APOSENTADORIA REPUBLICANA
O governo
afastado provisoriamente levou longe demais o pensamento mágico. Não
acreditou nas restrições físicas impostas pela contabilidade nacional e
apoiou-se na proposição ideológica de que “para a vontade política, tudo
é possível”. De 2012 a 2016, a presidenta Dilma fez as mais arbitrárias
intervenções na economia, tão corajosas quanto desastrosas.
Não poupou nem a política. Meteu os pés pelas mãos
intervindo, diretamente, na eleição do presidente da Câmara dos
Deputados e perdeu. A energia dispendida nessa soma de erros acabou por
tomar-lhe todo o protagonismo e terminou num suicídio. Em menos de um
ano, escolheu dois excelentes ministros da Fazenda, mas com visões muito diferentes.
Diante desse quadro, não deve ser surpresa o encolhimento do PIB
no último ano, somado a 11 milhões de desempregados e a uma confusão
fiscal que não se cansa de apresentar a tenebrosa ameaça de
insuspeitados passivos contingentes no nível da União e os por ela
permitidos nos estados e municípios, pelo afrouxamento dos controles da
Lei de Responsabilidade Fiscal.
As fracassadas tentativas dos competentes economistas
Joaquim Levy e Nelson Barbosa deixaram ao menos duas lições: 1.
Programas de correção do desequilíbrio fiscal estrutural que não
antecipem uma boa probabilidade da volta do crescimento pela mudança da
perspectiva geral da economia estão destinados ao fracasso. 2. Qualquer
programa, por mais genial que seja, que não conte com um suporte
majoritário estável no Congresso Nacional, nunca passará de um exercício
acadêmico sem futuro.
O ministro Henrique Meirelles,
tão capaz quanto seus dois antecessores, não está propondo nada muito
diferente do que eles sugeriram. Onde está a diferença? Na esperança de
que o presidente em exercício, Michel Temer, tenha armado uma espécie de
“parlamentarismo de ocasião”, ainda muito mal compreendido por seus
críticos.
Nele, o que conta não são os “egos”, as
personalidades de destaque, os corporativismos abraçados às suas
benesses e aleitados com a boquinha da “meia-entrada”, mas os “votos”
que cada um comanda e sua capacidade de pô-los à disposição da causa
comum. Se bem-sucedido, dará uma perspectiva de recuperação do
crescimento ao Brasil.
Pragmaticamente, proporcionará suporte
às mudanças constitucionais e às medidas infraconstitucionais que
levarão ao aumento da confiança no governo. São elas que abrirão as
portas para a volta do investimento, público com concessões e privado, e
darão oxigênio às nossas exportações, os dois vetores do crescimento
econômico.
Tem razão o ministro Meirelles, como tinham seus antecessores, Levy e Barbosa. A mais importante das reformas é a do regime de aposentadoria.
Ele deve ser equânime e financeiramente sustentável, respeitados o
quadro demográfico e as limitações físicas de nossa economia. Não se
trata de tirar direitos adquiridos, mesmo porque eles não serão
reconhecidos no caos que nos espera se nada for feito! Trata-se de
acomodar esses “direitos adquiridos” de forma progressiva e aceitável
para todos os que estão trabalhando, sem impor-lhes uma quebra na
expectativa de gozo das suas aposentadorias.
Há fórmulas alternativas para fazê-lo e é evidente que
nenhuma delas será aprovada sem a sociedade aceitar que são necessárias.
O que se pretende é uma aposentadoria mais igualitária, com maior
justiça para todos. A questão precisa ser discutida no nível da
sociedade, com a participação de todos os que estão trabalhando e um dia
esperam se aposentar. A discussão deve transcender a conversa com os
guetos sindicais. Esses representam os interesses de minorias eventuais
que se apropriaram dos recursos da maioria desorganizada e despercebida,
enganada pela gritaria do corporativismo organizado!
Todo cidadão deve ser estimulado a participar da decisão
de quem vai pagar, como vai pagar e de que modo cada um, algum dia,
receberá a sua aposentadoria. É preciso insistir na universalidade das
regras, que é o que distingue a República. As diferenças de qualquer
natureza, de sexo, de local de atividade, urbana ou rural, de profissão
ou de empregador, Estado ou setor privado, têm de ser mitigadas até
desaparecerem.
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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