terça-feira, 30 de novembro de 2010

POR JOÃO DA MATA COSTA*



A estética do couro ou O brilho

e o perfume no Cangaço

“Olé, Mulher Rendeira,
Olé mulhé rendá
Tu me ensina a fazer renda,
eu te ensino a namorá”.

Lampião foi o rei do cangaço e praticou muitos crimes. Também tinha seu lado de dândi e abusava do perfume francês “Fleur d’Amour”. Leitor assíduo das revistas “0 Cruzeiro”, “FonFon” e “Noite Ilustrada”, de onde criou o gosto pela fotografia. Carregava sempre um livro de Papini e era um devoto do Padim-Ciço.

Vestia-se muito bem e usava perfume francês “Fleur d’Amour”. O perfume denunciava os cangaceiros ao longe – debaixo da concha celeste, banhados por um sol inclemente de se arrepiá.

No filme “Baile Perfumado” dos diretores Lírio Ferreira e Paulo Caldas, uma alusão aos bailes perfumados dos cangaceiros entre uma peleja e outra. Esse filme narra a história do mascate libanês Benjamin Abrahão que se embrenhou na caatinga e conseguiu filmar o bando de Lampião deixando imagens inestimáveis para conhecimento dessa grande saga.

Ao contrário dos sertanejos da época, os cangaceiros valorizavam o enfeite. Usavam brincos, anéis, colares e lenços estampados de seda inglesa ou tafetá francês. Muitos dos pertences do Lampião eram bordados com a sigla C.V.F.L. (Capitão Virgulino Ferreira Lampião).

A indumentária dos cangaceiros trazia uma rica carga simbólica. O Chapéu de Couro com a estrela hexagonal de Salomão era inspirado no chapéu de Napoleão Bonaparte, de quem o “Rei do Cangaço” conhecia a biografia e muito admirava. As armas dos cangaceiros eram ricamente cravadas de ouro e prata. Suas roupas tinham inspiração nos cavaleiros medievais e os bornais e cantis eram ricamente bordados com temas da caatinga.

“ Essa carga artística dos trajes dos cangaceiros representa o que Gilberto Freyre chamava “‘arte de projeção do homem”. O homem a carregar consigo sua própria arte, sem vergonha da sua condição de bandoleiro e assassino.

Foram esses ricos elementos contidos na indumentária dos cangaceiros nordestinos que motivaram o historiador Frederi­co Pernambucano de Mello, a escrever o belo livro “Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço” (Escritu­ras 253p), com prefácio de Ariano Suassuna.

O Livro de Arte é enriquecido com 300 imagens referentes á saga lampiônica e 160 fotografias de objetos de uso pessoal dos cangaceiros. A maior parte desses objetos é parte da coleção particular do autor e já foram expostos no Brasil e exterior. O livro é um ensaio de caráter interdisciplinar e mostra a rica estética do cangaço. Uma estética que se espraiou no grande cinema de Glauber Rocha e pintura de Aldemir Martins. A valentia desses homens povoa o imaginário dos nordestinos e fornece material para centenas de cordéis e rico artesanato. Uma saga que deita suas raízes no substrato de uma terra onde os homens faziam justiça por si mesmo, seja por vingança, por terra e posses ou por motivos políticos.

As armas e os bordados

As armas usadas pelo rei do Cangaço morto em 1938 por traição de um dos seus protetores, eram ornamentadas de ouro e prata. A vestimenta dos cangaceiros eram muito ricas, coloridas e vistosas.

O Chapéu quebrado na frente e atrás, continham “três barbelas”: a testeira que era ajaezada com moedas de ouro e prata, e trazia a estrela hexagonal de Salomão; o barbicacho dianteiro, saindo das laterais e unindo as duas fitas de couro e o barbicacho traseiro, continuação da testeira, também enfeitado de moedas. Essas barbelas davam segurança ao chapéu e não permitia que ele caísse nos movimentos bruscos. Em torno do pescoço os cangaceiros usavam um lenço de tecido valioso que podia ser seda. Lampião preferia tafetá francês. Esse lenço era preso por um anel ou aliança de metal nobre. Os cangaceiros usavam o termo “jabiraca” para designar essa bela indumentária.

Os cangaceiros eram bastante vaidosos e usavam brincos e colares, não tendo vergonha da sua situação de bandoleiros. Os homens e mulheres e homens usavam até três anéis por dedo. Os cangaceiros vestiam-se de brim cáqui ou mescla azul. Lampião preferia a cor cinza e costurava com uma máquina Singer. Os cangaceiros usavam uma túnica e uma calça de cintura alta que ficava acima do tornozelo (pega bode). Quando o tempo esfriava eles podiam vestir até três calças.

Por cima da túnica, o cangaceiro cruzava diagonalmente duas cobertas feitas de bramantes estampados de padrões muito coloridos, forrados de chita branca. Uma coberta era para deitar e outra para cobrir. As mulheres entraram para o cangaço em 1929/30 e eram muito respeitadas. Suas saias ficavam acima do joelho, numa ousadia para a época.

Por cima das cobertas eram colocados os bornais, também chamados embornais. Eram bolsas muito coloridas e de belos desenhos nas abas Nos bornais eram colocados os alimentos: Carne seca, farinha e queijo.

As alpercatas de rabicho e tangerino eram ricamente desenhadas e confeccionadas em couro. Quando ia para a rua Lampião usava um sandália de couro esmaltado. Dadá “a musa do cangaço” , esposa de mulher de Corisco era a estilista do grupo e trouxe flores e outros motivos para a indumentária dos cangaceiros.

As armas eram cravejadas de moedas de ouro e a cartucheira de ombro era muito funcional. Entre o corpo e a cartucheira era inserido um punhal de três quinas ou achatados. A empunhadura do punhal era ricamente ornamentada em ouro e prata. O facão que o cangaceiro trazia na altura da cintura servia de ferramenta.

As Armas e Utensílios encontrados com o Rei do Cangaço

O chapéu de couro do capitão Virgulino, vulgo Lampião, morto na Grota dos Angicos em Sergipe (1938), tinha abas ornamentadas em alto-relevo com seis sinos de Salomão, barbicacho de couro de 46 centímetros de comprimento e ornado em ambos os lados com cinqüentas peças de ouro. Lampião tinha três anéis: um de pedra verde, outro uma aliança e o terceiro de identidade gravado “ Santinha”. A testeira de ouro de quatro centímetros de largura e vinte e dois centímetros de comprimento, onde eram afixadas moedas e medalhas – duas com gravações “ “Deus te Guie” , duas libras esterlinas, uma moeda brasileira de ouro, com a efígie de Petrus II, de 1855 e mais duas outras moedas em ouro.

O mosquetão-Mauser modelo 1908, com bandoleira enfeitada com sete escudos de prata de Império. A faca de folha de aço, com sessenta e sete centímetros de comprimento, com cabo e terço de níquel, adornado com três anéis de ouro; bainha toda de níquel com forro interno de couro. A cartucheira era de couro com enfeites de costumes da caatinga. Um apito de metal amarelo preso a uma corrente de prata.

Com Lampião foram encontrados vários bornais. Todos com desenhos de várias cores bordado a maquina. Um deles tinha botões de ouro e prata. No suspensório nove botões de prata e apenso num dos bornais uma caixa de folha- de- flandres, coberta com o mesmo pano dos bornais e também bordado à máquina (Cancioneiro de Lampião, Nertan Macedo 1959)

*João da Mata é professor da UFRN 
cineclubenatal@grupos.com.br
 Enviado por Antonio Capistrano




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