A NATUREZA DA ECONOMIA
A economia
é um tipo de conhecimento muito diferente daquele das “ciências
naturais” como a física ou a química, onde se pode, às vezes, estudar
efeitos da causa “x” sobre o evento “y”, isolando, cuidadosamente, a
alteração de outras variáveis que poderiam, eventualmente, perturbá-la.
A diferença é que a descoberta de “leis”
naquelas ciências deixa a natureza imperturbada. Depois que Galileu
descobriu a lei da aceleração do movimento, Newton formulou a lei da
gravidade universal e Faraday descobriu a lei da indução
eletromagnética, a natureza não tomou conhecimento. Não pensou em reagir
alterando a constante gravitacional!
A “natureza”, na economia, é a “sociedade
humana”. Uma combinação de indivíduos heterogêneos que reagem aos
estímulos de formas diferentes, pensam, têm memória e interesses. Formam
um sistema complexo de inter-relações que se alteram conforme seus
membros tomam consciência de que, pela organização desses interesses e
pelo “sufrágio universal”, podem mudá-las!
É por isso, e algumas outras coisas, que a
economia não tem relações estáveis (“leis”) e os economistas têm de
construir sempre novos modelos, sujeitos à extraordinária hipótese de
que “todo o resto permanece constante”.
O objeto da economia não muda. Muda o comportamento da sociedade, à medida que ela se conhece. O fato de ser uma modesta disciplina e não uma ciência “dura” não impede, entretanto, que ela tente usar a mesma metodologia para acumular conhecimentos úteis à administração privada e pública.
O objeto da economia não muda. Muda o comportamento da sociedade, à medida que ela se conhece. O fato de ser uma modesta disciplina e não uma ciência “dura” não impede, entretanto, que ela tente usar a mesma metodologia para acumular conhecimentos úteis à administração privada e pública.
É por isso que a discussão entre ortodoxos e heterodoxos é
uma lamentável perda de tempo. Em economia, toda ideia realmente nova
é, por definição, “heterodoxa”. Depois, dependendo da qualidade retórica
da narrativa e da sua sobrevivência ao teste empírico é, ou não,
incorporada à ortodoxia. Keynes foi um grande heterodoxo bem-sucedido.
Hoje está incorporado à ortodoxia pelo neokeynesianismo,
que infecciona os modelos de equilíbrio geral dinâmico estocástico
(DSGE) de quase todos os bancos centrais. Robert Lucas foi, sob alguns
aspectos, um heterodoxo malsucedido. Foi afoitamente abraçado pela
ortodoxia mal informada que acreditou na racionalidade “divina” exigida
pela teoria das expectativas “racionais”.
A economia recepciona boa parte do que sugere o mainstream,
principalmente que existem limites físicos insuperáveis; deve existir
equilíbrio entre a expansão do consumo e a do investimento; há
necessidade de boa ordem fiscal e monetária para que haja espaço para políticas anticíclicas;
as tentativas de violar as identidades da contabilidade nacional sempre
terminam muito mal; o desenvolvimento econômico é apenas o codinome do
aumento da produtividade do trabalho e requer um Estado forte,
constitucionalmente controlado, capaz de regular e garantir o bom
funcionamento dos mercados.
Mas não recepciona a ideia de que os mercados são autorreguláveis, obedecem ao imperativo categórico kantiano e levam ao pleno emprego, nem que há harmonia entre os membros da sociedade. Sabe que ela é dividida em “ganhadores” e “perdedores” e que, portanto, toda política econômica altera essa relação.
A sociedade democrática pretende combinar três objetivos
não inteiramente compatíveis: liberdade individual, mitigação das
desigualdades produzidas pelo acidente do local do nascimento e
eficiência produtiva.
No Brasil, só o exercício permanente e paciente da
política – acompanhado do esclarecimento da maioria (“perdedora”) –
poderá vencer, nas urnas, o “ganhador”, o estamento estatal que se
apropriou do poder.
Fiquemos com a boa e modesta economia e
aceitemos que ela não é “ciência”, mas pode ser muito útil na
administração pública e privada. Como confessou Alan Greenspan (“o
Maestro”, suposto portador da “ciência monetária” transformada em
“arte”), no seu depoimento ao Congresso dos Estados Unidos, em outubro
de 2008, no auge da crise: “Ela é muito maior do que qualquer coisa que
eu poderia ter imaginado... Estou chocado e incrédulo. Cheguei à
conclusão de que nossos modelos (os do Fed) não perceberam a estrutura crítica que define o funcionamento do mundo”.
Você ainda acredita que agora o Fed sabe o que está fazendo?
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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