quarta-feira, 16 de novembro de 2016

POLÍTICA MONETÁRIA
Deixemos de chorumela. Superemos a covardia. É tempo de reconhecer que se, de fato, os bancos centrais fossem capazes de entregar o que prometem, deveriam mesmo ser independentes e autônomos! Independentes com relação à miopia imposta pelo poder desregrado do sistema financeiro privado, que põe em risco o regime democrático. Autônomos ante os Estados que os criaram e a quem devem prestar contas claras e transparentes do cumprimento da missão que lhes foi confiada.

A pergunta é: por que uma agência autônoma, com evidente déficit democrático (uma vez que conduzida por cidadãos não eleitos), a quem é transferida a responsabilidade de suprir um dos mais importantes bens públicos, a relativa estabilidade do valor da moeda? E a resposta é: porque se trata de tarefa eminentemente técnica, cuja execução exige alguma arte.

O controle da inflação e a manutenção da higidez do setor financeiro de qualquer economia envolvem problemas complexos, cuja solução requer conhecimentos especializados executados por agentes experientes e habilidosos, capazes de ajudar a mitigar as flutuações ínsitas às economias de produção monetária. Há outra razão para a autonomia, desta vez em benefício da democracia: ela é o remédio eficaz contra a tentativa de todo (todo!) poder incumbente de ocasião, de forçar uma oportunística expansão de crédito às vésperas de eleições para desequilibrar, a seu favor, o resultado das urnas.

Um governo eleito reconhece sua incapacidade para projetar a ponte que “prometeu” na eleição e contrata, para fazê-lo, um grupo de “experts”, engenheiros treinados em calcular o equilíbrio de forças naturais contraditórias e que conhecem a resistência dos materiais. Da mesma forma, reconhece que não tem capacidade direta para administrar o valor da moeda com o qual se comprometeu na campanha eleitoral e “contrata” um grupo de “experts” economistas que, aprovados pelo Senado Federal, serão encarregados de fazê-lo.

A narrativa é bem-arrumada e parece convincente. O problema com a analogia é que ela deixa uma dúvida no observador inocente: ele vê pontes projetadas por “engenheiros” na antiguidade romana que continuam entregando a sua mercadoria. Não vê, entretanto, os bancos centrais (independentes, autônomos ou “farsantes”) entregarem as suas promessas, o que lhe recomenda um ceticismo cauteloso.

A história da criação dos bancos centrais é longa. Há pelo menos 350 anos, por diversos motivos (em geral, problemas fiscais) alguns governos decidiram dar apoio à criação de instituições bancárias. O primeiro foi o Swedish Riskbank, em 1668. O Bank of England foi criado em 1694, para ajudar a financiar a guerra contra a França! O Banque de France, em 1800, para facilitar o financiamento das guerras napoleônicas. Dois exemplos mostram outra faceta dessa história.

O famoso Federal Reserve, o Fed americano, foi criado em 1913, depois da grave crise financeira de 1907, “para garantir a estabilidade financeira”. Depois da Segunda Guerra Mundial, a absoluta estabilidade monetária tornou-se um dogma religioso na Alemanha, com a criação do Bank Deutscher Land, em 1948 e foi entronizado na lei do Bundesbank, em 1957.

Toda essa discussão tem pouca importância diante de um fato concreto e incontornável: a política monetária não pode ser independente da política fiscal por motivos técnicos (como se vê em Sims, C.A. – “Fiscal Policy, Monetary Policy and Central Bank Independency”, que tanta confusão causou em Jackson Hole, August 26, 2016) e por motivos políticos: o regime democrático a rejeita, pelo enorme custo que impõe aos “perdedores” majoritários.

É por isso que, ao contrário da opinião de muitos economistas, cremos que se deve ver com aprovação o voto cauteloso, mas de confiança, do Banco Central, sob o comando do competente Ilan Goldfajn, na expectativa de melhora da situação fiscal. As condições objetivas para uma redução da taxa de inflação parecem confirmar-se, o que significa que a taxa de juro real ex-ante está crescendo, desestimulando os investimentos, valorizando o câmbio, reduzindo o PIB e aumentando o desemprego. É imperioso e urgente, portanto, dar ao Banco Central o conforto que ele precisa para acelerar a baixa da taxa de juro. A aprovação definitiva da PEC 241 pelo Senado será um bom começo.

 Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
 

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