sábado, 4 de junho de 2016

APOSENTADORIA REPUBLICANA
governo afastado provisoriamente levou longe demais o pensamento mágico. Não acreditou nas restrições físicas impostas pela contabilidade nacional e apoiou-se na proposição ideológica de que “para a vontade política, tudo é possível”. De 2012 a 2016, a presidenta Dilma fez as mais arbitrárias intervenções na economia, tão corajosas quanto desastrosas.

Não poupou nem a política. Meteu os pés pelas mãos intervindo, diretamente, na eleição do presidente da Câmara dos Deputados e perdeu. A energia dispendida nessa soma de erros acabou por tomar-lhe todo o protagonismo e terminou num suicídio. Em menos de um ano, escolheu dois excelentes ministros da Fazenda, mas com visões muito diferentes.

Diante desse quadro, não deve ser surpresa o encolhimento do PIB no último ano, somado a 11 milhões de desempregados e a uma confusão fiscal que não se cansa de apresentar a tenebrosa ameaça de insuspeitados passivos contingentes no nível da União e os por ela permitidos nos estados e municípios, pelo afrouxamento dos controles da Lei de Responsabilidade Fiscal.

As fracassadas tentativas dos competentes economistas Joaquim Levy e Nelson Barbosa deixaram ao menos duas lições: 1. Programas de correção do desequilíbrio fiscal estrutural que não antecipem uma boa probabilidade da volta do crescimento pela mudança da perspectiva geral da economia estão destinados ao fracasso. 2. Qualquer programa, por mais genial que seja, que não conte com um suporte majoritário estável no Congresso Nacional, nunca passará de um exercício acadêmico sem futuro. 

O ministro Henrique Meirelles, tão capaz quanto seus dois antecessores, não está propondo nada muito diferente do que eles sugeriram. Onde está a diferença? Na esperança de que o presidente em exercício, Michel Temer, tenha armado uma espécie de “parlamentarismo de ocasião”, ainda muito mal compreendido por seus críticos.

Nele, o que conta não são os “egos”, as personalidades de destaque, os corporativismos abraçados às suas benesses e aleitados com a boquinha da “meia-entrada”, mas os “votos” que cada um comanda e sua capacidade de pô-los à disposição da causa comum. Se bem-sucedido, dará uma perspectiva de recuperação do crescimento ao Brasil.

Pragmaticamente, proporcionará suporte às mudanças constitucionais e às medidas infraconstitucionais que levarão ao aumento da confiança no governo. São elas que abrirão as portas para a volta do investimento, público com concessões e privado, e darão oxigênio às nossas exportações, os dois vetores do crescimento econômico.

Tem razão o ministro Meirelles, como tinham seus antecessores, Levy e Barbosa. A mais importante das reformas é a do regime de aposentadoria. Ele deve ser equânime e financeiramente sustentável, respeitados o quadro demográfico e as limitações físicas de nossa economia. Não se trata de tirar direitos adquiridos, mesmo porque eles não serão reconhecidos no caos que nos espera se nada for feito! Trata-se de acomodar esses “direitos adquiridos” de forma progressiva e aceitável para todos os que estão trabalhando, sem impor-lhes uma quebra na expectativa de gozo das suas aposentadorias.

Há fórmulas alternativas para fazê-lo e é evidente que nenhuma delas será aprovada sem a sociedade aceitar que são necessárias. O que se pretende é uma aposentadoria mais igualitária, com maior justiça para todos. A questão precisa ser discutida no nível da sociedade, com a participação de todos os que estão trabalhando e um dia esperam se aposentar. A discussão deve transcender a conversa com os guetos sindicais. Esses representam os interesses de minorias eventuais que se apropriaram dos recursos da maioria desorganizada e despercebida, enganada pela gritaria do corporativismo organizado!

Todo cidadão deve ser estimulado a participar da decisão de quem vai pagar, como vai pagar e de que modo cada um, algum dia, receberá a sua aposentadoria. É preciso insistir na universalidade das regras, que é o que distingue a República. As diferenças de qualquer natureza, de sexo, de local de atividade, urbana ou rural, de profissão ou de empregador, Estado ou setor privado, têm de ser mitigadas até desaparecerem.  

Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto 
 

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