"SEM REFORMA POLÍTICA NÃO
HAVERÁ MUDANÇA ALGUMA"
Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, procurador federal, o ex-deputado Ney Lopes concede uma
importante entrevista a ´O JORNAL DE HOJE para falar dos últimos
acontecimentos registrados no País, sobre a posição da presidenta Dilma
Rousseff nos episódios recentes, principalmente no recuo de convocar uma
Constituinte exclusiva para fazer a Reforma Política. Ney fala também
sobre a necessidade de uma Reforma Política, justifiando que o atual
sistema eleitoral está ultrapassado. Ele comenta também sobre a PEC 37 e
diz que Henrique Eduardo “tem agido com equilíbrio e firmeza”. Segue a
entrevista:
O JORNAL DE HOJE – Como o senhor analisa os últimos acontecimentos no País?
NEY LOPES – O que está acontecendo reflete a insatisfação global com a
democracia. Os cidadãos – e não somente os brasileiros – não se sentem
representados pelos políticos. O discurso eleitoral perdeu a força,
deixou de ser instrumento de persuasão e se transformou em “mentirinha”
para a população.
JH – Os protestos de rua podem provocar mudanças de comportamento?
NL – As manifestações traduzem, regra geral, reivindicações esparsas e
abrangentes da classe política que perde status nos últimos anos. A base
da pirâmide social assiste o que acontece e apóia os temas óbvios como,
por exemplo, combate à corrupção. A falta de líderes e de uma pauta
pré-definida diluem os protestos. Mesmo em tais circunstâncias, não se
pode negar que a mobilização já determinou uma conseqüência que foi a
declaração de falência da classe política e dos partidos. O Congresso
Nacional perdeu a credibilidade por inteiro. Atualmente, qualquer
votação sobre tema importante terá a influência do instituto da
sobrevivência política com a preocupação de colocar-se bem perante a
opinião pública.
JH – Sua opinião sobre a PEC 37?
NL – A PEC 37 tinha sólidos argumentos jurídicos pró e a favor.
Portanto, o resultado da votação foi normal. A Câmara Federal optou por
uma alternativa que não é absurda. Talvez tenham se vacinado para não
ser criticados quando se opuserem – como estão se opondo – a
possibilidade de convocação do plebiscito e de uma Constituinte para
aprovar a Reforma Política. Nesse ponto, a Câmara e Senado não desejam
mudar nada em profundidade. Querem fazer “remédios e curativos” para
manter o sistema partidário atual, que é uma vergonha nacional e anula
qualquer avanço institucional no País. A principal reforma é a política.
Sem ela, nada será feito.
JH – No seu entendimento, um plebiscito seria inconstitucional?
NL – Não está certo rejeitar a hipótese de convocação do plebiscito para
o País decidir o melhor caminho de superar a crise atual. Afinal,
plebiscito é ouvir o povo e uma democracia não pode, com base em
preciosismos jurídicos, limitar a manifestação da vontade popular. Tal
comportamento significa “torcer contra” e ser favorável ao “quanto pior
melhor”. No artigo 14, a Constituição Federal prevê o plebiscito. A Lei
9.709/98 regulamenta a convocação e é clara ao permitir a consulta
popular em “matéria de acentuada relevância de natureza constitucional,
legislativa ou administrativa”. A Reforma Política tem relevância
constitucional e legislativa. A sugestão presidencial para ser
viabilizada dependerá de decreto legislativo proposto pela base
política, sendo votado na Câmara e no Senado. Se o Congresso Nacional
rejeitar terá que assumir a responsabilidade perante a Nação.
JH – E a desistência da presidenta Dilma não propondo a Constituinte Exclusiva?
NL – Todo mundo defendia a Reforma Política. As ruas só falam nisso. O
debate foi aberto após a proposta da presidenta Dilma Rousseff. O
Congresso Nacional sempre se omitiu sobre esse tema. No início da sessão
legislativa os presidentes das duas Casas anunciaram que priorizariam a
Reforma Política, mas o destino das reformas foram as gavetas e os
arquivos. Quando se falou em plebiscito e a possibilidade de uma
Constituinte exclusiva ou derivada as luzes da TV estimularam aqueles
que sempre são contra tudo e sugerem alternativas inaplicáveis e
teóricas. A presidenta ouviu e recuou. Dobrou-se aos argumentos de que
não seria possível mudar a Constituição. Portanto, a “conclusão” que
fica é a de que no Brasil, em matéria político/eleitoral a Constituição
atende totalmente aos reclamos nacionais e é intocável. Na prática,
significa o “deixa como está, pra ver como é que fica”. De agora por
diante, o Congresso irá debater quem nasceu primeiro: o ovo ou a
galinha?. Ou seja, se a Reforma Política, Eleitoral e Partidária
poderão ser aprovadas sem mexer na Constituição, ou se ela somente será
duradoura e estável se a Constituição for alterada.
