos que promovam seus objetivos, e outra abrir as portas às ideias zumbis. Se você o faz, os zumbis terminam devorando o seu cérebro e possivelmente também a sua economia.

Tradução de Paulo Migliacci

Fonte: http://economia.uol.com.br/
 
 
 
 

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