segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Por Cid Augusto


SE FOR ESCREVER NÃO BEBA.

 SE FOR BEBER NÃO ESCREVA!

Abri sem querer o arquivo das velhas crônicas, espécie de baú eletrônico onde encontrei tantas memórias que meu juízo frágil não suportou: desenrosquei a tampa do litro de uísque e despejei no caneco de ágata dose dupla de lembranças empoeiradas.

Bebi-as num gole e, de repente, diante de mim redesenharam-se músicas, mulheres, noites intermináveis, amigos, pessoas desaparecidas na imensidão da humanidade, a madrugada sem fim, o medo de ser normal, de me fazerem igual aos outros homens.

Outro gole me trouxe Maringá, Natacha, a guantanamera, a tigresa de unhas negras, o choque entre o azul e o cacho de acácias, a primavera, Eurídice - meu silêncio, a menina que, linda, virou mulher, Nefer! Nefer! Nefer!, a flor do mocambo, a mais bonita.

Ainda um e a lembrança de que, ontem, a noite apaixonou-se pela chuva, mas veio o vento, tomou a chuva em seus braços e os dois, diante dos olhos da noite, amaram-se fazendo evoluções eróticas iluminados pelos refletores da velha Praia dos Artistas.

Muitos depois, passei a enxergar versos se desmancharem na prosa, como se para ela fossem feitos. Sílabas poéticas seduzidas em escocesa embriaguez promovendo espécie de traição à lírica, como quem larga o poeta e se aboleta no colo de um cronista.

E este, o prosador das banalidades, despido dos pudores acadêmicos, alisa-lhes as partes íntimas e excita a flor de cada letra, que se arrepia e geme. Depois, com a boca cheia d’água, roça-lhes os fonemas com aquela língua grande, grossa, grogue.

A poesia surpreende os amantes, reclama seu pedaço. Namoram a três, mas ninguém vai ao clímax. Esqueceram-se de convidar a inspiração para a suruba e, sem musas, vocábulos são verbetes brochas no fundo dos dicionários, não alimentam os orgasmos.

É coisa do uísque, só pode. Conheço-lhe as faces e até reformulo o brocardo: “No uísque, a verdade!”. Sinceramente, prefiro as mentiras dele que me deixam menos realista e mais sonhador, pois, às vezes, o bom malte me vale por mil sonhos. Fecha-se o baú.


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