APÓS A EUFORIA
Faz pouco mais de um ano que Fabio Giambiagi e eu publicamos nosso livro Além da Euforia: Riscos e Lacunas do Modelo Brasileiro de Desenvolvimento.
Ao escrevê-lo, nos motivou a percepção de que a política econômica
brasileira errava em duas frentes. Primeiro, surfava os ventos
favoráveis vindos do exterior, sem atentar para o fato de que o modelo
era dinamicamente explosivo. Segundo, nada fazia para atacar os
problemas que limitam o potencial de crescimento da economia brasileira.
O Brasil acelerou o crescimento entre 2004 e 2010, aproveitando
condições iniciais muito favoráveis e a ajuda vinda da demanda chinesa
por commodities. As reformas dos anos 1990 tornaram a economia mais
eficiente e sua consagração pelo governo Lula reduziu o risco político. A
partir daí, e de reformas como a do crédito consignado e da alienação
fiduciária de imóveis, o crédito aumentou com força, aproveitando o
baixo endividamento das famílias. Isso impulsionou as vendas no comércio
e setores como construção e serviços, que são intensivos em trabalho.
Como o desemprego era inicialmente elevado e o real se valorizou
continuamente, a pressão sobre os preços foi moderada. Também foi
fundamental que a alta no preço das exportações permitiu uma forte
expansão das importações, com uma deterioração consistente, mas
moderada, da conta corrente, que era positiva quando esse ciclo teve
início. O preço mais alto das exportações também beneficiou o
agronegócio e a mineração, estimulando investimentos.
Foi um período de euforia e felicidade geral. A renda e o emprego
aumentaram, a inflação e os juros caíram, a expansão do crédito
viabilizou uma alta ainda maior do consumo e o surgimento da “nova
classe média”. O lucro de empresas e bancos subiu, atraindo mais
investimento e elevando as receitas públicas, dessa forma viabilizando
mais gastos com os projetos favoritos dos políticos.
Até aí tudo bem. O problema foi não se entender que esse modelo não
poderia se sustentar indefinidamente. A contínua apreciação do real,
fundamental para que as famílias ficassem mais ricas, comprometia a
competitividade da indústria. As dívidas, contraídas em volumes
crescentes, um dia precisariam ser pagas. Os preços das exportações não
iam subir para sempre, nem os resultados externos poderiam piorar
indefinidamente sem gerar uma crise externa. E sem reformas não havia
como sustentar o crescimento quando o exército de desempregados se
esgotasse.
Quando começaram a surgir os primeiros sinais de esgotamento desse
modelo, a política econômica, em vez de corrigir os desequilíbrios,
introduziu novos incentivos para manter a dinâmica anterior. Foi então
que se adotou, ao final de 2011, a “nova matriz econômica”.
Basicamente essa consistiu na redução dos juros, tanto pelo Banco
Central, começando com a surpreendente decisão de cortar a Selic em
31/8/2011, como nos bancos comerciais, sob a liderança do BB e da CEF. A
política fiscal ficou ainda mais expansionista, com o abandono das
metas de superávit primário, apenas cumpridas, pro forma, via a
“contabilidade criativa”. O crédito dos bancos públicos aumentou a taxas
extraordinárias, mais do que compensando a retração das instituições
privadas.
No campo microeconômico, a “nova matriz” compreendeu um aumento do
intervencionismo estatal, via seleção de “campeões nacionais” e a
pressão sobre as tarifas nos setores de infraestrutura.
Tudo isso reduziu ainda mais o potencial de crescimento. Como a “nova
matriz” é essencial e reconhecidamente uma política de fomento ao
consumo, as pressões inflacionárias aumentaram. A reação foi outra vez
insistir na política em curso. Em vez de apertar as políticas monetária e
fiscal, essas se tornaram ainda mais expansionistas. O intervencionismo
estatal também aumentou. Adotou-se um regime parcial de controle de
preços, com o uso de isenções tributárias e a compensação financeira de
empresas e governos que limitassem os aumentos de preços.
Em tempos normais os mercados teriam reagido mal. Mas os tempos não eram
normais. Após a crise de 2009, os termos de troca brasileiros
melhoraram significativamente, com o preço das exportações subindo 48%,
em dólares, entre 2009 e 2011. Isso permitiu que as importações
crescessem ainda mais, sem pressionar demais as contas externas. Além
disso, o FED e os bancos centrais europeus e japonês aumentaram muito a
liquidez internacional. O interesse por ativos brasileiros explodiu,
viabilizando uma queda do juro longo.
Como diz Warren Buffet, “só quando a maré baixa é que se sabe quem
estava nadando sem roupa”. A normalização monetária nos EUA, ainda que
muito no início, já baixa a maré da liquidez internacional. Pela reação
dos preços de ativos brasileiros, como ações, moeda e títulos de renda
fixa, o mercado desconfia de com que roupa estávamos surfando a cena
internacional. A euforia já não é a mesma, mostram as ruas. A dúvida é
se a maré vazará rápido o bastante para mudar a política econômica antes
das eleições.
Fonte: FGV/IBRE
Por Armando Castelar Pinheiro
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