NA CAMA COM O INIMIGO
A mídia
de negócios reportou recentemente o processo sucessório na gigante
coreana Samsung. Lee Jae-yong vai substituir seu pai, Lee Kun-hee, que
liderou a empresa por quase três décadas. O conglomerado foi fundado em
1938, tem quase 500 mil funcionários e faturou mais de 300 bilhões de
dólares em 2014. É um símbolo do sucesso corporativo coreano.
O semanário britânico The Economist
identificou três grandes desafios para o herdeiro, os quais,
significativamente, envolvem a busca de situações de equilíbrio. Os
dilemas são focar em hardware ou software, conservar a cultura coreana
da empresa ou tornar-se uma empresa verdadeiramente global e competir ou
cooperar.
O último item constitui desafio comum a muitas
empresas. A mídia popular de negócios frequentemente celebra a
capacidade competitiva. Entretanto, a realidade é mais intrincada. No
livro Co-opetition, da editora Currency Doubleday,
publicado em 1997, Adam M. Brandenburger e Barry J. Nalebuff chamavam a
atenção para as redes de cooperação que caracterizam o jogo corporativo,
a envolver fornecedores, clientes, organizações com atividades
complementares e competidores. Saber cooperar, dentro da lei, é tão
importante quanto saber competir.
Os setores baseados em tecnologia, assim como a indústria automobilística e muitas outras, caracterizam-se por uma complexa rede de relações entre empresas rivais. Diversas montadoras partilham motores, câmbios e dividem custos em novos projetos, porém concorrem diretamente no mercado. Conforme registra a matéria publicada em The Economist, a Samsung é a maior rival da Apple na venda de smartphones, mas tem a empresa norte-americana como principal cliente de semicondutores. A companhia coreana é parceira do Google e utiliza o sistema operacional Android em seus aparelhos. Continua desenvolvendo, entretanto, um sistema próprio. Gerenciar relações desse tipo não é trivial.
Se tais situações de namoro e noivado são
difíceis de administrar, ainda mais desafiadores são os casamentos de
conveniência, que se multiplicam durante as ondas de fusões e
aquisições. Em tais situações, um rival adquire outro ou a ele se une,
com o agrupamento de quadros que frequentemente se desdenham ou se
detestam. Estudos sobre fusões e aquisições revelam que tais movimentos
comumente destroem valor, ou seja, a empresa resultante apresenta menor
valor de mercado do que a soma das empresas participantes da transação,
antes de esta ser efetivada.
As razões para casamentos corporativos de conveniência são
várias e contundentes, entre elas ganhar escala, diluir custos, obter
acesso a novos mercados, juntar forças em tecnologia e viabilizar
projetos de expansão. Em setores nos quais a competição é ferrenha, o
casamento de conveniência torna-se com frequência opção única para a
sobrevivência, pois a alternativa é aguardar a morte lenta.
Dormir (e acordar) com o inimigo nunca
foi fácil. Os meses seguintes de um casamento de conveniência são
traumáticos. A organização resultante costuma parecer obra do doutor
Victor Frankenstein, com partes combinadas de uma e outra empresa. O
resultado assemelha-se à criação do famoso médico – a coisa:
aparentemente grande e poderosa, porém com ares de morto-vivo, vontade
instável e andar trôpego.
Por dentro, a criatura vive em permanente
convulsão. O pensamento é turvado por diferentes visões estratégicas,
incapaz de estabelecer uma direção clara. O coração bate em ritmo
incerto. Os outros órgãos vitais, provenientes de diferentes criaturas,
parecem não se entender. Braços e pernas esboçam movimentos pouco
articulados.
No romance clássico de Mary Shelley, a criatura
atormentada exige que o criador lhe crie uma fêmea, com a qual possa
viver em paz nas selvas sul-americanas. O plano, entretanto, não se
concretiza e a história termina em tragédia, com a morte do criador e a
promessa da criatura de seguir até o extremo norte do planeta, e lá
extinguir a própria existência. Nem todo casamento forçado termina de
forma tão dramática, mas alguns chegam bem perto.
Os namoros e noivados, assim como os casamentos de
conveniência, exigem competências específicas. É preciso entender e
respeitar a cultura organizacional e o modo alheio de fazer as coisas e
aplicar maciças doses de diplomacia, com tolerância, paciência e
resiliência. Tais relações não precisam ser eternas, mas pode-se mitigar
a guerra conjugal enquanto durarem.
Fonte: CartaCapital
Por Thomaz Wood Jr.
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