POLÍTICA MONETÁRIA
Deixemos de chorumela. Superemos a covardia. É tempo de reconhecer que se, de fato, os bancos centrais
fossem capazes de entregar o que prometem, deveriam mesmo ser
independentes e autônomos! Independentes com relação à miopia imposta
pelo poder desregrado do sistema financeiro privado, que põe em risco o
regime democrático. Autônomos ante os Estados que os criaram e a quem
devem prestar contas claras e transparentes do cumprimento da missão que
lhes foi confiada.
A pergunta é: por que uma agência autônoma, com evidente déficit democrático
(uma vez que conduzida por cidadãos não eleitos), a quem é transferida a
responsabilidade de suprir um dos mais importantes bens públicos, a
relativa estabilidade do valor da moeda? E a resposta é: porque se trata
de tarefa eminentemente técnica, cuja execução exige alguma arte.
O controle da inflação
e a manutenção da higidez do setor financeiro de qualquer economia
envolvem problemas complexos, cuja solução requer conhecimentos
especializados executados por agentes experientes e habilidosos, capazes
de ajudar a mitigar as flutuações ínsitas às economias de produção
monetária. Há outra razão para a autonomia, desta vez em benefício da
democracia: ela é o remédio eficaz contra a tentativa de todo (todo!)
poder incumbente de ocasião, de forçar uma oportunística expansão de
crédito às vésperas de eleições para desequilibrar, a seu favor, o
resultado das urnas.
Um governo eleito reconhece sua incapacidade para projetar
a ponte que “prometeu” na eleição e contrata, para fazê-lo, um grupo de
“experts”, engenheiros treinados em calcular o equilíbrio de forças
naturais contraditórias e que conhecem a resistência dos materiais. Da
mesma forma, reconhece que não tem capacidade direta para administrar o
valor da moeda com o qual se comprometeu na campanha eleitoral e
“contrata” um grupo de “experts” economistas que, aprovados pelo Senado Federal, serão encarregados de fazê-lo.
A narrativa é bem-arrumada e
parece convincente. O problema com a analogia é que ela deixa uma dúvida
no observador inocente: ele vê pontes projetadas por “engenheiros” na
antiguidade romana que continuam entregando a sua mercadoria. Não vê,
entretanto, os bancos centrais (independentes, autônomos ou “farsantes”)
entregarem as suas promessas, o que lhe recomenda um ceticismo
cauteloso.
A história da criação dos bancos centrais é longa. Há pelo
menos 350 anos, por diversos motivos (em geral, problemas fiscais)
alguns governos decidiram dar apoio à criação de instituições bancárias.
O primeiro foi o Swedish Riskbank, em 1668. O Bank of England foi
criado em 1694, para ajudar a financiar a guerra contra a França! O
Banque de France, em 1800, para facilitar o financiamento das guerras
napoleônicas. Dois exemplos mostram outra faceta dessa história.
O famoso Federal Reserve, o Fed americano, foi criado em
1913, depois da grave crise financeira de 1907, “para garantir a
estabilidade financeira”. Depois da Segunda Guerra Mundial, a absoluta
estabilidade monetária tornou-se um dogma religioso na Alemanha, com a
criação do Bank Deutscher Land, em 1948 e foi entronizado na lei do
Bundesbank, em 1957.
Toda essa discussão tem pouca importância
diante de um fato concreto e incontornável: a política monetária não
pode ser independente da política fiscal por motivos técnicos (como se
vê em Sims, C.A. – “Fiscal Policy, Monetary Policy and Central Bank
Independency”, que tanta confusão causou em Jackson Hole, August 26,
2016) e por motivos políticos: o regime democrático a rejeita, pelo
enorme custo que impõe aos “perdedores” majoritários.
É por isso que, ao contrário da opinião
de muitos economistas, cremos que se deve ver com aprovação o voto
cauteloso, mas de confiança, do Banco Central, sob o comando do
competente Ilan Goldfajn, na expectativa de melhora da situação fiscal.
As condições objetivas para uma redução da taxa de inflação parecem
confirmar-se, o que significa que a taxa de juro real ex-ante está crescendo, desestimulando os investimentos, valorizando o câmbio, reduzindo o PIB
e aumentando o desemprego. É imperioso e urgente, portanto, dar ao
Banco Central o conforto que ele precisa para acelerar a baixa da taxa
de juro. A aprovação definitiva da PEC 241 pelo Senado será um bom começo.
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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