terça-feira, 9 de dezembro de 2014

UM ESTATUTO PARA AS ESTATAIS

A qualidade da administração e do controle financeiro dos projetos de investimento da Petrobras colidem brutalmente com a competência perseguida com sucesso por seus quadros técnicos desde a sua origem. De fato, ela é um exemplo das vantagens da integração empresa-universidade e da capacidade inovadora produzida por programas de pesquisas executados com determinação e seriedade.

O seu acionista majoritário (o Tesouro Nacional e, portanto, todo cidadão brasileiro) e os minoritários (os cidadãos que, acreditando no seu êxito, colocaram parte do seu patrimônio nas ações negociadas nas bolsas de valores, no Brasil e no exterior), estão espantados diante do que aconteceu.

A melhor das hipóteses, e a mais ingênua, é que se tratou de um caso clássico em que o “principal” (os acionistas) foi miseravelmente traído por seus “agentes” (alguns dos administradores), o que ocorre com alguma frequência no setor privado. O agravante é que os “agentes” (extraídos do quadro técnico da empresa) foram escolhidos pelo acionista majoritário (o Tesouro Nacional) por indução político-partidária, o que seguramente comprometeu a sua governança.

Indicados para dirigir estatais devem atender a condições mínimas
Infelizmente, hoje tudo conspira contra a boa execução do pré-sal, desde as exageradas demandas colocadas sobre a Petrobras no apoio à indústria nacional (um objetivo legítimo quando feito com moderação e inteligência) e o controle dos preços dos combustíveis para reduzir a taxa de inflação, o que lhe impôs um custo que só vai ser recuperado ao longo do tempo.

A Petrobras encontra-se carente de mais financiamento no momento em que a imprensa mundial cobre os desagradáveis fatos com ilações sobre o que fará a Security Exchange Commission (SEC) dos EUA. Isso aumenta a dificuldade de captação de novos recursos, eleva os seus custos e repercute sobre o equilíbrio econômico e financeiro dos seus fornecedores nacionais. Para se ter uma ideia do problema, basta dizer que ela deve mais de R$ 300 bilhões, em torno de quatro vezes o seu Ebitda.

Acrescenta-se à delicada situação interna, uma enorme incerteza sobre os preços futuros do petróleo. As explicações vão desde fórmulas conspiratórias, que unem o interesse político do Ocidente em “civilizar” a Rússia de Putin, com o interesse econômico dos países do Golfo de desestimularem a produção de pequenos fornecedores e inibir o desenvolvimento tecnológico de energias alternativas, até explicações “técnicas”, que apelam para o aumento da oferta da qual fazem parte a Líbia, o Iraque, o Brasil, o México e, especialmente, os EUA, cuja produção, recentemente, tem crescido a 15% ao ano.

Esse aumento da oferta tem sido acompanhada por uma simultânea queda da demanda da China e a estagnação da Europa. A redução do preço do petróleo, se durar, deve ser um fator positivo no crescimento do PIB no Brasil e no mundo, mas deve criar problemas para a exploração do pré-sal. Reduzirá as mirabolantes expectativas criadas pela possibilidade de uso do excedente que deveria “salvar” o Tesouro Nacional” dos imprudentes, mas já comprometidos gastos “certos”, financiados por recursos “incertos”, por definição fora de nosso controle.

O fato positivo é que diante de todas essas dificuldades e da destruição da sua imagem pública, a Petrobras “técnica”, aquela que inova, que extrai petróleo, que é fator decisivo no progresso da economia nacional, tem aumentado a oferta do petróleo extraído do pré-sal.

A despeito da confusão interna, ampliou sua capacidade de refino, reduziu o valor das nossas importações e deu algum alívio à nossa balança comercial. Isso testemunha a favor de uma empresa sólida com notável “espírito de corpo”, cuja maioria absoluta de colaboradores merece nosso respeito e será o suporte da necessária e segura superação da tragédia que lhe impôs a sedução político-partidária irresponsável.

Dada à repercussão interna e externa, o evento “Petrobras” terá presença permanente na futura literatura nacional e internacional como um “caso notável” da ineficiência gerencial de empresas controladas pelo Estado.

A conclusão dos mais engajados com o “laissez faire” será, provavelmente, que é apenas mais uma demonstração de que ele deve deixar de intervir diretamente em qualquer setor do processo produtivo, o que, obviamente, é uma generalização equivocada, mesmo porque não há prova empírica robusta que a sustente.

O “caso” Petrobras sugere que o Congresso Nacional e o Tribunal de Contas da União deveriam empenhar-se em construir e aprovar um “estatuto” que defina com clareza quais as condições mínimas exigidas para que alguém possa ser indicado para o conselho e a administração das empresas estatais e estabeleça as suas responsabilidades. Elas pertencem ao povo brasileiro, não ao poder incumbente que eventualmente saiu vitorioso nas urnas!


Fonte: Valor Econômico


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