O CRIME DO CAJÁ
“A tragédia foi gravada no celular de uma testemunha do crime, que teve
ainiciativa e sangue frio para documentar a cena.”
Há meses que a família de José de Almeida Neto saiu
da Paraíba e foi morar noutro estado, depois que seu pai foi assassinado
por elementos da PM. O crime se deu na localidade conhecida por Cajá,
às margens da BR 230, no município de Caldas Brandão, a cerca de 40 km
da Capital da Paraíba. A vítima estava dentro do seu estabelecimento
comercial – uma lanchonete na beira da estrada – de onde foi retirado
pelos PMs, algemado e colocado numa viatura. Em seguida, foi pistolado
com cinco tiros disparados pelos policiais. Os PMs alegaram que o
comerciante tentou usar a metralhadora da guarnição, que se encontrava
dentro do carro.
A tragédia foi gravada no celular de uma testemunha
do crime, que teve a iniciativa e sangue frio para documentar a cena.
José de Almeida não havia praticado nenhum delito, apenas interviu no
diálogo entre seu irmão (a vítima) e os PMs. O irmão de José de Almeida
havia chegado ao local pilotando uma motocicleta e estava sem capacete, o
que provocou a ação dos policiais – que nem da Companhia de Trânsito
eram. Almeida falou em defesa do irmão e, por isso, foi algemado e
jogado no banco traseiro da viatura, onde foi executado. Almeida foi
conduzido pelos PMs ao hospital, onde chegou morto.
À polícia civil, que abriu inquérito sobre o caso, os
PMs disseram que prenderam Almeida por desacato e resistência – a mesma
desculpa de sempre quando a polícia prende um cidadão. Essa hipótese de
resistência é difícil de se aceitar, pois um cidadão, diante de três ou
quatro policiais armados, não vai resistir à prisão. Ainda mais se
considerando a condição física dos policiais, selecionados entre homens
fortes e jovens, com noções de lutas marciais justamente para imobilizar
quem lhes resista. Mas ninguém resiste à polícia, só um intoxicado –
subalimentado, fácil de ser dominado.
A família de José Almeida sentiu-se insegura e
mudou-se para outra unidade da federação, e não revela a ninguém o seu
destino. Até hoje, o crime permanece impune. Além da truculência
desnecessária e do abuso de autoridade que resultou na prisão de
Almeida, os policiais algemaram a vítima com as mãos para a frente e
jogaram-na no banco traseiro, onde estaria a metralhadora – que requer
as duas mãos livres para ser operada, e não é qualquer civil que conhece
o seu funcionamento. O filme gravado pela testemunha só registra cinco
disparos de revólver, efetuados cadencialmente pelos policiais. Um deles
confessou a autoria de dois disparos.
O crime se deu no domingo de 25 de novembro de 2012, e
até hoje os apontados não foram punidos. Depois que se criou a figura
de desacato e resistência, as polícias ficaram com licença para matar –
como o agente 007, o popular James Bond. Por isso, transita no
parlamento uma reforma nessa lei que confere ao policial o superpoder de
escolher quem vai continuar vivo ou morrer. Em alguns estados
brasileiros, havia – ou ainda há – uma gratificação salarial por
operação considerada violenta, como a do Cajá. O policial, em vez de ser
punido, ganha uma produtividade acrescentada ao soldo.
Essa foi uma das
sequelas da ditadura militar que garroteou o Brasil por mais de vinte
anos.
Esses procedimentos violentos são mais praticados
pela polícia fardada, o que tem servido de argumento aos que pretendem a
desmilitarização da polícia. Dessa forma, todo o efetivo policial
passaria a ser civil – o que traria um benefício maior à população, pois
o policial paisano é mais eficiente de que o fardado, pelo simples fato
de não ser identificado pelo marginal diante de sua aproximação. A
farda, com o uso ostensivo de armas, estabelece uma situação de falsa
superioridade do PM sobre o cidadão, e cria forte espírito de corpo
entre os milicianos. Acrescente-se a isso o fato do cidadão – pai do
estado – ter sido desarmado pelo Estatuto do Desarmamento, diante de um
estado cada vez mais poderoso, imune às próprias leis, avesso ao estado
de direito.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras, da Academia de Letras e Artes do Nordeste
Nenhum comentário :
Postar um comentário