segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Por José Romero Araújo Cardoso*



LUIZ GONZAGA, A VOZ QUE TRADUZIU AS 
ASPIRAÇÕES E A CULTURA DE UM POVO SOFRIDO


A cultura de um povo é a maior riqueza que pode haver na face da terra. Querer destrui-la ou truncá-la é um crime sem perdão, por isso temos que render tributos ao grande Luiz Gonzaga por séculos sem fim.

Liquidar com as culturas de cada povo é uma meta da globalização, da pós-modernidade, pois como poderemos dar lucros à Coca-Cola ou a Mc´Donald´s se insistirmos em preservamos nossos valores culinários? Como poderemos dar lucros às multinacionais que promovem rodeios se continuarmos cultivando nossas vaquejadas e a boa música de Luiz Gonzaga ao invés de cairmos na tentação de prestigiar breganejos que são influenciados pela cultura texana? 

Luiz Gonzaga conseguiu tocar fundo o coração do matuto, pois falou de perto com seu povo, cantando e enaltecendo seu dia-a-dia. Em um tempo em que os assuntos ecológicos ainda não estavam tão em voga ele e Humberto Teixeira denunciaram a perversidade que faziam com o assum preto.

Luiz Gonzaga vai ser sempre a síntese das aspirações sertanejas, até o momento que a “lógica” do capital não inserir de forma proeminente a região semiárida no circuito sofisticado da seletividade espacial.

Ouvir as músicas de Luiz Gonzaga é o mesmo que se imaginar balançando em uma rede tendo ao lado um candeeiro feito de folha de flandres iluminando o retrato do Padim Ciço, o Santo do sertão. 

As canções que gravou tiveram como parceiros verdadeiros gênios que imortalizaram as práticas culturais de um povo. Sem Luiz Gonzaga, estaríamos fadados a uma ênfase maior ao esquecimento de nossas raízes e tradições.

A simplicidade do “rei do baião” era tão destacada que certa vez, quando do histórico encontro com Zé Dantas de Sousa Filho em um hotel em Olinda (PE), depois que o sertanejo de Carnaíba de Flores apresentou-lhe algumas composições que se tornaram clássicas em suas interpretações, fez a louvação ao novo parceiro com as pompas da tradição sertaneja, dizendo-lhe que ele, Zé Dantas, quando adentrou o quarto do hotel no qual se hospedara, que o filho do “Coronel” Zeca tinha cheiro de bode pai de chiqueiro.  O que poderia parecer uma ofensa foi na verdade um elogio à altura do magistral linguajar matuto.

Luiz Gonzaga falava a língua do seu povo, sabia como se comunicar com a massa ávida em desfrutar de sua extraordinária arte inspirada nos carrascais do nordeste castigado pelas secas inclementes, pelas pegadas dos beatos e cangaceiros, pela aflição dos retirantes e pelo temor de que a modernidade pudesse macular a originalidade de uma raça forte.

Luiz Gonzaga tinha o cheiro do chão do nordeste molhado pelas chuvas que põe fim às secas, tinha cheiro de mato verde, de noites de lua cheia clareando a estrada de Canindé e o caminho que leva à Meca sagrada do sertanejo no sul cearense.

Luiz Gonzaga é e será sempre eterno, pois nenhum movimento revisionista de nossa cultura conseguirá apagar a contribuição fantástica que o saudoso matuto do riacho da Brígida promoveu a fim de imortalizar a alma de um povo em todos os quadrantes de suas manifestações do cotidiano.

* José Romero Araújo Cardoso, geógrafo, professor-adjunto da UERN 

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