O PODER MODERADOR
O enorme esforço dispendido pelos ministros da área
econômica tem sido negligenciado pela tragédia recessiva a que nos levou
o intervencionismo voluntarista da política econômica desde 2012.
Assistimos a um desentendimento lamentável entre o
Executivo e o Legislativo. Isso tem exigido arbitragens cada vez mais
frequentes do Supremo Tribunal Federal, o último “garante” das
liberdades individuais e com poder de submeter todos à mesma lei.
A falta de confiança do setor privado no Poder Executivo
atingiu o paroxismo e os seus investimentos não param de cair. O mesmo
acontece com os investimentos públicos.
Sob esse aspecto, é difícil dramatizar, a relação investimento público +
privado/PIB no último trimestre de 2015 foi, provavelmente, inferior
àquela necessária para manter estável o estoque de capital em torno de
15% do PIB. Estamos em um processo de autofagia, comendo nossas próprias
entranhas...
Há alguma coisa muito errada
quando o Executivo não assume o seu protagonismo, o Legislativo inventa
sua própria agenda e a judicialização das relações entre eles torna-se
“normal”. Isso obriga o STF a transformar-se numa espécie de poder
moderador. Rejeitado na Constituinte de 1823, tal Poder foi instituído
por dom Pedro I,
na Constituição outorgada de 1824, “para que incessantemente vele sobre
a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes
políticos”, o que incluía o Poder Judiciário. O imperador Pedro II
exerceu-o até a instauração da República.
Sejamos claros. Um poder superior, o imperador, “velar”
pela independência, equilíbrio e harmonia dos Três Poderes é uma coisa.
Outra, completamente diferente é, na República, um dos Poderes, qualquer
dos três, ter de arbitrar, permanentemente, as diferenças entre os
outros dois. Trata-se de um problema político que terá de ser resolvido
politicamente. É preciso dar a cada Poder as condições e os meios para
cumprir a sua missão. Tanto a judicialização da política quanto a politização da Justiça são inaceitáveis na sociedade “civilizada” que todos desejamos.
Esse é o grave problema que deve ser
enfrentado para que o País possa voltar a explorar com inteligência as
suas potencialidades. Deveria ser evidente, entretanto, que mesmo bem
resolvido, ele não fará desaparecer como por encanto a desintegração
estrutural fiscal que a queda do crescimento do PIB pôs em evidência.
Esta é uma questão tão grave e tão complexa quanto a primeira. Teremos de encará-la tão logo o problema do impeachment
se resolva, quer com a saída de Dilma, quer com a sua permanência. Por
que é uma questão grave e complexa? Porque ouso dizer que nenhum
economista profissional que se respeite, não importa a “escola” à qual
pertença, sabe responder à pergunta: qual a redução no crescimento do
PIB decorrente de um corte de 1% no déficit público? Ela é fundamental
para a escolha da melhor saída à desintegração que assistimos nas
finanças públicas.
Existem, naturalmente, duas
visões extremas, que dependem de muitas hipóteses, de raciocínios
duvidosos e de precária sustentação empírica divergente: 1. Neoclássicos
e keynesianos tendem a concordar que no curto prazo uma diminuição do
déficit público deve produzir uma redução do crescimento do PIB. Só não
sabem quanto. 2. Alguns neoclássicos acreditam que se houver confiança
no ajuste fiscal, a perspectiva da diminuição do déficit e da
sustentabilidade fiscal no longo prazo pode tornar-se positiva, elevando
o investimento. 3. Para os neoclássicos, os executores do ajuste
fiscal, por motivos políticos, tendem a ser otimistas e a privilegiar o
curto prazo, ignorando seus efeitos sobre a acumulação da dívida
pública. 4. Na opinião dos neoclássicos, as sugestões dos keynesianos de
tentar eliminar os efeitos do ajuste sobre o PIB no curto prazo
aumentam a relação dívida/PIB, pressionam a taxa de juros real e tendem a
terminar muito mal.
No fundo, os neoclássicos preocupam-se
excessivamente com o equilíbrio de longo prazo e os keynesianos tendem a
ignorar a sustentabilidade da relação dívida pública/PIB. Nenhum dos
dois lados sabe, de fato, o melhor a ser feito. A diferença é entre os
que sabem que não sabem e os que não sabem que não sabem. É essa a razão
de existirem tantos feiticeiros sugerindo soluções fáceis...
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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