UM ESTATUTO PARA AS ESTATAIS
A qualidade da administração e do controle financeiro dos projetos de
investimento da Petrobras colidem brutalmente com a competência
perseguida com sucesso por seus quadros técnicos desde a sua origem. De
fato, ela é um exemplo das vantagens da integração empresa-universidade e
da capacidade inovadora produzida por programas de pesquisas executados
com determinação e seriedade.
O seu acionista majoritário (o Tesouro Nacional e, portanto, todo
cidadão brasileiro) e os minoritários (os cidadãos que, acreditando no
seu êxito, colocaram parte do seu patrimônio nas ações negociadas nas
bolsas de valores, no Brasil e no exterior), estão espantados diante do
que aconteceu.
A melhor das hipóteses, e a mais ingênua, é que se tratou de um caso
clássico em que o “principal” (os acionistas) foi miseravelmente traído
por seus “agentes” (alguns dos administradores), o que ocorre com alguma
frequência no setor privado. O agravante é que os “agentes” (extraídos
do quadro técnico da empresa) foram escolhidos pelo acionista
majoritário (o Tesouro Nacional) por indução político-partidária, o que
seguramente comprometeu a sua governança.
Indicados para dirigir estatais devem atender a condições mínimas
Infelizmente, hoje tudo conspira contra a boa execução do pré-sal,
desde as exageradas demandas colocadas sobre a Petrobras no apoio à
indústria nacional (um objetivo legítimo quando feito com moderação e
inteligência) e o controle dos preços dos combustíveis para reduzir a
taxa de inflação, o que lhe impôs um custo que só vai ser recuperado ao
longo do tempo.
A Petrobras encontra-se carente de mais financiamento no momento em
que a imprensa mundial cobre os desagradáveis fatos com ilações sobre o
que fará a Security Exchange Commission (SEC) dos EUA. Isso aumenta a
dificuldade de captação de novos recursos, eleva os seus custos e
repercute sobre o equilíbrio econômico e financeiro dos seus
fornecedores nacionais. Para se ter uma ideia do problema, basta dizer
que ela deve mais de R$ 300 bilhões, em torno de quatro vezes o seu
Ebitda.
Acrescenta-se à delicada situação interna, uma enorme incerteza sobre
os preços futuros do petróleo. As explicações vão desde fórmulas
conspiratórias, que unem o interesse político do Ocidente em “civilizar”
a Rússia de Putin, com o interesse econômico dos países do Golfo de
desestimularem a produção de pequenos fornecedores e inibir o
desenvolvimento tecnológico de energias alternativas, até explicações
“técnicas”, que apelam para o aumento da oferta da qual fazem parte a
Líbia, o Iraque, o Brasil, o México e, especialmente, os EUA, cuja
produção, recentemente, tem crescido a 15% ao ano.
Esse aumento da oferta tem sido acompanhada por uma simultânea queda
da demanda da China e a estagnação da Europa. A redução do preço do
petróleo, se durar, deve ser um fator positivo no crescimento do PIB no
Brasil e no mundo, mas deve criar problemas para a exploração do
pré-sal. Reduzirá as mirabolantes expectativas criadas pela
possibilidade de uso do excedente que deveria “salvar” o Tesouro
Nacional” dos imprudentes, mas já comprometidos gastos “certos”,
financiados por recursos “incertos”, por definição fora de nosso
controle.
O fato positivo é que diante de todas essas dificuldades e da
destruição da sua imagem pública, a Petrobras “técnica”, aquela que
inova, que extrai petróleo, que é fator decisivo no progresso da
economia nacional, tem aumentado a oferta do petróleo extraído do
pré-sal.
A despeito da confusão interna, ampliou sua capacidade de refino,
reduziu o valor das nossas importações e deu algum alívio à nossa
balança comercial. Isso testemunha a favor de uma empresa sólida com
notável “espírito de corpo”, cuja maioria absoluta de colaboradores
merece nosso respeito e será o suporte da necessária e segura superação
da tragédia que lhe impôs a sedução político-partidária irresponsável.
Dada à repercussão interna e externa, o evento “Petrobras” terá
presença permanente na futura literatura nacional e internacional como
um “caso notável” da ineficiência gerencial de empresas controladas pelo
Estado.
A conclusão dos mais engajados com o “laissez faire” será,
provavelmente, que é apenas mais uma demonstração de que ele deve deixar
de intervir diretamente em qualquer setor do processo produtivo, o que,
obviamente, é uma generalização equivocada, mesmo porque não há prova
empírica robusta que a sustente.
O “caso” Petrobras sugere que o Congresso Nacional e o Tribunal de
Contas da União deveriam empenhar-se em construir e aprovar um
“estatuto” que defina com clareza quais as condições mínimas exigidas
para que alguém possa ser indicado para o conselho e a administração das
empresas estatais e estabeleça as suas responsabilidades. Elas
pertencem ao povo brasileiro, não ao poder incumbente que eventualmente
saiu vitorioso nas urnas!
Fonte: Valor Econômico
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