JH – O Congresso Nacional poderá fazer reforma através de emenda constitucional?
NJ -Não fará. Sabe-se disso por antecipação. Vários exemplos existem
demonstrando ser impossível mudar sem “mexer” na Constituição. Portanto,
Reforma Política sem alteração constitucional é mero engodo. Por
exemplo: proibição de coligações nas eleições proporcionais para
fortalecer os programas partidários e dá coerência ao processo
eleitoral. A norma chegou a ser aprovada e a justiça declarou
inconstitucional. A consequência foi a preservação e a intocabilidade do
“mercado persa” de venda de legendas em véspera de eleição, que
prevalece atualmente. Financiamento público de campanha é outro tema.
Somente com ingenuidade ou inexperiência política se poderá afirmar que
as mudanças na Constituição seriam feitas através de emendas. O Poder
Constituinte derivado. Claro que sim. Apenas, jamais as emendas que
afetem os interesses dos grupos políticos, verdadeiros “proprietários
privados” dos partidos, serão acolhidos pelo Congresso. Outros
afirmarão: se é assim, também não passariam mudanças numa Constituinte. É
diferente. Os eleitos numa Constituinte assumiriam compromissos
prévios, existiriam precondições que no atual Congresso não existem.
Podia-se adotar a candidatura avulsa para escolha dos constituintes.
JH – Qual a importância de que seja realizada uma Reforma Política?
NJ – Sem Reforma Política não haverá mudança alguma. Ela é o alicerce de
todas as demais reformas. Como alterar o sistema tributário com a
representação popular vinculada a partidos inautênticos e a continuidade
da realização de eleições fraudulentas referendadas pelo abuso do Poder
Político e Econômico? Como deixar para depois a Reforma Política e as
inadiáveis alterações constitucionais sob a alegação de que há
discordâncias entre os partidos? Claro que os partidos discordarão
porque a quase unanimidade deles é propriedade privada de grupos, sendo
usados para o exercício de manobras eleitorais de véspera de eleição,
sem coerência, ética e respeito ao cidadão. Os dirigentes partidários
buscam a vitória eleitoral a qualquer custo, mesmo que seja juntado
azeite com água. Nenhuma mudança política será feita se essa realidade
não for alterada. Há mais de 20 anos se fala em atualizar e modernizar a
legislação eleitoral e nada se faz, salvo transferir para a Justiça
Eleitoral a regulamentação das eleições.
JH – Existe outra alternativa para a Reforma Política que não seja o plebiscito e Constituinte?
NL – Existe. Entretanto, revelará uma tarefa para estadista. Seria
governo e oposição abrindo o diálogo em alto nível (Pacto da
Governabilidade) buscando o consenso. As facções escolheriam a melhor
alternativa democrática para as mudanças que o País exige. A opção
levaria todos a buscarem a governabilidade democrática sem vencidos nem
vencedores, através da revisão do “Pacto Social” da Nação. Isso já
ocorreu no Chile, Espanha, Portugal e outros Países. Precisa ter visão
global e sair da “mesmice” para colocar o Brasil na relação das
democracias respeitadas do mundo. Toda mudança constitucional, por
exemplo, se consumiria por emendas consensuais sem necessidade de
Constituinte. Este é o melhor dos mundos. Sou otimista e ainda acredito
que nem tudo está perdido. Recomendo a canção de Raul Seixas: “tenho fé
em Deus. Tenho fé na vida. Tente outra vez.
JH – Como o senhor analisa a atuação do presidente da Câmara
Federal, deputado Henrique Eduardo, nesse momento difícil da vida
brasileira?
NL – Henrique confirma que a experiência e vivência são fundamentais
para o exercício de cargos públicos de relevância. Tem agido com
equilíbrio e firmeza. No Congresso Nacional há muita discriminação
contra parlamentares de Estados pequenos que chegam à posições de
importância. Henrique Eduardo supera essa dificuldades com muita
personalidade. Isso é bom para o conceito do nosso Rio Grande do Norte.
Fonte: Jornal de Hoje
Por: Joaquim Pinheiro
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